O palco para o julgamento do impeachment imposto à presidente eleita Dilma Roussef foi montado num cenário de tragédia, ainda que com adereços de tragicomédia, tantos são os arranjos para conferir algum ar de legalidade na armação do golpe institucional em curso. Esta construção de saídas sem rupturas não é novidade na história do Brasil – assim foram nos atos que findaram formalmente com a escravidão, o “Grito” da independência e o jogo insepulto da Lei de Anistia em benefício dos governantes e prepostos torturadores, no final dos anos 70.
A CESE no seu compromisso com o anúncio e a denúncia sente angustiada que há no ar um clima de fascismo, de justiçamento açodado pela grande mídia, evidenciando o quanto as elites empresariais e a bancada conservadora que tomou conta do Congresso Nacional – graças ao corruptor financiamento privado nas eleições – são irresponsáveis e predadoras, sem qualquer compromisso com o Estado de Direito e os direitos e bens comuns que republicanamente deveriam atender à necessidade das maiorias que formam o povo brasileiro.
No mesmo diapasão se assiste impotente ao sequestro da política por grande parte do Judiciário. Este indício ‘justiceiro’ se revela pelo arbítrio e a naturalização com que as instituições lidam com a violação de direitos convergindo para um inimigo comum – é da natureza do ambiente fascista visibilizar um inimigo a ser combatido – o terrorismo por exemplo, como fez o presidente Bush sacrificando milhares de civis na guerra do Iraque. Mas o mote pode ser a corrupção, desaguando no antipestimo, assim como pode ser a guerra às drogas, cujas ações provocam o extermínio da juventude negra, ou a homofobia e seus atos de truculência justificada como ameaça a determinados valores familiares e religiosos.
A leitura do contexto sugere que análise seja feita por camadas – há esta, mais na superfície, do cenário armado para tentar legitimar o afastamento definitivo de quem foi eleita com 54 milhões de votos vindos da maioria dos eleitores brasileiros, a ser substituída por um vice cassado pelo TRE de seu estado, por ministros acusados de pesada corrupção em diferentes instâncias, por um processo que se origina na vingança do mais influente, maquiavélico e corrupto parlamentar da atual legislatura – o deputado Eduardo Cunha/PMDB – que continua circulando livre e impunemente entre nós.
Uma segunda camada a ser colocada à vista é se há lisura, legitimidade no processo de impeachment, expediente previsto na Constituição, mas que só pode ser invocado mediante crime de responsabilidade e não como julgamento meramente político de perda de confiança de eventual maioria parlamentar – recurso inaplicável sob o regime presidencialista vigente, caracterizando um golpe institucional-midiático. Outros crimes correlatos como prisões arbitrárias, o jogo abusivo da delação premiada na Operação Lava Jato e a seletividade com que a Polícia Federal e o MP buscam criminalizar o Partido dos Trabalhadores que liderou em coligações os mandatos de Lula e Dilma, consolidam, especialmente junto à opinião pública internacional o sentido golpista do julgamento.
Outra camada mais profunda merece vir à tona, que são as políticas sociais, agora ameaçadas, em favor das maiorias empobrecidas, cujos resultados projetaram o país no cenário mundial, especialmente com a saída do Brasil do Mapa da Fome/ONU, nas relações insubmissas de sua política externa, na sua atenção com os países africanos, no seu protagonismo para a composição do G-20 e a constituição do BRICS como um bloco alternativo de desenvolvimento sob o capitalismo. Nesta nova injunção, a descoberta do Pré-Sal – entre as mais importantes reservas de petróleo do mundo e a constituição do sistema de partilha, compreendendo ainda a formação de um fundo soberano, evidenciou uma alternativa perigosa e ousada demais para quem vinha do quintal do império norte-americano.
Por fim, e não menos importante, as consequências deste quadro politicamente instável que se anuncia para a democracia brasileira com o rebaixamento de direitos: a criminalização dos movimentos sociais.
Frente ao neoliberalismo de coalizão que acaba de se instalar no poder central, abre-se espaço favorável à implementação de políticas neoliberais: desmonte das leis trabalhistas, rebaixamento das restrições ambientais, recrudescimento da violência contra os povos tradicionais e as periferias urbanas.
Deveremos apoiar a resistência em defesa dos direitos e bens comuns. Em honra à sua missão, a CESE reafirma seu compromisso com as lutas populares e pelo restabelecimento da legitimidade democrática, alimentada pela esperança das vozes indignadas que vêm das periferias.
Se com pesar comunicamos a morte da nossa democracia, com teimosia anunciamos um tempo de resistência em defesa da democracia e dos bens comuns.
31 de agosto de 2016.
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE