Em audiência com o ministro Paulo Teixeira do MDA, coordenação nacional da CPT entrega documento que alerta sobre aumento da violência e lentidão na regularização de terras para os povos do Campo, das Águas e das Florestas
por Cláudia Pereira | APC / CPT
Com aumento da violência na disputa por terras e recursos naturais, a coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entregou ao ministro Paulo Teixeira do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), documento com informações atualizadas sobre os conflitos no campo em audiência com a presença do atual presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), César Audrighi. As informações revelam um cenário preocupante com mais de 2.200 conflitos registrados entre 2014 e 2023, evidenciando a persistência e o agravamento da violência no campo.
A audiência, que aconteceu na sede da Esplanada dos Ministérios, Brasília (12) contou com a presença de integrantes da coordenação Nacional da CPT, Campanha Contra Violência no Campo e o dom José Ionilton Oliveira, presidente da CPT e bispo da Prelazia do Marajó (PA). Além de entregar o documento, questionou o ministro e representantes do INCRA sobre o agravamento dos conflitos. Mais de 90% dos conflitos registrados pela CPT envolvem a ocupação de terras de comunidades tradicionais com longa história de presença nessas áreas. A lentidão nos processos do INCRA e a falta de ação em casos de comunidades vulneráveis aumentam ainda mais a insegurança. Há também um aumento da violência, com ameaças a lideranças e a participação crescente de forças policiais e do crime organizado que se aliam ao agronegócio, agravando a situação.
A CPT criticou os programas de regularização fundiária do governo federal, como “Prateleira de Terras” e “Terra da Gente”, considerando-os insuficientes para conter os conflitos agrários e democratizar o acesso à terra.
Ministro minimiza conflitos e celebra diminuição de mortes
“Eu acho muito importante a diminuição das mortes do campo pelo terceiro ano. E acho que o aumento do conflito se dá porque o governo atual é popular”, disse o então ministro Paulo Teixeira.
O ministro Paulo Teixeira minimizou os conflitos, expressando satisfação com a diminuição do número de mortes no campo. Ele atribuiu o aumento dos conflitos à popularidade do governo e contrasta a atual gestão com o governo anterior, que incentivava a violência. O ministro enfatizou o compromisso do governo em fortalecer a presença do Estado no campo, buscando mediar os conflitos e garantir a segurança dos trabalhadores camponeses.
A CPT questionou a falta de reconhecimento dos direitos territoriais quilombolas e a distribuição desigual de terras em estados como Amapá, Rondônia e Roraima, alertando para o risco de aumento da violência e marginalização dessas populações. A pastoral denunciou ainda a intensificação da violência em áreas de grandes projetos, como AMACRO e MATOPIBA, com apoio político e econômico do Estado.
Em documento entregue ao ministro da pasta, a CPT informa que a última década foi marcada por uma “contrarreforma agrária” e pela ascensão do agronegócio, da mineração e de projetos energéticos como forças dominantes no campo brasileiro. A organização aponta que o processo se agravou após o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, intensificando a violência praticada por agentes públicos e privados, cenário que persiste no atual governo.
Paulo Teixeira destacou que os conflitos atuais, embora intensos, são diferentes do passado, pois ocorrem dentro de um quadro legal e institucional, com o objetivo de diminuir a violência. O ministro reconheceu que os conflitos são inerentes à democracia e expressou abertura ao diálogo com os movimentos sociais. Ele propôs três canais de comunicação: a ouvidoria do MDA, para conciliação e mediação de conflitos; o diálogo político com a assessoria especial do ministério; e o contato direto com o próprio ministro, quando necessário. Ele ressaltou, no entanto, a necessidade de otimizar o tempo e a eficiência das reuniões, citando o longo tempo dedicado ao encontro em questão.
“O senhor falava de que os conflitos são consequências de um governo popular. A gente também pensa nisso. Tanto nós como o governo, desejamos que o número de violência diminua, porque a situação nos territórios é extremamente grave”, expressou dom Ionilton que foi interrompido pelo Ministro que reafirmava a sua satisfação com os dados do relatório.
Assentamento Cinco Estrelas: Um caso emblemático
O caso do assentamento Cinco Estrelas no estado do Mato Grosso, expôs a fragilidade do sistema de regularização fundiária. O INCRA já havia autorizado o assentamento das famílias, mas uma decisão judicial suspendeu a medida. Dom Ionilton questionou a falta de intervenção do Ministério e denunciou o sofrimento dos moradores, que enfrentam calor, fome, sede, perseguições e ameaças.
O bispo relatou que, após contatar o ministro Paulo Teixeira para solicitar ação imediata, não obteve resposta. Ele questionou a razão pela qual a decisão do INCRA e do governo não está sendo cumprida, devido à atuação da desembargadora em favor dos grileiros, em detrimento dos camponeses já assentados. Além disso, Dom Ionilton enviou um ofício ao ministro, detalhando a situação do assentamento. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) respondeu, informando que a questão foi encaminhada ao INCRA para despacho. No entanto, a procuradora da Justiça aguarda esse despacho para dar prosseguimento ao caso.
Durante um conflito, integrantes do assentamento, agentes da pastoral e uma defensora pública foram presos durante o conflito. No entanto, há um apelo para que o ministro Paulo Teixeira entre em contato direto com a desembargadora, a fim de expor a gravidade da situação. As famílias do assentamento manifestam um sentimento de abandono por parte do governo e temem que as terras sejam devolvidas aos grileiros. Cláudia Dadico, do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, confirmou a gravidade do conflito no assentamento Cinco Estrelas, relatado por Dom Ionilton. Diante da brutalidade da ação policial, a Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo e o Conselho Nacional de Direitos Humanos apresentaram uma representação por abuso de autoridade contra os policiais envolvidos na operação. A representação foi elaborada em conjunto com os agentes pastorais da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Mato Grosso.
Quanto ao andamento do processo, Dadico informou que está agendado uma audiência que requer a participação do ministro com a desembargadora nesta terça-feira (18/03). A reunião tem como objetivo dar prosseguimento ao despacho do processo, que se encontra paralisado.
Dados do INCRA e da Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo
Durante a audiência, o INCRA apresentou dados sobre os programas de reforma agrária, destacando o número de famílias assentadas e regularizadas, os recursos investidos e as metas para os próximos anos. A apresentação dos dados levou o maior tempo da audiência. A Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo, por sua vez, expôs o cenário dos conflitos agrários, com destaque para o número de conflitos acompanhados, lideranças ameaçadas e casos de reintegração de posse.
Os dados revelaram a persistência da violência no campo, apesar da diminuição no número de assassinatos de defensores de direitos humanos. A situação na Amazônia e em regiões como MATOPIBA e o sul do Amazonas foi apontada como especialmente crítica.
O INCRA Apresentou números da Reforma Agrária detalhando os programas em andamento, destacando que atualmente existe:
- 1.180 acampamentos cadastrados, abrigando 115.924 famílias, com maior concentração nos estados do Pará, Mato Grosso do Sul e Bahia.
- 25 mil famílias assentadas e 52 mil regularizadas entre 2023 e 2024, além de 47 mil em territórios quilombolas. A meta é assentar 60 mil famílias até 2026.
- 134 assentamentos entregues pelo presidente Lula, beneficiando 12.297 famílias e liberando 402 mil hectares.
- Após a retomada de suas atividades em 2023, o INCRA recebeu R$ 368 milhões em 2024 e o governo planeja investir R$ 1,4 bilhão na regularização e destinação de terras.
A Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo apresentou dados preocupantes sobre os conflitos agrários e alerta para os conflitos e ameaças: São monitorados 517 conflitos agrários que afetam 94 mil famílias, com 69 lideranças sob ameaça. Atualmente são monitorados 125 casos de reintegrações de posse com maior incidência nos estados do Maranhão, Pará, Bahia e Alagoas. Destes casos, 33 são acompanhados pela União Europeia.
CPT critica “Reforma Agrária de Mercado” e defende ação urgente
A CPT criticou a “reforma agrária de mercado”, que prioriza a lógica do mercado em detrimento dos direitos das comunidades tradicionais. A organização defendeu a priorização da regularização de áreas extensas, a consideração de casos emblemáticos de comunidades tradicionais e a adoção de medidas para promover o bem-estar das comunidades camponesas, incentivando a agricultura sustentável e livre de agrotóxicos.
A audiência evidenciou a necessidade de um diálogo mais frequente e efetivo entre o governo e os movimentos sociais, bem como a urgência de ações conjuntas para garantir os direitos dos povos do campo, das florestas e das águas.
Carlos Lima, da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destacou a longa espera para a realização da audiência com o ministro Paulo Teixeira e representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Ele enfatizou que a necessidade do encontro foi manifestada publicamente pelo ministro em abril, durante o lançamento do caderno de conflitos da CPT, mas a agenda só foi concretizada após quase um ano de tentativas. Carlos ressaltou o esforço da assessoria do ministro para viabilizar a reunião.
O coordenador da CPT frisou a importância do documento entregue ao Ministro e ao INCRA que analisa criticamente a política de reforma agrária do governo, apontando para a predominância da lógica da “reforma agrária de mercado”, apresenta casos emblemáticos de conflitos e solicita um canal de diálogo mais frequente com o governo.
O documento destaca as preocupações sobre os conflitos, como exemplo a situação da Usina Laginha, em Alagoas, onde uma empresa falida busca retomar as atividades e solicitou o corte de energia do acampamento com cerca de três mil famílias. A CPT também mencionou o caso da Usina Frei Caneca, em Pernambuco, onde a empresa colocou o imóvel à disposição do INCRA, mas aguarda a ação do órgão.
A CPT reconhece os esforços do governo na mediação de conflitos, mas defende uma ação mais estratégica do MDA e do INCRA para garantir os direitos dos povos originários, quilombolas, comunidades tradicionais, posseiros e sem-terra. O documento entregue critica a política de “compra de terras” para a reforma agrária, argumentando que ela beneficia grileiros e negligencia a urgência e a complexidade dos conflitos agrários. A CPT considera insuficientes os programas de regularização fundiária do governo, como o “Terra da Gente”, e defende uma postura mais efetiva do Executivo para conter as pretensões do agronegócio.
A CPT ressalta a necessidade de um tratamento diferenciado para as especificidades regionais, especialmente na Amazônia, em razão de sua história de ocupação e da presença de povos e comunidades tradicionais.
Ministro afirmou que enfrenta pressão de grileiros
O ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário, destacou a importância da reforma agrária e a necessidade de diálogo com diversos setores, incluindo deputados e movimentos sociais. Ele enfatizou o compromisso do governo em combater a violência no campo e revelou que sofre pressão de grileiros para desistir de ações de reintegração de posse.
“Nós recolocamos a reforma agrária de novo na agenda nacional”, afirmou Teixeira, citando a desapropriação de uma fazenda em Minas Gerais como exemplo do compromisso do governo. Ele relatou que o governo busca soluções para conflitos agrários em diversas instâncias, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), onde obteve uma decisão favorável à reintegração de posse.
Teixeira reconheceu a influência dos grileiros no Judiciário, mas garantiu que o governo está “guerreando” para garantir os direitos dos povos do campo. Ele mencionou pressões para desistir de ações no STJ, mas reafirmou sua determinação em não recuar.
“Olha, vêm aqui os advogados mais bem pagos do Brasil e eu os atendo. Eles vão ganhar uma hora de honorário. Então, eu os entendo, mas não arredo um pé nas ações do Poder Judiciário de reintegração de posse”, declarou o ministro.
CPT alerta para destinação de terras na Amazônia e cobra ações do governo
Cecília Gomes, da Coordenação Nacional da CPT, expressou ao ministro Paulo Teixeira a preocupação com a destinação de terras públicas na Amazônia, especialmente nos estados do Amapá, Rondônia e Roraima. Ela alertou para o repasse de terras sem a devida diferenciação e reconhecimento de áreas importantes, como reservas indígenas, o que pode agravar a violência e os problemas socioambientais na região.
A proposta da CPT para solucionar esses problemas foi rejeitada, gerando apreensão sobre o processo de destinação das terras públicas.
O ministro Paulo Teixeira respondeu que o governo está empenhado em frear o repasse de terras públicas e em garantir os direitos de comunidades tradicionais, como quilombolas e indígenas. Ele se comprometeu a dialogar com o governador do Amapá, um aliado político, para discutir a questão das terras repassadas em 2001 e 2016.
Teixeira destacou que o governo está retomando terras públicas e que o INCRA tem realizado um trabalho excelente nesse sentido. Ele também mencionou a titulação de 30 decretos de quilombos em 2024, demonstrando o compromisso do governo com a regularização fundiária. Cecília Gomes questionou como poderia encaminhar a questão das terras públicas, buscando um canal de diálogo com o governo. Ela mencionou que a CPT já havia realizado uma audiência com a Câmara do MDA de Reconciliação Agrária para tratar do assunto.
A audiência foi encerrada pelo ministro prometendo sua presença no lançamento do anuário de conflitos da CPT a ser realizado no dia 23 de abril em Brasília na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A Comissão Pastoral da Terra (CPT) reafirmou sua crítica aos programas de regularização fundiária do governo federal e considera essas iniciativas insuficientes para conter os conflitos agrários e democratizar o acesso à terra, além de falharem no reconhecimento dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais.
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Cláudia Pereira | APC