NOTA PÚBLICA: Em Rondônia, Ação do MPF favorece mais de 300 famílias do acampamento Élcio Machado, que se encontram ameaçadas de despejo

Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional), com informações da CPT Rondônia

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Rondônia, junto com a Ouvidoria-Geral Externa da Defensoria Pública do Estado (DPE-RO), emitiram Nota Pública celebrando a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) em favor de mais de 300 famílias de agricultores familiares do Acampamento Élcio Machado, no município de  Monte Negro (RO).

A decisão, que atende à petição do Ministério Público Federal (MPF) para transferir o caso à Justiça Federal, reafirma que os casos em que há envolvimento de terras públicas, com atuação de órgãos como o INCRA e o MPF, devem ser tratados no âmbito da Justiça Federal.

Esta é a realidade da maior parte das terras em disputa em Rondônia. Estima-se que mais de 16 mil famílias enfrentam situação de insegurança jurídica em todo o estado, sofrendo ameaças e execuções de despejos, mesmo exercendo posse pacífica e cumprindo a função social da terra na produção de alimentos.

Segue a Nota Pública.


NOTA PÚBLICA

Em Rondônia, Ação do MPF favorece mais de 300 famílias do acampamento Élcio Machado, que se encontram ameaçadas de despejo

A atuação do MPF, representado pelo Procurador da República, Dr. Raphael Beviláqua, foi decisiva para desmascarar as fraudes documentais e garantir que a discussão sobre o domínio da União sobre as terras públicas seja discutida pela Justiça Federal. 

Em recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) em favor de agricultores familiares no município de  Monte Negro (RO) ressalta a importância de garantir o cumprimento do Artigo 109, I da Constituição Federal de 1988, que estabelece a competência da Justiça Federal em casos envolvendo terras públicas ou de interesse da União.

No dia 12 de novembro de 2024, a 1ª Câmara Cível do TJRO ratificou, por unanimidade, o voto do relator, desembargador Rowilson Teixeira, no julgamento do Agravo de Instrumento – Processo N. 0800480-19.2024.8.22.0000 – interposto pelo Ministério Público Federal – MPF. A decisão reverteu a determinação anterior do juízo de 1º grau da Comarca de Ariquemes, que havia ordenado a reintegração de posse contra mais de 300 famílias de agricultores familiares, da área conhecida como Élcio Machado, desconsiderando a natureza pública da terra e a petição do MPF para transferir o caso à Justiça Federal.

O acórdão do TJRO marca um precedente fundamental na jurisprudência agráriareafirmando que casos em que há envolvimento de terras públicas, com atuação de órgãos como o INCRA e o MPF, devem ser tratados no âmbito da Justiça Federal. A decisão também combate práticas de grilagem, um problema crônico em Rondônia, onde vastas áreas de terras públicas foram irregularmente apropriadas por latifundiários em uma das regiões com mais conflitos agrários e violência no campo de Rondônia. 

A decisão do TJRO também reconhece a insegurança jurídica enfrentada por centenas de famílias que reivindicam o direito de permanecer em terras consolidadas, mas que, frequentemente, são alvos de ações possessórias em favor de grandes proprietários. A atuação do MPF, representado pelo Procurador da República, Dr. Raphael Beviláqua, foi decisiva para desmascarar as fraudes documentais e garantir que a discussão sobre o domínio da União sobre as terras públicas seja discutida pela Justiça Federal.

A decisão, de modo acertado, aplica o Artigo 109, I. da Constituição Federal de 1988para fixar a competência da Justiça Federal em julgar matéria em que tenha interesse da União. 

Infelizmente temos testemunhado e registrado com muita tristeza e indignação despejos de centenas de famílias por decisões proferidas em flagrante violação do que determina a Constituição acerca da competência, resultando em danos irreversíveis e irreparáveis do ponto de vista material, psicológico, traumatizando crianças, mulheres e idosos ante a violência que o despejo representa. Ademais, a defesa do patrimônio público contra a grilagem e em defesa da função social deste patrimônio é imperativo determinado pela Constituição Federal. 

A maior parte de terras em disputa em Rondônia envolvem áreas públicas, muitas das quais teriam sido griladas por latifundiários, ou por detentores de títulos provisórios com cláusulas resolutivas não cumpridas. Muitas das atuais ações de reintegração de posse da Justiça Estadual de Rondônia envolvem situações semelhantes, donde os próprios juízes deveriam pedir à Justiça Federal para decidir sobre o assunto, antes de mandar despejar as famílias, que ocupam essas áreas em mais de duas décadas, exercendo posse pacífica e cumprindo a função social da terra ao torna-la produtiva, assim como contribuir com a segurança alimentar de várias famílias 

A decisão confirma o interesse da União sob aquelas terras, tese que as famílias têm denunciado há muitos anos no Vale do Anari, assim como em várias outras regiões em Rondônia. Além de ter sido região palco de grandes conflitos de terra nas primeiras décadas deste século. Em Rondônia há numerosas áreas consolidadas, em terras públicas, e conflitos que se alastram por décadas, sem que as famílias de pequenos agricultores que ocuparam a terra consigam ver legalizadas a suas justas demandas. Situação agravada nos últimos anos, em que o desmantelamento e extinção dos órgãos responsáveis pela questão fundiária no Brasil. 

Na área do Élcio Machado, cerca de trezentas famílias de pequenos agricultores ocupam a área há quinze anos, período em que, tiveram que enfrentar, inclusive o INCRA, que não mostrou interesse em regularizar a posse da área ou assentar os pequenos agricultores, vivendo numa permanente situação de insegurança jurídica. Os ocupantes sempre defenderam que a área era terra pública, que tinha sido grilada pelo latifundiário. 

Ainda, as famílias acampadas desde o início tiveram que enfrentar pesados ataques de pistoleiros armados. O nome de Élcio Machado foi dado em homenagem a um camponês perseguido, cruelmente torturado e assassinado junto com Gilson Machado, dois camponeses da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), no dia 09 de dezembro de 2009. Os autores e mandantes dos crimes, supostamente capangas do fazendeiro, nunca foram responsabilizados nem julgados.

Em 29 de novembro de 2014, houve outro episódio de violência, quando desapareceu de forma suspeita um dos acampados: Luiz Carlos da Silva, 38 anos. Segundo a esposa da vítima, Luiz Carlos saiu para trabalhar em uma propriedade localizada na LC-25 e não voltou. Um grupo de posseiros realizou buscas e registrou um Boletim de Ocorrência Policial referente ao desaparecimento. Após três dias do sumiço o grupo fechou a BR-421 num protesto, conseguindo que buscas fossem realizadas pela polícia e pelos bombeiros, porém Luiz não foi localizado.

Nas audiências da mediação, INCRA tinha chegado a anunciar que o Imóvel Ubirajara tinha sido destacado legalmente do patrimônio público para o particular – 770ª reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência de 17 de dezembro de 2014 – e não podia ser desapropriado para reforma agrária, chegando-se a cogitar a compra-venda do imóvel pelo decreto 433/92.

Porém, em abril de 2018, no TRF1 um acórdão foi publicado no dia 11 de abril confirmando o que sempre os agricultores tinham informado: As terras públicas da Área do Élcio Machado tinham sido griladas pelo suposto proprietário, com notificação ao Cartório de Imóveis para cancelamento dos títulos, e notificação da Polícia para a retirada do grileiro.

Contudo, a ameaça de despejo se concretou novamente a inícios de 2024, após anos de ocupação pacífica e consolidada, por decisão de reintegração de posse da Comarca de Ariquemes, contra a qual os agricultores se mobilizaram intensamente, acampando frente ao fórum e conseguindo que o Ministério Público Federal e da Defensoria Pública do Estado de RO, por meio de seu Núcleo Especializado Agrário, pedisse o cancelamento da reintegração, e diante da negativa do juiz de reconhecer a competência federal, agravasse a decisão.

Ainda decisão do TJ/RO é considerada paradigmática, quebrando aquele entendimento que a discussão sobre a posse da terra não entra no mérito de propriedade. Em terra púbica ou da união, a decisão sobre a posse da terra não é mera competência da Justiça Estadual, mas depende do mérito da questão sobre o domínio ou propriedade da mesma, em lide que corresponde a esfera da Justiça Federal. Para além disso, qual seria o entendimento de posse do TJRO ao desconsiderar ocupações “pacíficas” e produtivas de mais de 15 ou 20 anos, e reconhecer posse de quem nunca ao menos plantou uma mandioca?

Neste sentido, celebramos esse alento na busca por justiça para as mais de 16 mil famílias que enfrentam a situação de insegurança jurídica em RO, pelo reconhecimento do Tribunal da aplicação da Constituição Federal e conclamação, seja aplicado a determinação da Norma Constitucional nas dezenas de outros processos possessórios que versam sobre terras públicas federais e que seguem em tramitação na justiça Estadual, com a atuação do INCRA via sua procuradoria especializada, do MPF e da Defensoria Pública do Estado e da União – DPU.

Comissão Pastoral da Terra Rondônia – CPT/RO

Ouvidoria-Geral Externa da DPE-RO

Camponeses se mobilizam contra reintegração de posse de suas terras. Foto: Banco de Dados/AND

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