Prorrogação dos lixões: um retrocesso ambiental e social. Entrevista especial com Antonio Silvio Hendges

“A irresponsabilidade pública em relação aos resíduos sólidos terá uma sobrevida considerável se o Projeto de Lei 425/2014 for aprovado pela Câmara e sancionado pelo Executivo”, adverte o biólogo

Por Patricia Fachin – IHU On-Line

Apesar de a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRSter determinado 2014 como o ano limite para extinguir todos os lixões existentes no país, alguns Projetos de Lei, a exemplo do PLS 425/2014, aprovado pelo Senado, sugerem a alteração dos artigos 54 e 55 da legislação, permitindo a prorrogação do fechamento dos lixões para 2021. Na avaliação de Antonio Silvio Hendges, caso aprovado, o PL representará um “retrocesso na legislação, na agenda ambiental e nas perspectivas do desenvolvimento sustentável no curto e médio prazo no país”, porque a “gestão e o gerenciamento adequado dos resíduos são fundamentais às políticas públicas de saúde, saneamento básico, assistência social, geração de renda, prevenção de enchentes e muitos outros aspectos relacionados aos ambientes urbanos”.

Segundo Hendges, a “justificativa” de prefeitos e suas entidades representativas, a qual foi aceita pelos senadores, é a de que os prazos estipulados pela PNRS, sancionada em 2010, são “curtos à adequação, insuficiência de recursos financeiros, dificuldades para a contratação de recursos humanos e quadros técnicos/gerenciais qualificados, diferenças regionais e deficiências de infraestrutura”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, o biólogo frisa que o PL “não contribui para a afirmação de perspectivas positivas e possivelmente será um entrave ao desenvolvimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, atrasando consideravelmente ou mesmo inviabilizando a sua implantação”. Politicamente, contudo, “é um descaso com os administradores e municípios que se adequaram e/ou buscavam esta perspectiva e um prêmio aos omissos, aos que apostam sempre em deixar como está para ver como fica”.

Antonio Silvio Hendges é graduado em Biologia pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – Uniasselvi-SC e especialista em Auditorias Ambientais pela Universidade Candido Mendes-RJ. Atualmente é professor de biologia e presta assessoria em educação ambiental e resíduos sólidos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como analisa o PLS 425/2014, que sugere a ampliação do prazo para que a União ofereça apoio técnico e financeiro a estados e municípios na elaboração dos planos de saneamento básico e resíduos sólidos? Em que contexto surge essa proposta?

Antonio Silvio Hendges – Este projeto aprovado pelo Senado e que será analisado na Câmara dos Deputados alterou os artigos 54 e 55 da Lei 12.305/2010 — Política Nacional de Resíduos Sólidos que determinou até agosto de 2014 para a extinção dos lixões no país, com o encaminhamento dos rejeitos para aterros sanitários após coleta seletiva, reúso quando possível, reciclagem e compostagem, gestão, gerenciamento e tratamento adequado dos resíduos, inclusive tecnológicos como os eletroeletrônicos, eletrodomésticos, baterias, lâmpadas, embalagens em geral, construção civil e outros, além de projetos e programas de educação ambiental. A aprovação do projeto original nº 425/2014 da Subcomissão Temporária de Resíduos Sólidos foi sugerida pela Comissão Especial do Pacto Federativo, e uma emenda apresentada ao plenário pelo Senador Fernando Bezerra Coelho (PSB) e defendida pela Relatora Vanessa Grazziotin (PCdoB) estabeleceu prazos escalonados de acordo com o tamanho e a localização dos municípios, que variam entre 2018 e 2021.

Pelo projeto, a extinção dos lixões será prorrogada nas capitais e regiões metropolitanas até 31 de julho de 2018 com ampliação sucessiva de um ano para os demais municípios: em fronteiras e municípios com mais de 100 mil habitantes pelo Censo 2010 do IBGE, até 2019; entre 50 e 100 mil habitantes, até 2020; com menos de 50 mil habitantes, até 2021. A justificativa dos prefeitos e suas entidades representativas, como a Confederação Nacional dos Municípios, aceita pelos senadores, foram os prazos curtos à adequação, insuficiência de recursos financeiros, dificuldades para a contratação de recursos humanos e quadros técnicos/gerenciais qualificados, diferenças regionais e deficiências de infraestrutura.

Esta é a proposta que tem a simpatia do Executivo e que possivelmente será aprovada na Câmara dos Deputados. Outras propostas aprovadas anteriormente pela Câmara foram vetadas pelo Executivo.

IHU On-Line – A prorrogação do fim dos lixões para 2021 deve ser vista de que modo?

Antonio Silvio Hendges – Como um retrocesso na legislação, na agenda ambiental e nas perspectivas do desenvolvimento sustentável no curto e médio prazo no país. A gestão e o gerenciamento adequado dos resíduos são fundamentais às políticas públicas de saúde, saneamento básico, assistência social, geração de renda, prevenção de enchentes e muitos outros aspectos relacionados aos ambientes urbanos. Este projeto não contribui para a afirmação de perspectivas positivas e possivelmente será um entrave ao desenvolvimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, atrasando consideravelmente ou mesmo inviabilizando a sua implantação.

Politicamente, é um descaso com os administradores e municípios que se adequaram e/ou buscavam esta perspectiva e um prêmio aos omissos, aos que apostam sempre em deixar como está para ver como fica.

IHU On-Line – Qual tende a ser o impacto dessa prorrogação? Vislumbra impactos ambientais, sociais ou de outra ordem?

Antonio Silvio Hendges – Todos os impactos ambientais, sociais e econômicos decorrentes dos lixões e outros relacionados com a gestão inadequada dos resíduos continuarão presentes e com tendência ao agravamento se considerarmos o aumento do consumo como tendência macro. A contaminação de amplas áreas, incluindo-se os recursos hídricos, o desperdício de recursos, os problemas de saúde pública, a inadequação das atividades dos catadores, a ausência de projetos de coleta seletiva, reciclagem e responsabilidade compartilhada, a inexistência de programas de educação ambiental, as deficiências na fiscalização e a irresponsabilidade pública em relação aos resíduos sólidos terão uma sobrevida considerável se este projeto for aprovado pela Câmara e sancionado pelo Executivo.

Também é possível que aconteça uma desestruturação nos projetos em desenvolvimento ou ainda não consolidados, desorganizando aspectos importantes da gestão e gerenciamento dos resíduos em alguns municípios, principalmente naqueles que buscavam a adequação e a consolidação de políticas públicas de gestão e gerenciamento adequados.

A ampliação dos prazos não garante que os municípios adequar-se-ão aos aspectos legais, que vão além da erradicação dos lixões, estabelecendo diretrizes que tornam os resíduos sólidos bens econômicos com reintrodução nas cadeias produtivas, geração de recursos financeiros e desenvolvimento econômico/socioambiental.

IHU On-Line – Por que se chegou ao ponto de prorrogar o fim dos lixões para essa data? O que isso demonstra sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a dificuldade dos municípios em implementar as medidas determinadas pela PNRS?

Antonio Silvio Hendges – A justificativa para esta ação, por parte das organizações representativas dos municípios e dos senadores, foram os prazos curtos, a falta de recursos financeiros, as dificuldades técnicas, a inexistência de recursos humanos técnico-gerenciais e outras limitações de infraestrutura. Em parte, há razões para esta argumentação, mas considero que o principal fator foi mesmo a ausência de prioridade nesta área: não existiu uma motivação e um entendimento por parte dos administradores de que a gestão adequada dos resíduos é um diferencial importante e que contribui para a melhoria dos ambientes urbanos em diversos níveis, não apenas nos aspectos imediatos. As opções administrativas foram por outras prioridades, outros investimentos, não nas políticas públicas de saneamento e gestão dos resíduos.

A descaracterização das diretrizes originais da Política Nacional de Resíduos Sólidos quanto aos planos de gestão e o fim dos lixões comprometerá outros aspectos e abrirá espaço para novas mudanças sempre que não forem priorizadas pelas administrações municipais as políticas públicas de saneamento. Quanto aos recursos financeiros e apoio técnico, um parágrafo na nova lei estabelece que a União edite normas complementares e defina critérios de acesso aos recursos federais, dispositivo que pode desmobilizar os municípios que ficarão aguardando a edição destas normas e a disponibilidade dos recursos para desenvolverem suas ações. Espera-se que se o projeto for aprovado, estas normas sejam editadas imediatamente e que os recursos disponibilizados sejam suficientes às expectativas criadas.

IHU On-Line – Como essa proposta foi recebida pelos municípios do Rio Grande do Sul e qual é a situação dos municípios em relação aos lixões?

Antonio Silvio Hendges – No Rio Grande do Sul são poucos os municípios que ainda descartam os resíduos em lixões. Pelas informações que disponho, são apenas cinco municípios atualmente: Uruguaiana, Ipiranga do Sul, Santa Margarida do Sul, São Gabriel e Tupanciretã. O lixão de Viamão, na região metropolitana, foi transformado em um aterro controlado de acordo com informações da prefeitura. Isso é um pouco melhor que a disposição em um lixão, principalmente se existir uma triagem prévia dos recicláveis. Evidentemente que existem locais clandestinos em que são descartados resíduos diversos, como os da construção civil, por exemplo.

Os maiores problemas em relação aos lixões estão nas regiões Nordeste, Norte e Centro Oeste, onde não há universalidade no recolhimento, as iniciativas de coleta seletiva inexistem ou são limitadas, as prefeituras têm deficiências administrativas e estruturais enormes, a comunicação e a educação ambiental relacionada aos resíduos são bastante precárias.

IHU On-Line – Quais ainda são os problemas centrais relacionados à gestão dos resíduos sólidos?

Antonio Silvio Hendges – Sem dúvida, a inadequação da maioria dos municípios brasileiros aos aspectos legais é o principal entrave à gestão eficiente dos resíduos sólidos no país. A inexistência dos planos de gestão e gerenciamento e de diagnósticos adequados aos diversos resíduos produzidos — urbanos, construção civil, industriais, saúde e outros — dificultam a gestão e inclusive a sua reutilização e reciclagem quando possível. A ausência de planejamento e de diretrizes também inviabilizam uma fiscalização adequada e a construção de compromissos públicos dos geradores e poderes públicos para com a disposição ambientalmente adequada.

Os investimentos em tecnologias, que permitam a gestão e gerenciamento eficientes dos diversos materiais, com escala industrial e sua transformação em bens de capital e matérias-primas, ainda são limitados, assim como a capacitação específica de profissionais nesta área, inclusive para o desenvolvimento econômico e o estabelecimento de uma indústria nacional da reciclagem.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Antonio Silvio Hendges – A alternativa em relação aos municípios inadequados ao final dos prazos estabelecidos nos artigos 54 e 55 da Lei 12.305/2010, inclusive não apenas em relação à existência de lixões, mas também a outros aspectos da gestão dos resíduos sólidos, é a realização de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC com o Ministério Público, estabelecendo os critérios e diretrizes para a adequação, com metas, cronogramas, previsão de recursos humanos e financeiros e responsabilidades dos gestores municipais.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, 41% dos municípios elaboraram planos de gestão e 58% dos resíduos urbanos produzidos no país estão sendo encaminhados para aterros adequados. Em 2013 existiam reconhecidamente 1.196 lixões em atividade no país.

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