Mais rasos que os rios: planos de políticos em meio à seca na Amazônia são superficiais

Políticos das capitais de AC, RR, RO e TO, apoiados por Bolsonaro, ignoram ou tratam do tema de modo superficial

Por Rafael Oliveira | Edição: Giovana Girardi, Agência Pública

Quatro capitais da região Norte do país que vêm se destacando no noticiário nos últimos meses por recordes sucessivos de secas, níveis mais baixos de rios e dias seguidos com péssima qualidade do ar em decorrência das queimadas têm mais uma coisa em comum: candidatos à prefeitura que ignoram as mudanças climáticas ou tratam do tema com superficialidade, sem planos concretos. São elas: Rio Branco (AC), Boa Vista (RR), Porto Velho (RO) e Palmas (TO).

As cidades chamaram atenção também como as únicas em que nenhum dos políticos na corrida eleitoral se dispôs a responder ao Climômetro – projeto da Agência Pública que tentou medir a percepção dos candidatos sobre questões climáticas. Um questionário com cinco perguntas foi enviado para 127 candidatos de 26 capitais. De somente cinco delas não veio nenhuma resposta – além das quatro cidades da Amazônia Legal, também ninguém de Teresina (PI) respondeu.

Além de estarem sofrendo com extremos climáticos, entre queimadas, secas e ondas de calor, as quatro capitais amazônidas têm como favoritos para vencer a eleição um candidato apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), notório negacionista das mudanças climáticas.

A despeito da ausência de respostas ao levantamento, a Pública analisou os planos de governo dos principais candidatos que concorrem à prefeitura e a notícia não é boa: nenhum deles traz propostas detalhadas para combater as mudanças climáticas em seus programas. Alguns chegam a mencionar a crise climática e sugerem algumas medidas – ainda que superficiais. Em outros casos nem sequer há menção ao assunto.

Por que isso importa?

  • Rio Branco, Porto Velho, Boa Vista e Palmas têm sofrido com baixíssima qualidade do ar por causa de fumaças, e seus rios estão atingindo os níveis mais baixos do registro histórico, mas esses impactos da crise climática passam longe dos planos dos futuros prefeitos.

Os achados da Pública vão ao encontro do que o Clima de Eleição, organização de advocacy que monitora como políticos abordam a emergência climática desde as eleições de 2020, tem observado na região amazônica. No começo do ano, o grupo conduziu uma pesquisa focada nas câmaras municipais das capitais da Amazônia Legal.

Além de sentirem a mesma dificuldade em conseguir respostas em cidades como Rio Branco, Palmas e Porto Velho, eles receberam respostas mais focadas em questões ambientais do que propriamente climáticas – algo semelhante ao observado nos planos de governo dos candidatos a prefeito.

“Falavam muito sobre saneamento, resíduos ou a gestão de recursos hídricos serem críticos em seus territórios. Mas ainda não é tão automática a visão de como o clima interfere nessas pautas”, aponta Larissa de Miranda Alem, pesquisadora do Clima de Eleição que conduziu o estudo.

Ela ressalta que essa percepção limitada sobre mudanças climáticas foi observada mesmo entre vereadores mais de esquerda, campo político usualmente mais conectado com a pauta.

Com favoritos bolsonaristas às prefeituras dessas capitais, ela considera que seja ainda mais desafiador que o tema ganhe força, e destaca a importância de eleger vereadores que pautem a crise climática. “Se a liderança se omite ou se opõe, a equipe da prefeitura, as secretarias provavelmente serão menos engajadas. Se a gente realmente eleger prefeituras que vão se opor à pauta climática, que a gente tenha uma vereança que segure um pouco essa atuação”, diz.

Confira abaixo os principais pontos relacionados às mudanças climáticas nos planos de governo dos candidatos com maior intenção de voto em Rio Branco, Boa Vista, Porto Velho e Palmas.

Em Rio Branco, seca histórica e qualidade do ar insalubre não são suficientes para clima ser prioridade

A capital do Acre, uma das que não registraram nenhuma resposta no Climômetro, tem dois candidatos à frente das pesquisas de intenção de voto: o atual prefeito Tião Bocalom (PL), que aparece com cerca de 50%, e o ex-prefeito Marcus Alexandre (MDB), com cerca de 35%.

O Acre é um dos estados que vêm registrando alto número de focos de incêndios, majoritariamente causados por ação humana, mas agravados pela crise climática que tem deixado a floresta muito mais inflamável. Entre janeiro e setembro, foram 6.592 focos de incêndio no estado, um aumento de 39,6% em relação ao mesmo período de 2023, segundo dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Os focos de incêndio têm feito com que a qualidade do ar na capital, Rio Branco, seja uma das piores do mundo, segundo monitoramento do site IQAir. O pior índice registrado no último mês ocorreu em 2 de setembro, quando a média de microgramas de poluentes por metro cúbico (µg/m³) ao longo do dia chegou a 350,9, mais de 23 vezes o nível considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O nível de poluição do ar fez com que aulas da rede pública fossem suspensas e uma greve ambiental de servidores dos Correios fosse deflagrada por um dia. O estado e a capital sofrem ainda com ondas de calor, com termômetros passando de 37 °C por vários dias consecutivos.

Bocalom é apoiado pelo governador do Acre, Gladson Cameli (PP), e pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Conta também com a simpatia e o voto do senador Márcio Bittar (União Brasil), que já fez declarações negando a influência humana nas mudanças climáticas.

Em março de 2023, Bocalom foi recebido na Secretaria de Mudanças Climáticas de São Paulo por seu “grande amigo” Antônio Pinheiro Pedro, então titular da pasta. Pinheiro Pedro foi demitido quatro meses depois por conta de falas negacionistas climáticas.

Segundo levantamento do G1, o político do PL não cumpriu nenhuma de suas promessas relacionadas à pauta ambiental no primeiro mandato.

Em seu plano de governo, Bocalom afirma genericamente que a sustentabilidade ambiental é “extremamente importante”, mas desde que sem “regulamentações excessivas”. E parte para o liberalismo: “Ao permitir que o mercado funcione livremente, com foco em soluções baseadas na eficiência e na responsabilidade corporativa, é possível alcançar um equilíbrio saudável”.

A crise climática aparece, mas não há detalhamento das propostas. Bocalom fala em implantar um centro de monitoramento climático e um conselho municipal de redução de desastres, além de planos de mitigação e adaptação e de ação climática, sem se aprofundar nas medidas.

Há, ainda, promessas de adquirir 20 ônibus elétricos, criar Núcleos de Proteção de Defesa Civil (NUPDECs) nos bairros e “buscar soluções para alagação do rio Acre e as enxurradas dos Igarapés, a escassez de água durante a estiagem, por meio de investimentos em pesquisas, monitoramento e ações efetivas”.

A questão da fumaça aparece somente na proposta de “ampliar ações para redução de queimadas urbanas através da educação ambiental”, sem maior detalhamento. Em debate, Bocalom afirmou que a fumaça que atinge o Acre é “importada” de outros estados e ressaltou redução das queimadas urbanas em sua gestão.

Seu principal adversário, o ex-prefeito Marcus Alexandre (MDB) reconhece diretamente a crise climática em seu plano de governo, abordando vários dos efeitos que os extremos climáticos causaram no município nos últimos anos. As propostas, no entanto, são igualmente vagas.

Alexandre propõe, por exemplo, criar um sistema de alerta e alarme para eventos de enxurradas, implantar sistema de monitoramento da qualidade do ar, reestruturar o plano de arborização urbana e criar programa de capacitação em proteção e defesa civil nas escolas e comunidades. Não há detalhamento sobre as iniciativas ao longo do plano.

O estado vive a maior seca do registro histórico. Em 21 de setembro, o rio Acre chegou ao nível mais baixo já medido, com a cota de 1,23 metro em Rio Branco. Todos os 22 municípios do estado estão com situação de emergência reconhecida pelo governo federal por conta da escassez hídrica.

A seca sem precedentes acontece menos de dez meses depois de o estado viver o maior desastre ambiental de sua história em termos proporcionais, com enchentes atingindo quase todos os municípios acrianos. Na capital Rio Branco, foi registrada a segunda maior cheia da história. Em todo o Acre, foram mais de 120 mil afetados, quase 15% da população.

Em Boa Vista, planos ignoram secas e queimadas

Na capital de Roraima, a situação de Rio Branco se repete: os candidatos com maior intenção de voto não responderam ao Climômetro nem apresentaram propostas detalhadas sobre mudanças climáticas.

O favorito a vencer no primeiro turno é o atual prefeito, Arthur Henrique (MDB), que tem apoio de Bolsonaro. Em seu plano de governo, ele diz ter resolvido mais de 30 pontos críticos de alagamento em sua gestão, ampliado o sistema de escoamento da capital, ter feito limpeza preventiva das praias e entregado ônibus climatizados. Mas as menções às mudanças climáticas e seus efeitos, mesmo indiretas, ficam por aí.

Não há nada sobre queimadas ou sobre a seca que atinge a cidade. O rio Branco, que atravessa a capital de Roraima, registrou seu segundo menor índice histórico este ano, com -39 centímetros. Isso tem afetado o abastecimento de água de Boa Vista e obrigou a prefeitura a decretar situação de emergência, um cenário semelhante ao já vivido em 2023.

Em abril, a cidade enfrentou também níveis alarmantes de poluição do ar. O regime de chuvas da maior parte do estado difere do restante da Amazônia, então o período de maior número de focos de incêndio ocorre nos quatro primeiros meses do ano. Em 2024, Roraima registrou 4.609 focos entre janeiro e abril, 281% a mais do que no mesmo período de 2023 e o maior número da série histórica, iniciada em 1998.

A atenção à crise climática não é maior no programa de governo da principal adversária do emedebista, a deputada estadual Catarina Guerra (União Brasil), que fala apenas em reforçar a Defesa Civil, promover a energia solar, combater alagamentos e fortalecer a educação ambiental. Não há menção direta à emergência climática nem detalhamento das propostas.

Em Porto Velho, silêncio sobre mudanças climáticas

Na capital de Rondônia, o quadro se repete: eventos climáticos estridentes versus silêncio climático dos candidatos.

Porto Velho, assim como Rio Branco, vem sofrendo com a fumaça resultante das queimadas. Em setembro, foram 18 dias com a qualidade do ar entre “muito insalubre” e “perigoso”. O pior dia foi 2 de setembro, quando a média foi de 300,7 µg/m³, 20 vezes o índice considerado aceitável pela OMS. O número de focos de incêndio entre janeiro e setembro foi de 9.344, 83,1% a mais do que no mesmo período de 2023.

Rondônia enfrenta também uma seca sem precedentes. Em 23 de setembro, o porto da capital teve suas atividades paralisadas por conta da seca no rio Madeira, que atingiu a cota de 25 centímetros, a menor da série histórica, iniciada em 1967. Porto Velho tem vivido vários dias com calor acima de 37 °C. Em 21 de setembro, registrou sua segunda maior temperatura desde o início das medições, em 1961, chegando a 40,5 °C, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Nada disso, no entanto, fez com que a crise climática fosse prioridade nos planos de governo dos principais candidatos à prefeitura.

A favorita para vencer a eleição é a ex-deputada federal Mariana Carvalho (União Brasil), que aparece com mais de 50% dos votos nas pesquisas de intenção de voto. Ela tem o apoio do atual prefeito Hildon Chaves (PSDB), e seu candidato a vice, o Pastor Valcenir, é do PL de Jair Bolsonaro – que esteve em Porto Velho no final de setembro para apoiar a candidatura.

O programa de Carvalho não tem nenhuma menção direta à crise climática e mesmo propostas indiretamente relacionadas ao tema são escassas. A candidata fala em elaborar um plano de drenagem urbana, em promover “mobilidade urbana sustentável” e diz que vai realizar um programa de plantio de árvores.

Ela defende ainda “somar esforços junto à União e ao Estado visando o combate às queimadas urbanas, proteção aos igarapés e combate ao desmatamento ilegal”. As ondas de calor e a seca sem precedentes não são mencionadas no plano.

Se Carvalho aparece isolada à frente nas pesquisas, a disputa pela segunda posição é acirrada. Quem aparece numericamente na frente é o ex-deputado estadual e federal Léo Moraes (Podemos). Ele não foi procurado na pesquisa que resultou no Climômetro porque não figurava entre os principais candidatos na época em que os questionários foram enviados.

O programa de governo de Moraes também não aborda as mudanças climáticas diretamente, trazendo apenas algumas propostas que se relacionam com o tema, sem muito aprofundamento. Ele defende investimentos em energias renováveis, expansão de áreas de proteção permanente, educação ambiental e climatização de escolas. Não há menção direta à seca, queimadas ou ondas de calor.

Logo atrás de Moraes está a Juíza Euma Tourinho (MDB), que disputa sua primeira eleição. A despeito de também não abordar diretamente termos relacionados às mudanças climáticas, a candidata defende “implementar novos parques e áreas verdes nas regiões menos arborizadas e mais sujeitas ao fenômeno das ‘ilhas de calor’ e à poluição do ar”. Fala também em energia solar e em medidas contra alagamentos, sem abordar a seca.

Em Palmas, crise climática aparece discretamente

A outra capital da região Norte em que nenhum dos principais candidatos a prefeito respondeu ao Climômetro é Palmas, em Tocantins. As “coincidências” se repetem: o estado e sua capital vivem uma estiagem severa, as temperaturas se aproximam ou ultrapassam os 40 °C por vários dias consecutivos e a fumaça das queimadas polui o ar há meses. De janeiro a setembro, Tocantins registrou 15.173 focos de incêndio, um aumento de quase 100% em relação a 2023 e o maior número para o período desde 2010.

Também aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro, quem lidera a corrida é a deputada estadual Janad Valcari (PL), que tem entre 42% e 50% das intenções de voto segundo as últimas pesquisas. Ela tem o apoio do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos).

Em seu plano de governo, a crise climática aparece discretamente. Ela defende a implantação de plano de ação para adaptação e mitigação às mudanças climáticas, sem dar maiores detalhes. Fala em arborização urbana, combate a incêndios, fortalecimento da Defesa Civil e educação ambiental. Com exceção do projeto relacionado à arborização, não há aprofundamento das propostas relacionadas ao tema. A seca e as ondas de calor não são pautadas no programa.

O segundo candidato com maior intenção de voto é o ex-prefeito de Palmas Eduardo Siqueira Campos (Podemos). Ele tem entre 23% e 28% nas últimas pesquisas e é o favorito para enfrentar Valcari, caso haja segundo turno.

Campos faz uma única menção direta à crise climática em seu plano de governo ao defender “incorporar medidas de gestão de riscos para enfrentar desafios como inundações, desastres naturais e mudanças climáticas, e criar estratégias para aumentar a resiliência das áreas urbanas”.

Ele traz também outras propostas que se relacionam com o tema, como arborização urbana, plano de drenagem, investimentos em energias renováveis e fortalecimento do combate a queimadas e incêndios florestais. Calor e seca não aparecem no programa, e a maior parte das propostas são apenas diretrizes, sem detalhamento.

Imagem: Raphael Alves/Agência Pública

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