“Esse modelo de desenvolvimento não pergunta se a gente existe e o que a gente quer”, diz quilombola impactado por porto em Santarém

Comunidades denunciam irregularidades de Relatório de Impacto Ambiental de porto da Embraps, que não reconhece 10 comunidades nas proximidades do Lago Maicá, e questionam quem serão os reais beneficiados com os empreendimentos.

Por Assessoria de Comunicação da Terra de Direitos

A questão “Quem vai se beneficiar com a construção dos portos em Santarém?” marcou as discussões do segundo dia de debates do seminário Direito e Desenvolvimento. Com mais um dia de auditório lotado, os movimentos sociais tiveram protagonismo ao apontar a invisibilidade dos reais impactados aos olhos das empresas e do governo.

Morador da comunidade Saracura, Franciney Oliveira de Jesus vai ser um dos impactados pela construção de um terminal portuário da Empresa Brasileira de Portos em Santarém (Embraps), na região do lago Maicá. A obra chega com a promessa de diminuir pela metade o custo de escoamento de grãos – principalmente da soja, vinda do Mato Grosso. Ao mesmo tempo, ameaça a permanência de indígenas e comunidades tradicionais que vivem da pesca nas proximidades, pois o empreendimento acarretará em transformações ambientais.

Franciney questiona a maneira como é encaminhado o projeto, que não leva em consideração as alterações que serão sofridas pelos moradores das proximidades. “Esse modelo de desenvolvimento não pergunta se a gente existe ou se a gente quer”, aponta.

Exemplo da desconsideração com as populações afetadas é o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA ) produzido pela Embraps. O relatório identifica apenas uma das dez comunidades quilombolas que serão afetadas, indicando a existência de apenas baixa vegetação. “O Rima diz que só tem graminha na região. É assim que eles nos consideram”, denuncia.

Integrante da Pastoral Social, Valda Oliveira chama a atenção para a ação da empresa. Uma placa dentro do lago Maicá identifica a região como propriedade privada. “É um absurdo a Embraps proibir o acesso a um bem que é público, e impedir que moradores que desenvolvem atividades no lago – como ribeirinhas e pescadores – acessem o espaço”, destaca.

A privatização do lago foi condenada pela procuradora Agrária de Justiça de Santarém, Ione Nakamura. “Estamos falando de um bem comum, que deve ser utilizado para coletividade”. Ela também alertou para a necessidade de integrar relatórios de impactos ambientais de forma mais ampla, para que seja possível prever as reais mudanças trazidas por empreendimentos como portos e hidrelétricas.

“Se o Rio Tapajós vai ser barrado vai diminuir o nível das águas? Será que a praia de Alter do Chão vai ser alimentada pelas águas barrentas do Rio Amazonas?”, questiona.

Modelo insustentável

Professor da Universidade de Brasília, o sociólogo Sérgio Sauer indica que o Estado brasileiro vem optando por um modelo que favorece o crescimento econômico, e não o desenvolvimento – que está relacionado, inclusive, aos aspectos de desenvolvimento social. O professor também questiona quem são os reais beneficiados por essa opção. “Quem se beneficia são poucos, e não são os diretamente afetados”, alerta.

A experiência da construção do porto da Cargil na antiga praia de Vera Paz – marcada por falseamento, manipulação e omissões nos relatórios nos relatórios de impacto ambiental – indica como essa opção de projeto beneficia o agronegócio e impacta a população para além das comunidades atingidas diretamente.

Desde a chegada da Cargil em Santarém, em 2001, houve um aumento de até 60 mil hectares de área de cultivo de soja no Pará. Para além dos impactos diretos na construção, o porto impulsiona a monocultura de grãos – o que é altamente prejudicial para o equilíbrio do ecossistema.

Sauer também alerta para outra questão. O modelo de crescimento econômico que opta pelo desenvolvimento do porto no Lago do Maicá não se baseia na exportação de produtos industrializados, mas primários. Como a Lei Complementar nº 7 de 1996 isenta produtos primários, como grãos, do pagamento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o estado do Pará deixa de arrecadar cerca de 20 bilhões de reais por ano.

“Esse modelo de crescimento econômico é insustentável”, destaca. “Mesmo do ponto de vista do capital, esse modelo é problemático. A base desse crescimento – que se baseia no lucro – é fundamentada na exploração dos recursos naturais, que em algum momento acabam”, explica.

Direito de consulta

Os movimentos sociais presentes também apontaram o descaso de empresas e do poder público ao não cumprir o que está estabelecido na legislação brasileira e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Esse tratado determina a consulta livre, prévia e informada para qualquer medida que afete comunidades tradicionais, como indígenas, ribeirinhos, quilombolas, agroextrativistas e diversas outras populações que mantêm relação diferenciada com o território onde vivem. Essa consulta deve ser realizada antes que seja empreendido ou autorizado qualquer programa nas terras das comunidades.

Integrante do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita), Auricélia Arapium, lembrou: “Temos o direito de ser consultados. Mas não queremos qualquer consulta – como audiência pública. Queremos uma que seja nosso jeito”.Em relação a falta consulta das comunidades, os movimentos denunciaram artimanhas da empresa para simular o diálogo. Listas de presenças de eventos foram utilizadas bara burlar o direito de consulta dos moradores.

Duas Ações Civis Públicas foram protocoladas pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual para suspender o processo de licenciamento ambiental até que haja diálogo com indígenas e quilombolas impactados.

Direito e Desenvolvimento

’Barrar o rio é barrar nosso direitos’ é o tema da discussão do terceiro e último dia seminário ‘Direito e Desenvolvimento’.

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