“Até 2006 não tínhamos médicos. De três anos pra cá eles começaram a entrar nas aldeias”, afirma liderança indígena
Lilian Campelo, Especial para o Saúde Popular – Brasil de Fato
Um avanço e uma conquista, assim definiu a liderança indígena Concita Sompré, da aldeia Gavião Kyikatejê do território indígena Mãe Maria, localizado no município de Bom Jesus do Tocantins, no Pará, sobre o Programa Mais Médicos, que completou três anos em julho.
Bom Jesus do Tocantins integra uma área de influência do Programa Grande Carajás, que se encontra em franca expansão. A extração mineral impacta toda a complexa sociodiversidade da região que abriga uma riqueza mineral expressiva.
Sompré explica que antes dos médicos aportarem na causticante região, eram as enfermeiras que alcançavam as aldeias, cortadas pela Transamazônica. “Do ponto de vista do benefício para as comunidades isso foi muito importante porque até o ano 2006 nós não tínhamos médicos, de três anos pra cá que os médicos começaram a entrar nas aldeias”.
Atualmente a aldeia Gavião Kyikatejê recebe uma vez por mês a visita de um médico cubano pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Guamá-Tocantins, e a cada 45 dias a médica cubana Daymi Castilho Blanco presta atendimento pelo município de Bom Jesus do Tocantins.
Logo que chegou no Brasil, Blanco não falava bem o idioma. Teve um mês para aprender o básico da língua portuguesa. “O povo é muito acolhedor, mas foi difícil, eu fiquei com muitas dúvidas. No começo eu falava mais enrolado (risos), mas agora estou falando melhor”. A partir do segundo semestre o município de Bom Jesus do Tocantins atenderá mais 4 aldeias da etnia Gavião.
Na aldeia Kyikatejê as casas são de alvenaria e possuem água encanada. O posto de saúde inaugurado há dez anos pela Sesai-Guamá-Tocantins não funciona, e hoje serve de abrigo para morcegos. Descontentes com a situação, as lideranças, por meio da Associação Indígena Gavião Kyikatêjê, montaram um posto de saúde em uma das casas da aldeia, compraram alguns equipamentos e remédios.
O território indígena Mãe Maria é cortado pela rodovia BR 222, pela linha de transmissão de energia de Tucuruí, da Eletronorte, e pela estrada de Ferro Carajás da Vale. Nele vivem três povos indígenas divididos em 11 aldeias. Atualmente recebem compensações pelos danos socioambientais causados pela presença da estrada de ferro dentro da área indígena.
Omissão do poder público
Já a aldeia Itahy do povo Aikewara, também conhecidos como Suruí do Pará, não possui posto de saúde. Seis aldeias compõem o território indígena Sororó, e três recebem atendimento médico pelo programa Mais Médico. As outras que ficam mais distante da estrada federal BR 153 não são atendidas.
A luta pela garantia de um direito assegurado pela Constituição Federal rendeu a Welton John Oliveira Suruí, cacique da aldeia Itahy, uma ação penal com julgamento marcado para o dia 19 de agosto. Ele e outras lideranças indígenas organizaram protestos em que cobravam melhorias no atendimento à saúde de seu povo e compensações pelo impacto provocado pela BR-153, que corta o território indígena. Em 2014 Welton foi preso dentro da sede da Funai pela Policia Federal de Marabá, e levado para Belém, onde ficou preso por 35 dias.
De acordo com o relatório de Violência contra os povos indígenas do Brasil – Dados 2014, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Pará foi o estado com o maior número de casos indígenas de vários povos que sofreram com a violência da omissão do poder público na desassistência na área de saúde.
O território do povo Aikewara fica no município de São João do Araguaia, distante cerca de 100 quilômetros da cidade de Marabá, cidade polo da região sudeste do estado. A rodovia facilita o acesso de madeireiros e pecuaristas. A pressão sobre o território é constante e os conflitos gerados expõem os indígenas a sérias ameaças.
Ainda segundo o cacique, apenas duas aldeias possuem abastecimento de água, Itahy e Sororó. Quando perguntado sobre o programa Mais Médicos nas aldeias o cacique desabafa, “geralmente eles mandam os médicos cubanos para as aldeias, na verdade é uma visita meio que sem compromisso, porque a gente recebe eles nas aldeias, fazem as consultas, mas raramente acontece um exame ou um acompanhamento mais definitivo”.
Sompré, porém, não deixa de responsabilizar o poder público pela falta de apoio aos médicos que atendem as comunidades indígenas da região. “O médico está aqui, mas ele não tem condições de trabalhar. Ele chega não tem equipamento, não tem remédio, não tem como ele entrar com tratamento”.
Ele explica que em muitos casos em que um indígena precisa fazer um exame laboratorial o médico retorna depois de um mês à aldeia, e o exame ainda não está pronto ou o paciente não conseguiu o medicamento porque estava em falta. “Nós temos uma lista de 180 medicamentos e desses na base chega uns 30 e olhe lá, para atender todos as aldeias do polo de Marabá, que são 13 etnias”.
Nas terras dos Carajás, vasto mundo de riqueza mineral e território marcado por históricos conflitos socioambientais, mesmo o atendimento à saúde exige peleja dos povos ancestrais.
Responsabilidade dos municípios
Em nota, o Distrito Sanitário Especial (DSEI) Indígena Guamá Tocantins informou que há nos postos de saúde 188 itens pertencentes ao Rename indígena (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) e carro oficial nos polos bases a disposição dos profissionais da equipe multidisciplinar de saúde indígena para realizarem as ações de saúde nas aldeias, materiais, equipamentos médico-hospitalares indicados pelo Ministério da Saúde para a Atenção Básica, assim como a infraestrutura de Postos de Saúde Indígenas, que estão sendo reformadas e ampliadas de acordo com as necessidades.
A nota ainda afirma que é de responsabilidade dos municípios – a qual as aldeias pertencem – a questão sanitária e a saúde dos povos indígenas de seu território. Desta forma as Secretárias Municipais de Saúde têm que disponibilizar exames, consultas especializadas e de medicações prescritos pelos profissionais do Município, a fim de atender os princípios de integralidade e equidade do Sistema Único de Saúde (SUS). O distrito atende 72 aldeias distribuídos em 17 municípios, segundo o site do Ministério da Saúde.