Sem anistia: a chance de o Brasil mostrar ao mundo como salvar a democracia. Por Jamil Chade

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Nas próximas semanas, tudo indica que Donald Trump irá dar um indulto aos invasores do Capitólio, enquanto centenas de processos vão ser arquivados. Tudo que existe contra ele por conta de uma suspeita de envolvimento em atos antidemocráticos será abafado. Enquanto isso, grupos extremistas voltam a circular, com um sentimento de revanche.

Vejo ainda como, com recursos públicos, parlamentares brasileiros viajam aos EUA para articular com a extrema direita americana uma aliança para pressionar as instituições brasileiras a partir de falsas narrativas e manipulações.

Mas a realidade é que o Brasil tem agora uma oportunidade única: mostrar ao mundo como se socorre uma democracia, depois de tentativas de golpe, mortes, mentirosos no poder que se passam por colunistas de jornais e uma operação de desinformação sem precedentes.

Mas, para isso, só existe um caminho: a rejeição a qualquer ideia de anistia.

A inelegibilidade de Jair Bolsonaro abriu aquela esperança típica dos sonhadores de que isso significará o fim da sua carreira política, usada como plataforma para interesses pessoais. Mas isso não basta, ainda que possa ser uma decisão importante para a saúde das instituições nacionais.

Eu, particularmente, vou cobrar três outros destinos para nossa história: verdade, memória e justiça.

Quero a verdade, para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Verdade, a tradução da capacidade de a população saber o que de fato ocorreu enquanto um grupo usou o poder para se apoderar de instituições de estado. O que de fato foi considerado quando foram tomadas decisões que resultaram na morte de pessoas durante a pandemia. O que estava em jogo quando, debochando do sofrimento de milhões de pessoas, buscava-se apenas a reeleição.

Trata-se do direito à integridade de uma pessoa, a saber o que ocorreu diante da angústia instalada. Num cenário pós-guerra, as famílias querem a verdade sobre o destino dos corpos de seus filhos, quem disparou a bala, por qual ideal padeceram.

No Brasil, exigimos saber por qual motivo vidas foram criminosamente abreviadas.

Mas também qual era o objetivo quando a democracia foi estilhaçada no planalto central em 8 de janeiro de 2023. Nesta semana, os ecos daquelas bombas ainda soaram pela capital e num sinal de que o desafio não foi superado.

Quero também preservar a memória, para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Para que as próximas gerações saibam exatamente o que ocorreu no Brasil entre 2019 e 2023, para que os livros de história tragam o isolamento que se estabeleceu para o país no mundo e para que cada cova cavada não seja a história de uma inevitabilidade.

Há sete décadas, a Alemanha destina milhões de euros para se desnazificar. Todos os dias. E parte desse trabalho é conduzido nas escolas e na conscientização do que representam as ideias que chegaram ao poder, nos anos 30.

A busca pela memória promove o debate, sem tabus. E, sem atalhos, esse é o caminho para promover uma reconciliação e fechar feridas.

Mas isso tampouco basta.

Precisamos, portanto, de justiça para que a história recente do Brasil não se repita. Nem como tragédia e nem como farsa.

Justiça, que Freud chamava de “o primeiro requisito da civilização”, não é erguer um picadeiro para que revanche seja feita. Justiça é, sobretudo, um reconhecimento da existência de vítimas e a proteção do futuro.

A democracia não morre apenas no escuro ou num noite chuvosa.

Ela também morre em plena luz do dia, em publicações obscuras no diário oficial, em invasões de terras, na circulação de um vírus, na propagação do ódio, no uso da mentira como estratégia de poder. E ela morre quando não lidamos com seus detratores e quando a impunidade vence.

Desta vez, a anistia não tem lugar.

Não estamos falando sobre o passado. Mas sobre a construção do futuro.

No dicionário da democracia, os conceitos de memória, verdade e justiça estão todos no mesmo capítulo. Aquele escrito com sangue e que tem como objetivo resgatar sociedades mergulhadas num ciclo de violência, recolocando-as num longo caminho de uma cultura da paz.

Sem Anistia.

Fogo simbólico no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes. Foto: Dida Sampaio / Estadão.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Zelik Trajber.

 

 

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