MPF e MPSP obtêm anulação das licenças já concedidas, em razão da falta de estudo de impacto ambiental
A queima de palha de cana-de-açúcar na região de Franca (SP) está proibida por decisão judicial decorrente de ação civil pública proposta conjuntamente pelo Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP).
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) foi proibida de expedir novas licenças ambientais para essa prática naquela região e também deve anular todas as licenças e autorizações anteriores. Dessa forma, foi determinada a paralisação imediata das atividades de queima, diante da falta de licenciamento embasado em normas válidas, bem como de estudos prévios de impacto ambiental e levantamento de fauna.
A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF3) confirmou sentença da primeira instância, mantendo, inclusive, a multa diária de R$ 15 mil em caso de descumprimento da decisão. Diante da omissão da Cetesb quanto à realização do devido licenciamento ambiental e do respectivo estudo de impacto ambiental e de levantamento de fauna, caberá ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis assumir a responsabilidade pelo procedimento naquela região do interior de São Paulo.
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3) manifestou-se em defesa da realização de estudo de impacto ambiental (EIA) para a concessão das licenças, seja por força da Constituição ou da legislação infraconstitucional, que estabelecem a necessidade de licenciamento instruído com o EIA para atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental.
“A atividade canavieira nos moldes em que se pretende manter causa muitas externalidades [efeitos colaterais] negativas, com impactos ambientais e na saúde da população”, afirmou a procuradora regional da República Fátima Aparecida de Souza Borghi. A queimada controlada da palha da cana-de-açúcar é feita ao final de cada ciclo de cultivo para facilitar o corte.
Impactos – Fátima Borghi apontou os impactos causados por essa atividade tanto no aquecimento global em razão da liberação de dióxido de carbono, como ainda pela dispersão de material particulado (que causa danos às funções e estruturas do aparelho respiratório), além de substâncias cancerígenas e mutagênicas. Ademais, conforme estudos citados pela procuradora regional da República, com o deslocamento das massas de ar, os poluentes resultantes da combustão da cana-de-açúcar podem alcançar áreas densamente povoadas, mesmo aquelas distantes das fontes poluidoras.
Um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) sobre a prática da queimada na colheita da cana-de-açúcar mostrou que, em época das queimadas, são lançadas na atmosfera do interior de São Paulo diariamente 285 milhões de toneladas de material particulado, uma quantidade cinco vezes superior à poluição produzida na região metropolitana de São Paulo.
O Ibama recorreu da decisão de primeiro grau, aduzindo que a centralização de todas as funções de licenciamento ambiental no órgão ambiental federal terá efeito indesejado, pois não conseguirá desempenhar adequadamente sua atribuição, inclusive diante de insuficiência de receita e estrutura suficientes.
O colegiado do TRF3, entretanto, afirmou a competência supletiva do órgão e determinou que este assuma a tarefa na região de Franca “ante a omissão da Cetesb e do Estado de São Paulo em exigir licenciamento específico e de prévio estudo de impacto ambiental ou estudo prévio de levantamento de fauna e propostas concretas de sua proteção e retirada das áreas pretendidas para a queima”, mantendo também a determinação de que o Ibama sempre exija o EIA/RIMA como condição para liberar as licenças.
O Ibama será igualmente responsável pelo cadastramento de todas as propriedades rurais ocupadas com a cultura canavieira, para que seja verificado o cumprimento da decisão judicial. O recurso do órgão federal alegou a ausência de previsão legal para essa imposição, mas seu argumento não foi acolhido pelo colegiado do Tribunal Regional.
A 6ª Turma do TRF3 manteve também a condenação dos réus ao pagamento de indenização de mais de R$ 923 mil, a ser revertido para o Fundo Federal de Direitos Difusos, por danos morais coletivos causados pelo impacto da queimada tanto para as pessoas, quanto para a fauna e a flora.
“E em termos de responsabilização civil do Estado de São Paulo e do Ibama, já restou devidamente comprovado que suas condutas (comissivas e omissivas) permitiram o desenvolvimento de queimadas de palha de cana-de-açúcar sem a imprescindível realização do licenciamento e do EIA/RIMA, bem como a efetiva degradação resultante dessa atividade”, afirmou a procuradora regional da República Fátima Borghi.
Processo 0000264-06.2011.4.03.6113
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Imagem: Reprodução da CanaOnline