Tática Goebbels na “reforma” da Previdência

“Repita uma mentira mil vezes”, ensinou o ministro de Hitler. No início do debate sobre a PEC-287 no Congresso, fica claro que governo não tem argumentos sólidos – tentará ganhar no grito. Pode não dar certo…

Por Glauco Faria, no Previdência/Outras Palavras

A primeira audiência pública realizada pela Comissão Especial da “Reforma” da Previdência foi didática para que fosse explicitada a forma com que o governo vai tratar a questão das alterações do sistema previdenciário no Congresso Nacional.

Primeiro, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, fez uma apresentação prevendo o caos em caso de não-aprovação da PEC 287, mas não permaneceu na sessão do colegiado para debater com os parlamentares, evidenciando que o diálogo não é exatamente o método adotado pelo Planalto para convencer os deputados a apoiarem a proposta de “reforma”.

Depois, o secretário de Previdência, Marcelo Caetano, que também fez uma exposição inicial, tergiversou quando foi criticado pelos membros da Comissão, e foi afagado por integrantes da tropa governista presente. Cientes de que o jogo jogado ali não se limitava apenas àquele espaço, mas seria repercutido de forma seletiva pelos veículos da mídia tradicional, os apoiadores de Temer trataram de escolher e expor o tipo de munição que usariam contra aqueles que rejeitam a PEC da “reforma”.

Em geral, os elogios feitos à “competência” do secretário de Previdência vinham acompanhados de observações atinentes ao caráter “técnico” da proposta enviado pelo governo. Não é exatamente uma estratégia nova. Em entrevistas, Caetano já tentara justificar o desmonte previdenciário, cujo objetivo seria o “equilíbrio das contas”, sendo uma iniciativa de cunho técnico. É uma forma de colocar os discordantes no limbo do desconhecimento ou da “paixão”, como que desprovidos do conhecimento necessário para debater a questão.

“Será que todos os especialistas reconhecidos do país estão errados e esses de retórica vazia e intensa estão certos?”, questionou o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) a certa altura, fazendo referência aos parlamentares que questionavam os argumentos apresentados pelo representante do governo. O consenso aludido por ele simplesmente não existe, dado que diversos estudiosos confrontam as medidas dispostas na PEC 287, vide, por exemplo, o recém lançado documento-síntese Previdência: reforma para excluir?.

O líder do governo na comissão, Darcísio Perondi (PMDB-RS), seguiu a mesma linha quando defendeu que não fossem criadas sub-relatorias para auxiliar nos trabalhos do colegiado. “Vai demorar muito e vai complicar os trabalhos. E avançando mais, falar sobre idade mínima… Tem a ONU, tem experiências internacionais, tem literatura de sobra para nos informar. A inteligência da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados e a própria inteligência do governo tem dados extraordinários.”

“É uma irracionalidade,uma loucura quando partimos para uma discussão em que os fatos são desconsiderados e a matemática não existe. Por favor, traga racionalidade aqui”, clamou o deputado Thiago Peixoto (PSD-GO) a Marcelo Caetano, colocando o secretário de Previdência em uma posição de quase profeta, como se o debate já tivesse sido feito e os luminares do Planalto apontassem o caminho.

Outro ardil utilizado pelos governistas é o de dividir categorias e segmentos, mostrando que alguns seriam “privilegiados” dentro do sistema previdenciário, sejam as mulheres, os trabalhadores rurais ou categorias que dispõem de condições diferenciadas de acesso aos benefícios. No limite, impõe-se a culpa pelo suposto déficit da Previdência ao próprio trabalhador, que teria condições melhores para obter a aposentadoria do que em outros países. Na prática, não têm, contando ainda com muito menos direitos sociais que países desenvolvidos ou membros da OCDE, alvos recorrentes de comparação. Contudo, importa mais a repetição de argumentos que serão reverberados pela mídia comercial do que as discussões em si.

Mas os dissensos entre membros da base de apoio ao governo também ficaram expostos durante a audiência. São deputados que defendem interesses difusos, como os de categorias policiais, por exemplo, entre outros. Um nicho para se trabalhar em conjunto a rejeição de pontos da PEC. Mesmo parlamentares conservadores têm dificuldades para digerir os efeitos de uma proposta que pode cair mal entre seus eleitores, como se fez notar na fala de Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que criticou a proposta por prejudicar a classe média, de acordo com sua visão. “Bem ou mal o sistema funciona, o que está indevidamente colocado sobre a previdência são os subsídios sociais”, defendeu.

Sabendo desse contexto, o discurso de alguns deputados para buscar amalgamar o apoio às alterações do modelo previdenciário se deslocou para o cultivo do ódio, tentando caracterizar a oposição à PEC 287 como algo relacionado ao PT. Aí também não reside novidade. Ainda mais levando-se em conta o fato de movimentos que mobilizaram manifestações em favor do impeachment de Dilma Rousseff estarem sendo criticados pelo seu público por apoiarem a “reforma”. Trata-se de uma base já rachada e o recurso à retórica da cólera é uma tentativa de unir forças que já não têm mais os mesmos interesses. Dessa vez pode não funcionar.

 

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