A ruptura democrática vem pelo poder judiciário

Editorial de Justificando

Em tempos de rupturas democráticas, as informações giram como um ciclone. Tudo acontece no imediato e quando uma notícia é publicada, instantaneamente se torna velha. Por isso, a análise política atual é instável.

O cenário ainda se agrava com o protagonismo jurídico, que, por tratar de questões técnicas, possibilita que a informação seja interpretada, por diversas vezes de forma equivocada, por atores do palco midiático, gerando desinformação.

Mas algumas coisas já estão bem claras. A principal delas é uma constatação fática que independe de posição política: a ruptura democrática, entendida como golpe ou não, veio pelo Poder Judiciário, seja no vazamento de grampo para imprensa, na condução coercitiva, delação premiada, afastamento do ministro da Casa Civil e por aí vai. Em outras palavras, as crises nevrálgicas enfrentadas pelo governo decorreram de decisões judiciais, apoiadas pela inflamação midiática e relativa legitimação da população.

Esse movimento de crise de governos de centro-esquerda na América Latina frente aos Poderes Judiciários tem sido a tendência do momento atual. Foi assim em Honduras, no afastamento de Manuel Zelaya; e no Paraguai, no governo de Fernando Lugo. Como caminha a situação, o cenário indica essa movimentação no governo brasileiro de Dilma Rousseff.

Em setembro de 2015, o Justificando entrevistou Pedro Estevam Serrano, Jurista e Professor na PUC. Serrano é grande estudioso de movimentos de exceção via tribunais jurídicos na sociedade latino-americana. Para melhor entender, significa que não mais movimentos de ruptura acontecem com exércitos na rua, cenário típico dos anos 50, 60, 70 e 80 na América Latina, mas sim com ações revestidas de legitimidade dentro de um regime democrático, como, por exemplo, uma decisão judicial.

Inclusive, uma passagem do Professor na entrevista é muito interessante: “o que tem se observado na América Latina é com relação a esses governos mais progressistas, de centro-esquerda que tem ocupado hegemonia no plano político, os Judiciários agirem contra a Constituição, de forma a interromper esses ciclos democráticos”.

Da mesma forma, Foucault, ao tratar da dinâmica do poder, ensinava que quanto mais rudimentar ocorrem as relações políticas e sociais entre as pessoas e quanto menor forem as formas burocráticas, mais seria necessária a utilização da dominação pela força. De outro lado, quanto mais as relações se desenvolvem em um sistema complexo e institucional, mais provável que a exceção ocorra por meio de mecanismos sofisticados e psudolegais, que revestem a quebra com uma máscara mais dócil.

Evidente que cada caso tem sua peculiaridade, Honduras é diferente de Brasil, que é diferente do Paraguai. Mas a tendência é semelhante na parcela da sociedade que detém o poder em não admitir mais exército nas ruas e buscar a exceção em vias mais rebuscadas e com aparência de legalidade.

Só que golpe dócil continua sendo golpe.

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