Reflexão sobre a profunda crise do projeto moderno ocidental e os caminhos para enfrentá-la. Superar ideais de conquista é crucial – assim como retomar concepções da vida e de mundo fundadas na integração à natureza, no cuidado e na partilha
Por Soleni Biscouto Fressato, em Outras Palavras
Para os povos indígenas do rio Negro,[1] dentre eles os Desana, os seus antepassados eram “gente-peixe”, que vieram do cosmos para povoar a Terra, navegando numa canoa em formato de uma enorme serpente. No meio da escuridão, surgiu, por ela mesma, Yebá Buró, a Avó do Mundo, sustentada num banco de quartzo branco. Mascando ipadu[2] e fumando tabaco, ela começou a pensar em como deveria ser o mundo. Enquanto ela pensava, levantou-se uma esfera: era o mundo, que ela chamou de Maloca[3] do Universo. Depois, Yebá Buró tirou um pouco de ipadu da boca e os transformou em homens, eram os Trovões ou os Homens de Quartzo Branco. Yebá Buró ordenou que eles criassem a humanidade, mas eles nada fizeram. A Avó do Mundo, então, resolveu criar outro ser que seguisse suas instruções e no mesmo momento surgiu, da fumaça do seu cigarro de tabaco, o Deus da Terra. O Terceiro Trovão e o Deus da Terra uniram-se para criar a “gente-peixe”. O Terceiro Trovão se transformou na “canoa serpente” e trouxe o Deus da Terra e a “gente-peixe” para povoar o mundo, que ainda não existia. Durante muitos séculos, a “gente-peixe” viveu na “canoa serpente”, até que surgiu uma enorme parede de gelo. O Deus da Terra reuniu todo o seu conhecimento e, com seu bastão, quebrou a parede de gelo. Quando a parede de gelo foi quebrada, surgiram o céu, os mares, os oceanos e toda a terra, e a “gente-peixe” desembarcou e começou a povoar o mundo todo[4]. Para os Kaxinawá, povos que habitam o estado do Acre (Brasil) e o Peru, a origem da vida é a “mulher jiboia”, que vive nas águas do igarapé[5]. Entre os Shipibos, povo da Amazônia peruana, o rio, onde surgiu a vida, é uma grande serpente que se chama Ronin. (mais…)
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