Audiência Pública discute os danos causados pelos agrotóxicos à população de Goiás

Debate da temática na Assembleia Legislativo do Estado de Goiás marca o encerramento da Jornada contra os Agrotóxicos em Goiás, realizada nos dias 26 e 27 de novembro

Por Marilia da Silva | CPT Goiás

Para debater a problemática dos agrotóxicos no estado de Goiás com o conjunto da sociedade e o poder público, a primeira Jornada Contra os Agrotóxicos em Goiás realizou, no dia 27 de novembro, uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. A atividade foi organizada pela Campanha em Defesa do Cerrado, com a parceria da CPT Goiás, CPT Nacional e MST Goiás, sendo proposta à casa legislativa pela deputada estadual Bia de Lima.

Na audiência, pesquisadoras, representantes de instituições públicas e organizações da sociedade civil falaram sobre as limitações da legislação e regulamentação relativas ao uso de substâncias agroquímicas no estado e no país, e sobre os mecanismos de monitoramento de sua presença nociva no meio ambiente, com consequências negativas para a saúde das populações do campo e da cidade.

A atividade contou com a apresentação de resultados de pesquisas recentes realizadas em Goiás e com os relatos de comunidades atingidas constantemente por agrotóxicos, devido à proximidade de áreas de monocultura extensiva, modelo de agricultura que depende do uso de venenos agroquímicos.

Assista a gravação da Audiência Pública “Impactos dos Agrotóxicos em Goiás”, que foi transmitida ao vivo pela TV Assembleia

ÁGUAS E PESSOAS CONTAMINADAS

Na abertura da audiência, Leila Lemes, da CPT Goiás, falou da importância de apresentar a pesquisa realizada em parceria com a Campanha Cerrado e a Fiocruz, que revelou a presença de pelo menos 5 diferentes tipos de agrotóxicos na água consumida pelo Acampamento Leonir Orback, do MST Goiás, localizado em Santa Helena de Goiás (GO) e apresentou à deputada Bia de Lima uma série de reivindicações dos movimentos do campo em relação ao monitoramento dos impactos sobre a saúde das comunidades camponesas, que mostram a necessidade de leis e políticas públicas para sua proteção.

Nilva Machado, integrante do Setor de Saúde do acampamento, relatou como é convivência da comunidade com um ambiente contaminado. O acampamento é vizinho de áreas de plantio de cana, soja e milho, em Santa Helena de Goiás (GO). Com a pulverização aérea, que ocorre inclusive com uso de aviões, é inevitável que os venenos não atinjam suas casas, cultivos e corpos.

“Nós produzimos sem veneno, mas colhemos pouco. Eles aplicam veneno junto da cerca e ele atinge as casas, as pessoas, as crianças, os animais. Quando chega a época do plantio a gente sabe que a situação vai piorar. É problema respiratório, de pele, já perdemos pessoas por câncer. Teve pessoas que tiveram que sair da comunidade”, conta Nilva.

Ela relata também que profissionais de unidades de saúde da região não dão a atenção devida aos relatos de moradores, que relacionam sintomas apresentados à exposição aos agrotóxicos. Isso ocorre mesmo nos casos em que relatam que os venenos atingiram diretamente seus corpos. O mesmo problema foi relatado também por morador de uma comunidade de Niquelândia (GO).

Da plenária, um morador do Acampamento Ribeirão Jaraguá, contou que na comunidade já foram perdidos cerca de 10 enxames de abelhas devido aos agrotóxicos pulverizados na região.

PESQUISAS APONTAM PARA NECESSIDADE DE MAIS MONITORAMENTO

Fernanda Savicki, da Fundação Oswaldo Cruz, foi quem apresentou ao público, em detalhes, os resultados da análise das águas do Acampamento Leonir Orback. Os resultados apontam para a presença de pelo menos 5 tipos de agrotóxicos nocivos à saúde e ao meio ambiente nas fontes de água do acampamento. A devolutiva completa da pesquisa foi apresentada à comunidade na Missão Territorial da jornada, na véspera da audiência.

Saiba como foi a Missão Territorial da Jornada Contra os Agrotóxicos em Goiás no Acampamento Leonir Orback

Fernanda Savicki falou sobre necessidade de ampliação dos mecanismos de monitoramento da qualidade da água ofertada às populações e sobre a necessidade urgente de revisão nos parâmetros de avaliação de qualidade da água, que além de defasados em relação ao volume de substâncias autorizadas no Brasil, também são muito frouxos em relação aos parâmetros de outros países. “Esta água está potável para quem?”, questionou.

Miller Caldas, pesquisador do Laboratório de Mutagênese da UFG, apresentou ao público uma série de pesquisas sobre monitoramento da saúde do trabalhador rural exposto direta e indiretamente aos agrotóxicos, que incluem exames laboratoriais e acompanhamento de pacientes oncológicos.

Uma das pesquisas analisou material genético colhido entre trabalhadores rurais do Acampamento Leonir Orback. Assim como a pesquisa realizada pela Fiocruz, os resultados apontam para possíveis danos à saúde desta população e para a necessidade de biomonitoramento da comunidade, com realização de coletas de material de forma repetida, em diferentes épocas do ano.

MEDIDAS PARA SUPERAÇÃO DA CRISE HUMANITÁRIA PROVOCADA PELOS AGROTÓXICOS

Jaqueline Pivato, da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e em Defesa da Vida, também compôs a mesa da Audiência e disse que só será possível avançarmos nesta discussão se a sociedade encarar que o problema dos agrotóxicos não é específico do campo, da pauta ambiental e da saúde. “Estamos diante de uma crise humanitária e a gente precisa de fato se organizar e apresentar medidas reais e concretas de saída, se quisermos dar continuidade à própria humanidade”, avalia.

A História aponta que os agrotóxicos foram desenvolvimentos pela indústria da guerra, enquanto potentes armas químicas para grandes disputas territoriais. Para Jaqueline, eles seguem operando na lógica da dominação, do poder e do controle das populações, mesmo em sua migração para a indústria agroquímica.

”Os agrotóxicos foram pensados na lógica da destruição de biodiversidade, do monocultivo, da transformação da produção de alimentos em commodities, se tornando mercadoria para disputa de poder, disputa de território, expulsão de comunidades. A lógica do agronegócio é conectada à lógica da violência. A gente perde culturalmente, a gente perde na questão do meio ambiente, a gente perde em termos de direitos, em todas as nossas dimensões enquanto sociedade”, avalia Jaqueline.

Magno Pereira Lima, da Coordenador da Vigilância Ambiental e Saúde do Trabalhador da Superintendência de Vigilância em Saúde do Estado de Goiás (Suvisa), também compôs a mesa da audiência, onde defendeu a necessidade de envolvimento dos diversos setores do poder público do debate sobre os impactos dos agronegócios em Goiás. “O setor do Meio Ambiente, a Agrodefesa, todos deveriam estar aqui”, disse.

Rodrigo Gonçalves de Souza, chefe da divisão de articulação da Superintendência Estadual do MDA falou sobre os desafios para a implementação do Programa Nacional de Redução dos Agrotóxicos, diante do forte lobby do setor do agronegócio sobre as instituições do estado. “Precisamos de mobilização das organizações da sociedade civil. É uma hipocrisia dizer que [o PRONARA] serve a interesses estrangeiros, porque o maior interesse estrangeiro é exportar agrotóxicos pro Brasil. O Brasil produz exporta um produto simples, mas para produzir grãos e carne, precisa importar produtos de grandes corporações de países ricos”, analisa.

A Campanha Contra os Agrotóxicos elaborou um Informe, onde registrou das atividades da Jornada Contra os Agrotóxicos em Goiás, elencando todas as propostas de enfrentamento aos agrotóxicos e de fortalecimento da agroecologia em Goiás, caminho apontado para reduzir os impactos dos venenos agroquímicos no estado.

Leia aqui o INFORME Jornada Contra os Agrotóxicos e em Defesa da Vida em Goiás, da Campanha Contra os Agrotóxicos

Protesto contra PL dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul. Foto: Leandro Molina

 

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