Comunidade de Itaúnas se mobiliza para debater privatização de parque

Assessor de Rigoni se antecipou à audiência e fez “visita informal” à vila tradicional

Por: Mariah Friedrich, Século Diário

Em resposta às reivindicações da comunidade de Itaúnas, em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo, onde se concentra a maior resistência ao Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação (PEDUC), a Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa realizará uma audiência pública itinerante na vila nesta quinta-feira (7), às 18h30, na Quadra de Esportes, para debater o projeto privatista da gestão de Renato Casagrande (PSB), liderado pelo secretário de Meio Ambiente, Felipe Rigoni.

Diversos setores da comunidade, incluindo pescadores, comunidades quilombolas e indígenas, trabalhadores do turismo, barraqueiros, artistas e empreendedores locais têm se mobilizado para apresentar suas perspectivas sobre a concessão de áreas dos parques estaduais por 35 anos para exploração por empresários, com construções de pousadas, restaurantes, amplos estacionamentos e estruturas de turismo, como tirolesa e piscina flutuante.

Desde o anúncio dos projetos, feito pela imprensa antes de escuta aos moradores, o movimento “Itaúnas quer Falar” articula frentes para proteger a autonomia local e os direitos das populações tradicionais. Durante a primeira audiência sobre o PEDUC, há uma semana, na Assembleia Legislativa, representantes da comunidade estiveram em Vitória e criticaram a falta de diálogo e transparência do governo. As manifestações ressaltaram os impactos das intervenções ao Parque Estadual de Itaúnas, à preservação ambiental e à sobrevivência de práticas tradicionais e empreendimentos locais.

Um dos principais pontos de preocupação é a ausência de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a construção de estruturas turísticas nos parques. Especialistas apontam que teleféricos, tirolesas, hospedagens e restaurantes nos limites de Unidades de Conservação (UC) ameaçam o ecossistema e colocam em risco as espécies protegidas, muitas delas em risco de extinção.

Além disso, as estruturas propostas pelo projeto do governo dentro dessas áreas competiriam com as iniciativas de turismo sustentável já desenvolvidas no entorno pela população local, que cobra participar das deliberações sobre os projetos que impactam diretamente sua sobrevivência. A população da vila é composta por pescadores, quilombolas, indígenas e ribeirinhos, que têm uma relação ancestral com a terra e a natureza, o que reforça a importância da implementação de mecanismos legais que garantam a consulta e a participação efetiva dessas populações, como estabelecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

‘Visita informal’

Em meio à mobilização local, o assessor do secretário Felipe Rigoni, Vitor Ricciard, esteve na vila de Itaúnas, onde se reuniu com empresários, comerciantes e membros da equipe do parque, conforme ele relatou em reunião do Conselho Estadual de Cultura realizada na tarde dessa terça-feira (5). Durante sua estadia, moradores relataram que o representante do governo declarou que “a visita era informal” e não fazia parte da agenda oficial do governo.

Vitor Ricciardi é do mesmo partido de Rigoni, o União Brasil, e o secretário sempre o apresenta como responsável pelo “maior projeto da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama)”, a concessão dos parques ambientais.

A “visita informal” ocorreu após a audiência pública realizada na Capital, que acentuou o impasse e as críticas à condução do processo, agravados por acusações feitas nas redes sociais por Rigoni de que sofreu desrespeito e capacitismo dos presentes ao debate.

A audiência só foi possível por intervenção da Comissão de Meio Ambiente, provocada pela deputada estadual Iriny Lopes. Nas redes sociais, a parlamentar convoca a população de Itaúnas. “Sua presença é fundamental para barrar o projeto de privatização das nossas unidades de conservação (…). Vamos juntos dizer não à entrega desses espaços para a iniciativa privada. A sociedade e os especialistas precisam ser incluídos nesse debate (…) Vamos barrar esse projeto que, em nome do lucro de alguns, quer destruir o pouco que ainda temos de natureza preservada no nosso Estado”.

Mobilização crescente

A atriz, cantora e poeta Elisa Lucinda, amante declarada da vila de Itaúnas, onde mantém uma casa há anos, uniu-se ao movimento em defesa do parque e publicou um vídeo em suas redes sociais em que compartilha a preocupação de ambientalistas, pesquisadores, professores, cientistas, ecologistas, indígenas e sociedade civil com o programa estadual. “Não faz nenhum sentido um estado rico como o nosso privatizar o nosso paraíso”, afirmou.

A artista também critica a falta de participação social e apresentação de estudos de impactos dos empreendimentos a serem implementados em áreas protegidas e argumenta que o Estado possui condições financeiras e técnicas para cuidar do território. “Se você é capixaba brasileiro do planeta Terra, esse assunto te interessa, não é um assunto de um lugar, é um assunto do mundo, sem economia verde, não haverá desenvolvimento e nem sobrevivência do planeta e de nós”, defendeu.

Ela incentivou as pessoas a assinarem o Manifesto pela Proteção dos Parques Estaduais até o próximo dia 20. Recentemente, o movimento ultrapassou a meta de 10 mil adesões e continua a buscar apoio rumo a 15 mil assinaturas.

Projetos milionários

Além do Parque Estadual de Itaúnas, o Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação (PEDUC) inclui os parques de Cachoeira da Fumaça (PECF), em Alegre; Forno Grande (PEFG) e Mata das Flores (PEMF), em Castelo; Paulo César Vinha (PEPCV), em Guarapari; e Pedra Azul (PEPAZ), em Domingos Martins. Está prevista a realização de um leilão para a concessão dessas unidades no primeiro semestre de 2025.

De acordo com o contrato estabelecido com a multinacional Ernst & Young Global Limited, que recebeu R$ 8 milhões para elaborar os modelos de exploração econômica e turística das unidades de conservação, o prazo para a entrega dos projetos vai até janeiro do ano que vem, o que gera questionamentos sobre a possiblidade de integrar as demandas da sociedade na modelagem.

Os primeiros empreendimentos, elaborados para os Parques Estaduais de Itaúnas e Paulo César Vinha, incluem grandes estruturas que impactam áreas protegidas. Na vila, o plano prevê cinco polos de exploração turística. O primeiro, próximo ao Hotel Barramar, terá duas pousadas de 15 quartos, um restaurante e estacionamento para 200 veículos. O segundo, na antiga foz do Rio Itaúnas, replicará essas estruturas, conectadas por trilhas suspensas. A sede do parque será reformulada com escritórios, alojamento para 16 pessoas e um centro de visitantes, além de um memorial sobre a vila soterrada, cafés e lojas, e uma tirolesa. Mudanças também foram propostas para a área tradicional das barracas.

No Parque Estadual Paulo César Vinha, as intervenções se dividem em dois núcleos. O primeiro, perto da portaria principal, Lagoa de Caraís e Mirante do Alagado, incluirá teleféricos, uma torre de tirolesa e trilhas suspensas. O segundo, que cobre o acesso secundário, abrangerá a Lagoa Feia e áreas alagadas, com a instalação de 28 glampings e bangalôs, decks flutuantes, uma piscina e um restaurante.

Imagem: Lucas S.Costa/Ales

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