Os desafios da Telesur, por Elaine Tavares

No Palavras Insurgentes

Quando Hugo Chávez começou a virar a bússola da América Latina para o sul, um dos pontos no qual mais batia era o da comunicação. Como podia o povo de “nuestra América” receber o midiático braço armado do sistema capitalista, a CNN, diuturnamente em suas casas, e não ter um instrumento de comunicação que pudesse dizer a sua voz? Sua pergunta abissal!

E foi a partir daí que Chávez começou a esboçar o sonho de uma rede de televisão que pudesse mostrar a cara da América Latina e ser o espaço privilegiado para a expressão dessas vozes, sempre silenciadas, escondidas ou marginalizadas na mídia comercial. O golpe na Venezuela, em 2001, deixou muito claro o papel manipulador dos meios comerciais e fortaleceu, tanto no governo venezuelano quanto nas gentes, a ideia de que o espaço da comunicação é uma trincheira estratégica de luta.

Assim, em janeiro de 2005, o conselho de ministros da Venezuela aprovou a criação de um canal público de televisão, financiado 70% pelo estado venezuelano e com os restantes 30% sendo divididos entre Argentina, Bolívia, Cuba, Equador e Nicarágua. Era, portanto, um canal com pretensões latino-americanas, que, na ideia de Chávez, seria naturalmente incorporado por todos os demais países que também iniciavam uma virada mais progressista na chamada América baixa.

Desde 2005, então, a Telesur transmite em sinal aberto, via satélite, para toda Venezuela, e também para os países membros ou amigos. O Brasil, desgraçadamente, nunca aceitou fazer parte do projeto, com Lula preferindo criar o canal TV Brasil, sem maiores compromissos com a generosa ideia de integração regional, latino-americana, que Chávez impulsionava. Por isso que, por aqui, para ver a Telesur só através da internet.

Mas, mesmo sem o maior dos parceiros no continente, o projeto televisivo latino-americano seguiu seu curso. Durante toda a batalha entre ALBA e ALCA – projetos de integração bolivariano e estadunidense, respectivamente – esse canal foi importante demais no sentido de fornecer informações que jamais seriam veiculadas pelos canais comprometidos com as classes dominantes locais e internacional.

A proposta da Telesur tem se mantido tal e qual seus primeiros objetivos  – ainda que Chávez esteja morto – ou seja, oferecendo notícias de toda América Latina, do Caribe, e do mundo inteiro, sempre com o recorte da voz do oprimido. Também veicula documentários sobre a história, as lutas e os personagens mais importantes do continente latino-americano, além de fornecer análises sobre a realidade, igualmente diferenciadas, a partir dos “de abajo”.

A virada para a direita que vive a América Latina deu seu primeiro golpe na proposta da Telesur agora, durante o novo governo argentino, liderado pelo milionário Maurício Macri. Um de seus primeiros atos foi retirar a Argentina do grupo de sócios do canal. O que não é nenhuma novidade se prestarmos atenção ao que defende o presidente argentino, e ao tipo de parceiros que o cercam. Seu compromisso, desde o primeiro dia de governo, não é com a soberania da América Latina, muito menos com a integração entre os países-irmãos do continente. Seu parceiro principal é o governos dos Estados Unidos e os sócios são os bancos e as multinacionais. Com essa decisão ele rompe também a própria Lei de Meios do país que garante à população a pluralidade de vozes. Mas, ao que parece, burlar a lei está sendo uma regra nos novos governos de direita.

Nos países onde a Telesur é aberta e pode ser vista por toda a comunidade sem custo algum, a notícia da saída da Argentina repercutiu negativamente, até porque os movimentos sociais argentinos sempre foram muito visibilizados pela emissora, dado o seu perfil mobilizador e guerreiro. Mas, no Brasil, o fato não teve qualquer destaque, a não ser nas mídias  populares. O que não é novidade, visto que a Telesur tem pouca acessibilidade nas terras tupiniquins, inclusive não sendo oferecida nos pacotes das TVs a cabo tradicionais. O que significa que se a gente quiser saber da América Latina, nem pagando consegue.

Na Venezuela a notícia foi recebida com indignação: “Querem que a Telesur desapareça, como eles desapareceram mais de 30 mil pessoas na ditadura militar. Mas, não vão conseguir. A Telesur seguirá sendo espaço da voz dos povos”, afirmou Nicolás Maduro.

É certo que enquanto o governo bolivariano existir essa proposta de unificação e integração das vozes de “nuestra América” seguirá. Mas, o que não pode ser esquecido é que a onda conservadora vem se estendendo pelos países latino-americanos e pode, sim, destruir esse projeto que conta hoje com correspondentes em mais de 40 países. Mais do que nunca, os movimentos sociais, sindicatos  e lutadores de todo o continente precisam compreender a importância estratégica do combate que a Telesur trava, no contraponto sistemático à fábrica de ideologia capitalista que é a CNN e suas sucursais locais, concretizadas pelas grandes redes nacionais comerciais.

A luta de classes se dá também na comunicação. Sem esse entendimento, as vozes das gentes, que na Telesur encontram espaço para se dizer, poderão voltar ao silêncio.

Comments (1)

  1. Já li outros textos da competente Elaine. Lamentavelmente, esse deixa a desejar. Chaves e “toda a sua gente” é uma geração de equivocados militaristas populistas amantes dos derrotados movimentos guerrilheiros da América Latina. Não conseguiu construir nada sólido para que o seu povo – miserável, como a maior parte desse continente – , apesar de anos a fio no poder [os irmãos Castro pelo menos construíram um bom sistema de saúde e escolar, pelo menos em nível ensino fundamental]. Como acreditar nos modelos de comunicação estatais comandados pela classe política ladra e gananciosa? Imaginem o que seria o sistema de telecomunicações da América Latina se continuasse plenamente nas mãos das estatais, como nos anos 60/70.
    Ary Txay*

    *Autor de Cuba, Um Olhar político e Poético d Nomes Indígenas em Salvador, Bahia, e Muito Mais – disponível em http://www.estantevirtual.com.br

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