“Se a gente for esperar o governo, a gente vai morrer – eles vão matar a gente”, diz indígena ameaçada por hidrelétrica

‘Barrar o rio é barrar nossos direitos’ foi tema da discussão do terceiro dia do Seminário ‘Direito e Desenvolvimento’. A partir do exemplo de luta dos atingidos por Belo Monte, movimentos sociais de Santarém apontam necessidade de união para impedir a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós.

Por Assessoria de Comunicação da Terra de Direitos

“Tem que ser assim: a luta é de mulheres, crianças e homens”, defendeu Maria Leuza Munduruku, ao pegar a filha no colo enquanto falava para os participantes do terceiro dia do seminário ‘Direito e Desenvolvimento’, na última quinta-feira (18). Para a integrante do movimento Ipereg Ayu, assim como uma mãe cuida de um filho doente até que o mesmo sare, temos que cuidar do nosso planeta – ele está seriamente doente.

No último dia de debates da atividade promovida pela Terra de Direitos em parceria com a Universidade do Oeste do Pará, representantes de movimentos sociais contaram um pouco mais das lutas enfrentadas contra as hidrelétricas na Amazônia.

O movimento Ipereg Ayu e Munduruku vem lutando pela demarcação de suas terras que, se oficialmente reconhecidas, impediriam a construção da unidade de Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) de São Luiz do Tapajós, prevista para ser concluída em 2020. Essa é uma das sete hidrelétricas previstas ao longo do rio Tapajós, que formarão o Complexo Hidrelétrico. O rio, que a partir de Itaituba é formado por um relevo acidentado, quase como degraus, será represado em sete pontos, formando uma sequência de lagos.

Mobilizações em Brasília, no Ministério de Minas e Energia e na Fundação Nacional do Índio (Funai) fizeram parte da luta do Movimento Munduruku para pressionar o governo e avançar no processo de reconhecimento da Terra Indígena Sawre Muybu. Sem respostas, em 2014 deram início a um processo de autodemarcação. “Se a gente for esperar o governo a gente vai morrer – eles vão matar a gente”, aponta Maria Leuza. “A gente não pode só depender de audiência pública do do Ministério Público. Temos que ter nossas armas”, completa.

Impactos diversos

Integrante do Movimento Tapajós Vivo, Darcilene Godinho, aponta para os diversos impactos que as grandes obras Tapajós trarão para a população da região. “Além das hidrelétricas, chegam as novas estradas, a mineração, as hidrovias”, alerta. Cada obra dessa, que não é prevista nos estudos de impacto, afetarão a vida dos moradores. “Não queremos esse modelo [de desenvolvimento] enfiado garganta abaixo pelo governo. Temos nosso modelo de vida, com diversas cultural, e queremos que ela seja reconhecido”. E avisa: “Não vai ter Hidrelétrica no Tapajós porque a gente não vai deixar”.

Para o professor da Universidade do Oeste do Pará (Ufopa), Maurício Torres, a pretensão de barrar os rios já traz sérios impactos para os moradores da região. Esperando o reconhecimento de Reserva Extrativista (Resex) desde 2006, as comunidades que se tornaram projeto de assentamento Montanha Mangabal não atingiram o status de Resex. O motivo é bem simples – a criação de uma reserva com os extrativistas que vivem na região do Alto Tapajós há oito gerações, cerca de 150 anos, iria atrapalhar uma possível construção de hidrelétrica. A Portaria Interministerial nº419 de 2011 determina que não poderão ser afetados pelos empreendimentos Terras Indígenas ou territórios tradicionais já reconhecidas pelo governo.

Pelo mesmo motivo o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitaçã (RCID) da Terra Indígena Sawre Muybu – pronto desde 2013 – não é publicado no Diário Oficial da União.

Maior província de ouro do planeta, a Bacia do Tapajós tem as terras pretendidas pelas mineradoras. A relação entre esses empreendimento é bastante clara, para Torres. Segundo ele, as mineradoras precisam de muita energia para viabilizar os projetos de mineração. Além disso, grande parte da energia elétrica que seria produzida pelas hidrelétricas da Amazônia não seria destinada à região, mas abasteceria a região Sul e Sudeste.

E o professor alerta: “Se as hidrétricas não matam literalmente os indígenas, matam suas condições de vida ao anular o saber tradicional de mais de 10 mil anos”. E completa. “Essa é uma política de extermínio”.

O exemplo de Belo Monte

Integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Edisângela Alves Barros mora em um reassentamento urbano em Altamira, norte do Pará. Ela foi uma das pessoas atingidas pela Hidrelétrica de Belo Monte, terceiro maior empreendimento hidrelétrico do mundo e maior usina inteiramente brasileira.

A partir do inchaço populacional – em poucos anos, a cidade de 100 mil habitantes passou a ter 180 mil moradores – Altamira viu sua realidade transformada. O aumento da violência é alarmante. De acordo com dados do Instituto Socioambiental, o número de homicídios na cidade cinco vezes maior que a taxa considerada “não epidêmica” pela Organização Mundial da Saúde.

Segundo Edisângela, as mulheres são as principais impactadas. “São elas que recebem as equipes da empresa, e vivem no dia-a-dia os abusos e a pressão psicológica”, revela. “Somos expulsas da comunidade, levando nossas famílias para a marginalização. É esse o tipo de desenvolvimento trazido pelas obras”.

A militante também revela a falta de ações do governo e a criminalização do movimento social. A Norte Energia, consórcio responsável pela construção, entrou na justiça com um interdito proibitório, que impede que os militantes do MAB acessem o local das obras. Paradoxalmente, grande parte dos militantes vive nos reassentamentos da empresa que integram o local das obras. Por isso, não poderiam acessar o lugar onde moram.

“A gente fica a mercê do empreendedor, tendo que negociar com eles, porque o Estado fica ausente na garantia dos direitos”, aponta.

Segundo o relatório da Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, ao menos 16 direitos humanos são violados na construção das barragens.

Como forma de ajuda e de construção da história de mulheres do MAB, arpilleras tecem em tecido o que não pode ser dito. Utilizando a técnica chilena de bordado, denunciam o que acontece com as famílias e com a comunidade na construção de barragens. “Isso nos transforma de vítimas em defensoras de direitos humanos”, completa Edisângela.

Uma exposição dos bordados esteve disponível para visualização dos participantes durante o seminário.

Licenciamento Ambiental

Estudo Jurídico – Instrumento que deve excercer controle prévio e acompanhamento de atividades que utilizem recursos naturais e impactem o meio ambiente, o Licenciamento Ambiental da AHE São Luiz do Tapajós foi objeto do realizado pela Terra de Direitos. Lançada no último dia do evento, a publicação traz uma abordagem fundamentalmente jurídica, acompanhada de reflexões sociológicas e subsídios antropológicos para debater a temática.

Advogado popular da Terra de Direitos e autor do estudo, Pedro Martins avalia que o Licenciamento Ambiental é um modelo que, atualmente, serve aos propósitos neodesenvolvimentas, mas, se fosse devidamente realizado, poderia evitar grandes impactos. “Se garantíssemos a participação popular e a consulta da população nos projetos de grandes empreendimentos, não teríamos esses problemas”, aponta.

Ele alerta que a legislação que protege o meio ambiente, indígenas e povos e comunidades tradicionais está ameaçada pela agenda desenvolvimentista do governo, como a Agenda Brasil, conjunto de propostas de crescimento econômico proposta pelo senador Rena Calheiros (PMDB) em agosto de 2015.

Como exemplo desses retrocessos, está também o Projeto de Lei do Senado nº 654/2015, conhecido como Fast Track. Na proposta, o tempo de elaboração dos estudos de impacto ambiental será reduzido para seis meses, sem que haja audiências públicas para participação das populações atingidas.

A proposta apresentada por Roberto Jucá (PMDB) foi votada e aprovada em Comissão Especial do Senado vinte dias após a tragédia do rompimento de barragens em Mariana, e segue em regime de urgência.

Imagem: Reprodução de Terra de Direitos

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