Povos indígenas do Vale do Javari divulgam carta com condições para dar fim à ocupação da Funai em Atalaia do Norte

No Cimi

Na última quarta-feira (20), os povos Matis, Mayuruna, Kanamary e Marubo divulgaram uma carta em que fazem reivindicações e pedem a exoneração do coordenador regional da Funai em Atalaia do Norte (AM). No dia 19, mais de cem indígenas destes povo ocuparam a sede da Coordenação Técnica (CR) da Funai – Vale do Javari, localizada na cidade de Atalaia do Norte, a 1.100 quilômetros em linha reta  de Manaus, no extremo oeste do Amazonas e na fronteira com o Peru.

As reivindicações apresentadas na carta divulgada pelos indígenas e direcionada ao presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, são colocadas como condições para que a sede da CR de Atalaia do Norte seja desocupada.

Entre os pontos que os indígenas do Vale do Javari abordam no documento estão a insegurança que os indígenas enfrentam, especialmente por se localizarem em uma região de tríplice fronteira que está na rota do tráfico internacional de drogas, e a falta de providências para garantir o fim da presença de indígenas Korubo isolados no território dos Matis, o que impede as atividades rotineiras do povo.

Os indígenas também denunciam “o desrespeito do Coordenador ao povo Matis”, denunciando que o coordenador regional da Funai de Atalaia do Norte “intimidou o povo Matis com ameaça de usar a força policial e exército brasileiro de forma desnecessário para cessar conflitos interétnicos”.

No início de dezembro de 2014, dois indígenas Matis foram assassinadas durante conflito com índios isolados do povo korubo, na aldeia Todowak, às margens do rio Coari. Esse fato teria desencadeado retaliação e provocado morte também de isolados.

Os povos que ocupam a sede da CR denunciam ainda que “não há iniciativa do coordenador para apoiar o desenvolvimentos nas comunidades, com isso aumentando evasão de indígenas para cidades vizinhas em busca de emprego e educação”.

Por fim, os indígenas solicitam que o presidente da Funai cumpra a agenda de visita ao Vale do Javari para construir um plano participativo que atenda às demandas dos povos do Vale, solicitando também celeridade na nomeação de um novo coordenador regional.

Clique aqui para ler a carta na íntegra.

Foto: Associação Indígena Matis

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CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DO VALE DO JAVARI.

URGENTE

Ao: Exmo. Sr. João Pedro Gonçalves

Presidente da Fundação Nacional do Índio – FUNAI

Exmo. Sr. Presidente,

Os povos indígenas do Vale do Javari, representada pelas etnias Matís, Mayuruna, Kanamary e Marubo reunidas na sede da Coordenação Regional da FUNAI do Vale do Javari, momento da mobilização do povo Matís que ocupam a sede desta CR, vem apresentar suas reivindicações conforme o que segue:

Considerando que a Terra Indígena do Vale do Javari está localizada na região de tríplice fronteira, onde há livre acesso de transito de pessoas de nacionalidades diferentes, invasão da terra indígena, região de maior produtor de entorpecentes, rota internacional de tráfico de drogas, onde o estado brasileiro deveria criar uma estratégia política de efetivar a segurança da soberania nacional independentemente da existência dos povos indígenas, com objetivo de proteger e fiscalizar a região como área de fronteira, o que nunca aconteceu;

Considerando que por parte do órgão indigenista, o coordenador da FUNAI da CR de Atalaia do Norte, perdeu o diálogo com os povos indígenas do Vale do Javari, causando insatisfação sobretudo ao povo Matís e demais etnias que habitam o Vale;

Considerando que a mobilização reivindicatória, especialmente do povo Matís é legitima;

Considerando que a ocupação da sede da CR é o resultado do desrespeito do Coordenador ao povo Matís, não simplesmente como autores do massacre classificado pelo coordenador, mas, no atendimento das demandas apresentadas, principalmente, a questão levantada pela própria FUNAI de monitorar os Korubo através da instalação de uma casa de apoio na foz do rio Coari e outra na foz do rio Branco;

Considerando que a falta de monitoramento desses isolados resultou em conflitos entre Korubo e Matís, questão que tirou o foco da atenção em outras situações como a invasão dos pescadores nessa região dominado pelos isolados e de outras atribuições da FUNAI no âmbito do Javari;

Considerando que o coordenador da CR intimidou o povo Matís com ameaça de usar a força policial e exército brasileiro de forma desnecessário para cessar conflitos inter étnico, causando ainda mais revolta ao povo Matis;

Considerando que no período de ações de plano estratégico chamado de quarentena, foi acordado na sede da CR que após a remoção dos grupos assistido nesse período, a FUNAI iria colocar servidores na aldeia Matís para dar apoio no monitoramento de outros grupos Korubo após Conferencia Regional, acordo que não foi cumprido, inclusive, esses grupos isolados ainda estão permanentemente presente nas proximidades das aldeias. O que impede todas as atividades rotineiras do povo Matís;

O povo Matís reconhece seus erros de terem se confrontado com os Korubo, e que não irão mais tomar qualquer atitude hostil com restante dos Korubo que estão permanentemente nas redondezas das aldeias, assim pede que a FUNAI também reconheça a chacina cometida pela própria FUNAI nos anos 1973 a 1974 quando o sertanista Jaime morreu a bordunada pelos Korubo no antigo Frente de Atração Marubão;

Considerando os indígenas que vem das aldeias para a cidade em busca de receber benefícios sociais como, bolsa família e outros atendimentos sociais não tem tido apoio digno, fator pelo qual permanecem dias em condições insalubres no porto Atalaia do Norte a espera de receber seus vencimentos. Pois, o município não dispõem de redes bancárias que atenda a demanda do município e de outros órgãos que regulamenta o acesso dos direitos sociais desses povos;

Considerando que o coordenador proíbe aos indígenas guardarem seus equipamentos como, motores na sede da CR, quando chegam na sede do município, muito menos na sua balsa flutuante, onde os indígenas não tem condições para construir suas estruturas próprias para atendimento dessa demanda e;

Considerando que o coordenador aos invés de monitorar e acompanhar a educação indígena do Vale do Javari junto ao estado e município, de acordo com que alegava o coordenador, que é “prerrogativa legal desta Instituição”, o que não se viu os avanços;

Enquanto os povos indígenas passam por uma grande necessidade de desenvolvimento de projetos de sustentabilidade e geração renda para construção de suas autonomias, acompanhando a nova missão institucional de mudar a visão dos povos indígenas de saírem da dependência diretamente com órgãos assistencialista e paternalista, não há iniciativa do coordenador para apoiar o desenvolvimentos nas comunidades, com isso aumentando evasão de indígenas para cidades vizinhas em busca de emprego e educação. O projeto etno­desenvolvimento implantado pelo ex­coordenador foram abandonados nas comunidades por falta de acompanhamento técnico;

Considerando que a viatura do órgão é usado como se fosse particular, sendo encontrada estacionada altas horas da noite na porta de Bares da Cidade e até na cidade vizinha de Benjamin Constant, mas para apoiar as necessidades dos indígenas sempre cria dificuldades, alegando não ter combustível;

Considerando a morosidade da implantação do Comitê Gestor, instância que possibilitaria o dialogo dos povos indígenas no plano de atividades que garantiria a participação dos indígenas nas ações do órgão;

E diante dessa situação, com objetivo de evitar o agravamento de relacionamento entre o Coordenador Regional e os povos indígenas da região decidimos ocupar a sede da CR para que a Presidência tome as providências de Exonerar o atual Coordenador Regional da CR Vale do Javari Bruno da Cunha Araújo Pereira;

Assim, pedimos a agilidade nas providencias em relação a exoneração do referido coordenador para que assim possamos desocupar a sede do órgão;

Assim também solicitamos o cumprimento da agenda do Presidente de vir para o Vale do Javari para construirmos o diálogo e um plano participativo do órgão que vise o atendimento que emerge em relação ao povo Matís e sobretudo das demandas dos povos indígenas do Vale do Javari.

Reiteramos a Carta de Solicitação de nomeação dos indígenas para assumir o cargo da Coordenação Regional da CR Vale do Javari, conforme a Carta nᵒ 003̸UNIAJA̸2015, data do dia 23 de outubro de 2015 entregue em mãos na ocasião da reunião do CNPI. Segue também anexo carta do povo Matís, com suas reivindicações.

Por fim, considerando sua experiência de homem público e como é conhecedor da nossa causa, externamos todo nosso voto de confiança em atender nosso pedido com maior brevidade possível.

Nossas saudações indígenas.

Atalaia do Norte – AM, 20 de janeiro de 2016

Foto: Divulgação Associação Indígena Matis,

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