‘Circus Maximus’ desmascara o mito do legado econômico dos Jogos Olímpicos

Cerianne Robertson – RioOnWatch

Antes do início dos Jogos Olímpicos Rio 2016, organizadores e autoridades locais elogiavam os possíveis impactos econômicos positivos do evento. Abaixo algumas promessas:

  • Ter um impacto econômico bruto de 51.1 bilhões de dólares na economia brasileira (de acordo com o estudo da Universidade de São Paulo, encomendado pelo Ministério do Esporte em 2009)
  • Atrair investimento direto de R$30 bilhões entre 2009 e 2016 com mais de R$90 bilhões em investimento indireto
  • Junto com a Copa de 2014, criar cerca de 120.000 empregos por ano até 2016 e 130.000 por ano entre 2016 e 2027 (Ministério do Esporte)
  • Junto com a Copa de 2014, aumentar o número de turistas por ano no Rio de 1,4 a 3,3 milhões
  • Acelerar o desenvolvimento de infraestrutura necessária e aumentar a reputação global da cidade da mesma forma que os Jogos Olímpicos de 1992 impulsionaram a revitalização de Barcelona

Resumindo, o Comitê Rio 2016 declarou em 2009 que estudos mostraram que os Jogos “trariam benefícios significativos não só para a economia da cidade, mas também para o estado e país”.

No livro Circus Maximus, o professor de economia Andrew Zimbalist disseca os pressupostos e cálculos errôneos que sustentam o mito de que megaeventos trazem benefícios econômicos para a cidade ou país-sede. Ele mostra como as empresas de consultoria contratadas pelas cidades e países-sede normalmente chegam a “estimativas muito altas e irreais” que fazem uma excelente propaganda para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, enquanto que estudos acadêmicos independentes apresentam uma falta de evidências conclusivas de que esses megaeventos trazem impactos econômicos positivos.

Brincando com números

Andrew Zimbalist analisou 19 estudos acadêmicos independentes que tomaram como base 26 megaeventos e descobriu que “não houve qualquer efeito estatisticamente significativo sobre a geração de empregos ou renda em 16 casos. Em apenas sete casos, ocorreu um pequeno efeito positivo sobre a renda ou emprego em curto prazo e, em três casos, foi encontrado um efeito negativo sobre a renda. E quando houve um pequeno efeito positivo sobre os empregos em curto prazo, era uma fração do efeito oficialmente projetado em cada caso”.

Então, como as autoridades e os organizadores dos Jogos Olímpicos chegaram a projeções tão otimistas? Andrew Zimbalist explica que eles costumam usar modelos preditivos que se baseiam em hipóteses sobre como um componente da economia responderá às mudanças em outro componente. Muitas vezes, essas hipóteses são muito generosas. Por exemplo, os analistas dos dados podem pressupor que os gastos dos turistas durante a sua estadia permaneçam na economia local, mas isso se torna cada vez mais improvável com a existência de redes internacionais de hotéis. Esses mesmos analistas também podem se esquecer que, para todos os turistas recebidos para o megaevento, outros turistas que normalmente visitam a cidade ou país-sede optam por visitar outros lugares. Até mesmo alguns moradores locais preferem evitar as multidões e os preços exorbitantes dos Jogos Olímpicos, e assim, também deixam de investir na economia local.

Ao mesmo tempo em que utilizam efeitos multiplicadores exagerados, relatórios que visam promover os megaeventos subestimam muito os custos de sediar o megaevento. Esta dobradinha mostra uma visão cor de rosa das transformações positivas que é rompida pela realidade.

Ao invés de se basear em modelos preditivos, Andrew Zimbalist e os acadêmicos citados examinaram dados reais das cidades que sediaram megaeventos, durante e depois dos Jogos. Esta abordagem permitiu que os acadêmicos observassem, por exemplo, que o “modesto aumento” devido ao turismo gerado pelos Jogos Olímpicos de 1996 em Atlanta foi resultado do aumento das tarifas dos hotéis, e não de um aumento no número de turistas.

À procura do legado

Andrew Zimbalist argumenta que qualquer benefício econômico em curto prazo não pode compensar as despesas por sediar os Jogos Olímpicos. Ele mostra que “qualquer justificativa econômica para sediar a competição deve ser investigada com base nos benefícios do legado ou em longo prazo”, mas sua pesquisa afirma que os benefícios de longo prazo normalmente alegados devem ser abordados também de maneira crítica.

O mito do turismo

Andrew Zimbalist também desmistifica a ideia de que os megaeventos sempre aumentam o turismo na cidade ou país. Os megaeventos afastam os turistas que normalmente visitam o local, desanimados pelas grandes multidões, construções e preços elevados. Na verdade, o turismo no ano das Olimpíadas de Pequim em 2008 e Londres em 2012 caiu em comparação ao ano anterior. Diferente dos turistas regulares, os turistas Olímpicos normalmente visitam menos os locais turísticos da cidade. No entanto, as projeções antes do evento não levam em conta essa diferença.

E o maior foco dado ao local durante os Jogos não resulta necessariamente no aumento do turismo nos anos posteriores ao evento. Nas Olimpíadas de Sydney, por exemplo, o turismo na Austrália caiu nos três anos seguintes. Analisando estudos de outras cidades, o pesquisador constata que, com exceção de Barcelona, houve pouco ou nenhum impacto em longo prazo sobre o turismo. Além disso, os estrangeiros que assistem aos Jogos Olímpicos em casa pela TV podem observar um lado diferente do país. Se algum problema acontece durante o evento, como por exemplo, os protestos sociais e estudantis dos Jogos Olímpicos na Cidade do México de 1968, o terrorismo em 1972 de Munique, ou, mais recentemente, a má gestão e elaboração de relatórios sobre as condições abaixo dos padrões na Vila Olímpica dos Jogos de Sochi em 2014, podem piorar a forma como as pessoas veem o local de sede.

O mito dos negócios e investimento

O COI afirmou que o aumento do comércio e dos investimentos está entre os muitos legados e benefícios das Olimpíadas. Mas Andrew Zimbalist avalia que a afirmação não é tão simples. Tal como acontece com outros resultados gerados pela sede de um megaevento, é difícil mostrar que só o fato de sediar pode provocar um aumento no investimento. Isso pode ser simplesmente pelo fato de uma cidade ou país estar mostrando para o mundo que está aberta para o investimento estrangeiro por se candidatar à sede e não por realmente acolher as Olimpíadas. E os investimentos estrangeiros nem sempre aumentam durante e depois dos Jogos Olímpicos. Em Londres, o investimento estrangeiro entre 2012 e 2013 foi quase metade do que era em 2005 a 2007. Outros fatores, como recessões globais e crises financeiras, têm mais impacto do que os megaeventos.

O mito “Faça como Barcelona”

O exemplo mais citado de uma cidade onde os Jogos Olímpicos foram bem-sucedidos e que tiveram um benefício em longo prazo, inclusive o crescimento do turismo, é Barcelona em 1992 (mas até o legado desses Jogos Olímpicos pode ser debatido). Andrew Zimbalist toma cuidado ao explicar as circunstâncias únicas que tornaram possível o sucesso de Barcelona e porque essas circunstâncias são tão difíceis de se repetir. Negligenciada enquanto Franco estava no poder na Espanha, Barcelona era uma “joia escondida” que tinha um potencial enorme para o crescimento turístico. O governo local começou o planejamento urbano para a candidatura Olímpica no final de 1970, mas não conseguiu a sede até 1992. Embora os Jogos Olímpicos ajudaram a gerar mudanças, muito do desenvolvimento em Barcelona, inclusive até mesmo a reforma dos estádios, teria ocorrido mesmo sem o Jogos.

Afirmando uma citação agora famosa do prefeito de Barcelona Pasqual Maragall, Zimbalist escreve: “Barcelona usou os Jogos Olímpicos e não o contrário”. O Prefeito Eduardo Paes do Rio também tem ecoado este mantra, afirmando repetidamente que o Rio está “usando os Jogos Olímpicos”. Embora muitas cidades tenham tentado imitar a fórmula de Barcelona, muitos fatores são quase impossíveis de se repetir. Saindo de um período de crescimento econômico lento, os gastos Olímpicos foram um estímulo para Barcelona. A maioria das cidades, incluindo o Rio, se candidata para sediar quando estão em um período de crescimento econômico, nestes casos os gastos Olímpicos podem atiçar a inflação. Outros locais podem aprender com o exemplo de Barcelona, mas copiar pode ser extremamente difícil.

O argumento da infraestrutura

Andrew Zimbalist sugere que sempre haverá algum desenvolvimento de infraestrutura que a cidade-sede e que seus apoiadores podem apontar como exemplos de legados a longo prazo. Mas o economista têm algumas perguntas simples em resposta:

“Por que esses investimentos positivos não poderiam ser feitos sem a realização dos Jogos e por que foi necessário gastar dezenas de bilhões de dólares para sediar o evento para receber milhões de dólares, ou até mesmo um bilhão de dólares ou mais, de investimentos de infraestrutura que valham a pena?”

Em vários artigos de mídia internacional, o Prefeito Eduardo Paes continua defendendo “os Jogos Olímpicos como sendo uma oportunidade para atrair investimentos“, “para agregar valor à marca da cidade, a melhoria dos serviços e para atrair atenção global e de turistas” e “para construir um lugar melhor e duradouro para depois que os atletas forem para suas casas”. Ele destaca a infraestrutura de transporte e projetos de revitalização, alegando que o Rio está seguindo o modelo bem-sucedido de Barcelona. O livro de Andrew Zimbalist mostra um alerta vermelho para todas estas alegações e fornece um conjunto convincente de evidências de que devemos abordar as predições de legado disfarçado de fatos com cautela.

Comments (1)

  1. O artigo de Robertson, ancorado em estudos publicados de Andrew Zimbalist são questões interessantes e sérias para passar a limpo os efeitos de um evento como os Jogos Olímpicos.
    Afora o pesado economês, a mágica dos números, há muito a refletir. Talvez a principal preliminar seja: faz sentido um país como o Brasil concorrer para sediar um evento desse porte? Penso que foi um equívoco – bastaria ter ficado com os jogos Panamericano e com a Copa do Mundo de Futebol. Para não alongar-me mais: reflitam sobre por que razão até hoje não temos um sistema educacional de qualidade mínima sequer no ensino fundamental-médio – nem falo no ensino de n. superior e técnico. Prossigo: por que o SUS – tão bem desenhado – ainda funciona com tantas precariedades após cerca de 20 da sua implantação? Outros padrões do “jeito brasileiro”: Projeto Transposição do Rio São Francisco e o recentíssimo caso do projeto das UPA – 1.000 unidades construídas funcionando minimamente (1/3 funcionando bem seria mais útil). Sabemos que afora a ganância econômica e os propinodutos dos larápios e caçadores de grande obras somos um povo sabidamente carente de competências quando o assunto é GESTÃO PÚBLICA e que tenta superar essa grave deficiência com canteiros de obras mal planejados sob todos os aspectos, Ponto final.

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