Bandeira de Aço: doc sobre o disco de Papete/Marcus Pereira é disponibilizado no youtube

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Na segunda metade da década de 1960, um publicitário paulista decidiu produzir discos de fim de ano para serem ofertado a seus clientes. Durante quatro ou cinco natais o presente foi bem recebido, segundo consta; mas a principal consequência do gesto foi outra: a agência de publicidade acabou, e em seu lugar nasceu a Discos Marcus Pereira. Como ele escreveria mais tarde, “É difícil gostar de ser cúmplice de interesses que vivem de estimular, ao delírio, o consumo numa sociedade onde apenas uma minoria tem condições de consumir”.

Durante os (poucos) anos seguintes, Marcus faria um dos mais importantes trabalhos de recolhimento da cultura brasileira. Não interessava se o material a ser recolhido estava numa capital (Elis Regina cantando Porto Alegre, por exemplo, na coleção Música da Região Sul), ou num interiorzão que demandaria viagens e cuidados para documentar um boi, um repente, um sanfoneiro, como Mondadori e seu “Boi Barroso”.

Muitos artistas até então anônimos têm nesse mapeamento das Regiões brasileiras (as coleções abrangem o Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, além do Sul) o único registro de seus trabalhos. Outros, como Cartola (embora já gravados por diferentes cantores) e Elomar, ganharam seus merecidos primeiros elepês, preservando suas vozes e talentos.

Visionário, quixote sensível, emocional e emocionante, Marcus Pereira lutou o quanto pode antes de se dar por vencido, em 1981. A distribuição (gravadoras chegaram a ameaçar de boicote lojas que vendessem seus discos) e a política cultural da ditadura (não apoiar, perseguir ou censurar também é ‘política cultural’) foram as armas principais para derrotá-lo. Antes, porém, a cultura e a música em particular ganharam importantes presentes. Um deles foi “Bandeira de Aço”.

Lançado em 1978,  o disco apresentava ao resto do Brasil não apenas Papete, seu intérprete, como os compositores maranhenses Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Ronaldo Mota e Sérgio Habibe, desconhecidos para a maioria do País. Infelizmente, em termos locais o elepê teve um resultado lamentável: por desinformação e falta de comunicação, alguns pensaram ser a (falimentar) gravadora de Marcus Pereira algo semelhante às multinacionais. E, além dos direitos autorais, cobraram também de Papete o fato de ter registrado com sua voz as diversas composições, sem entender na ocasião que, como intérprete, ele contribuía ainda mais para valorizar essa belíssima antologia do que se produzia então na MPB do Maranhão.

O vídeo abaixo, que acaba de ser lançado no Youtube, foi feito para um show realizado em 28 de maio de 2013, no Teatro Arthur Azevedo, em São Luiz, comemorando os 35 anos de lançamento do disco. Nos seus 22 minutos, depoimentos dos compositores das músicas e do próprio Papete se misturam com outros, da época e da geração seguinte, como Zeca Baleiro, falando da importância que o elepê teve para todos. Mas não só.

Além desse importante resgate, há ainda uma pequena viagem paralela no tempo, para nos recordar, por exemplo, de quando Aldo Leite e o Laborarte viajavam também País afora, mostrando o belíssimo e impactante “Tempo de Espera”. De formas diferenciadas mas unidos na intenção, combatíamos todos a ditadura, lutando por justiça e democracia. Queríamos mudar o Brasil e o mundo antes do ano 2000!

Vale ver o documentário, inclusive como um primeiro passo para vir a conhecer algumas dessas obras e personagens. Fora isso, “Bandeira de de Aço” pode ser ouvido (é o que estou fazendo agora) na íntegra AQUI. Gostaria de poder deixar uma sugestão especial para ser curtida aos poucos: toda a discografia lançada por Marcus Pereira deveria estar presente AQUI. Infelizmente, nem sempre o link funciona, e parece estar agora desativado. Deixo o registro, de qualquer forma. Quem sabe ele volta ‘ao ar’? E quem sabe, também, a atual detentora das matrizes originais relança o material ou abre mão dele para quem queira fazê-lo. É o mínimo!

Comments (1)

  1. Não é verdade a parte do texto que se refere
    à suposta “desinformação e falta de comunicação” dos autores que participaram do LP Bandeira de Aço, ou que julgaram tratar-se de uma multinacional a gravadora Marcus Pereira, motivando a cobrança de direitos autorais. É querer duvidar da inteligência dos autores. Claro que sabíamos ds importância cultural e do caráter disseminador do projeto.
    No meu caso, em particular, protestei na ocasião de assinar um documento intitulado Cessão de Direitos Autorais, juridicamente obsoleto, pois permitiria a terceiros apropriarem-se das faixas registradas pela Marcus Pereira, caso a gravadora fosse repassada a algum grupo comercial. Foi o que aconteceu.
    Além disso, o intérprete Papete não respeitou a originalidade rítmica de algumas músicas e sequer convidou os autores a participarem do disco com as suas vozes ou sugestões de arranjos.
    Papete lançou-se como cantor a partir do disco Bandeira de Aço, em 1978. Até então era um percussionista respeitado internacionalmente pelo seu trabalho como percussionista, divulgando o berimbau da Bahia. Só depois, influenciado pelo trabalho dos artistas que participaram do Bandeira de Aço, passou a explorar rítmos maranhenses, como o Bumba meu boi e o Tambor de crioula.

    Cesar Teixeira
    São Luís – MA, 7 de outubro de 2021.

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