Mel Mendes/OPAN, Especial para Apib
Com uma agenda que privilegiou visitas a algumas das comunidades indígenas que vivem as situações mais críticas de violações a direitos humanos no Brasil, a relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, se reuniu com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na ultima quarta-feira (16), em Brasília. No encontro, que contou com a participação de representantes indígenas das cinco regiões do país, Victoria recebeu denúncias, propostas e demandas que devem subsidiar o relatório ONU que traça recomendações para o governo brasileiro.
A Apib apresentou as principais preocupações do movimento indígena nacional, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 e projetos de lei que pretendem reduzir direitos conquistados, além do avanço do agronegócio, da mineração e de outros empreendimentos que ameaçam os territórios e os modos de vida dos povos. A necessidade do fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da política indigenista nacional também foram destacados pelos indígenas.
A coordenadora da Apib, Sônia Guajajara, ressaltou que a reunião é importante para dar visibilidade e maior credibilidade às demandas dos povos indígenas do Brasil na luta pela garantia dos direitos, constantemente desrespeitados e colocados em segundo plano. “É uma oportunidade de nossa voz ser ouvida, de acordo com nossas visões de mundo. Vivemos um momento difícil, em que os grandes empreendimentos ditam as regras no país sem considerar pessoas, direitos e culturas. O agronegócio vem ocupando mais e mais territórios. As demarcações pararam, e as terras que já estão demarcadas vivem ameaças constantes e abandono do Estado. Indígenas são assassinados, seja por violência direta, seja pelo descaso com a saúde, e não há nenhuma providência”, afirmou.
Violência, desrespeito e descaso
Em sua vinda ao Brasil, a relatora da ONU visitou os Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul, os Tupinambá da Bahia, e povos afetados pela usina hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA). Na reunião com a Apib, Victoria Tauli-Corpuz deixou claro que a imagem repassada pelos representantes do governo brasileiro em fóruns internacionais é completamente diferente da realidade chocante que ela encontrou ao percorrer o Brasil.
O caso de Vitor Kaingang, menino de dois anos assassinado enquanto era amamentado pela mãe em uma rodoviária em Santa Catarina no final de 2015, por exemplo, sensibilizou bastante a relatora, que chamou atenção para a invisibilidade do caso na mídia nacional. “Nesse caso, assim como no dos Guarani-Kaiowá, os povos são violentados e não recebem nenhum tipo de justiça O Estado precisa tomar providências e garantir a segurança aos povos”, afirmou a relatora.
Na reunião, a Apib abriu espaço também para representantes de povos indígenas entregarem documentos para a relatora da ONU. Foi o caso dos Ka’apor, do Maranhão, que passam por um processo de recrudescimento da violência e invasões ao território por madeireiros ilegais, que resultou em diversos assassinatos de indígenas e desestruturação social na comunidade. Os Maxakali, de Minas Gerais, apresentaram dados sobre a violação de direitos básicos, como acesso à água e saúde. Já os Manoki, de Mato Grosso, cobraram finalização do processo de regularização fundiária, com a homologação do seu território, constantemente invadido por madeireiros, fazendeiros e produtores de grãos.
Ao receber as denúncias, Victoria reforçou a responsabilidade do Estado sobre a questão, destacando que não se trata de culpar um poder ou outro. Ela percebeu que no quesito direitos indígenas, tanto Executivo quanto Legislativo e Judiciário são responsáveis. “O Brasil é signatário de todos os acordos internacionais referentes aos direitos dos povos indígenas. No entanto, direitos sociais, econômicos e culturais são lamentavelmente agredidos. Em todo lugar vi violência e morte. Além da violência direta, a base da material da identidade desses povos, como os rios e as florestas, estão sendo destruídos. Isso é grave. É etnocídio”, frisou.
Considerando a assinatura de um acordo mundial para controlar o aquecimento global durante a COP 21, a APIB reforçou a necessidade de defesa dos territórios indígenas em um contexto de mudanças climáticas. “Os povos indígenas são importantíssimos na preservação do que ainda temos de floresta e de água. Isso é fundamental para toda a sociedade”, lembrou Sônia Guajajara.
Observações e recomendações ao Brasil
Ao término da reunião, a relatora da ONU identificou que, dentre as suas observações sobre o Brasil, existe um padrão de enfraquecimento dos mecanismos de proteção dos povos indígenas em todas as esferas. Isso se relaciona diretamente com o modelo de desenvolvimento que está sendo implementado no país. Segundo ela, tudo se resume a “um ataque sistemático e violento, visando minar os direitos dos povos”.
Além de reforçar a necessidade de cumprimento das recomendações apresentadas há oito anos pelo relator anterior James Anaya, Victória adiantou algumas das recomendações ao governo brasileiro que constarão em seu documento final, que deve ser apresentado em junho desse ano. Entre elas, citou a abertura de um inquérito nacional sobre violência contra os povos indígenas para investigar e punir os responsáveis, visando combater a impunidade e dar visibilidade às questões indígenas. Outra recomendação versará sobre a divulgação de informações sobre o financiamento dos empreendimentos que afetam direta e indiretamente os territórios e impactam ou reduzem os direitos dos povos.
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Imagem: Reprodução da Apib.