Por um Brasil de muitas meias dúzias de gatos pingados

Por Íris Morais Araújo, em Iricota

Há algumas semanas, li um texto no blog Combate ao Racismo Ambiental chamado “Meia dúzia de gatos pingados” (1). A autora, Alenice Baeta, contou o embate entre uma minúscula parte da população de Jacarezinho, um pequeno município do interior do Paraná, e seus vereadores, que, em época de crise econômica, se propunham a aumentar seus salários. O barulho feito pela meia dúzia de gatos pingados, maneira a princípio encontrada para detratar manifestantes, mas que foi tomada como rótulo positivo – Je suis gatos pingados – pelos membros do grupo, acabou por conter a sanha dos representantes, que arquivaram a medida.

Baeta narra essa história com a expectativa de que possa servir de inspiração a tantos moradores consternados com medidas injustas propostas pelos vereadores das pequenas cidades do país. É outro, porém, o fenômeno que os gatos pingados vêm me remetendo. Refiro-me ao modo com que as ocupações estudantis – tanto nas escolas quanto nas universidades – se reiniciaram, nesse fatídico 2016: ganharam fôlego antes de tudo nas pequenas cidades interioranas, e desde então vêm se alastrando para outros lugares.

Eu não conheço quase nada da rede pública paranaense, que se configurou como epicentro das ações dos estudantes de ensino médio. As universidades, contudo, são algo familiares. Novas ou antigas, em capitais ou nos interiores, foram criadas ou fomentadas no REUNI, o programa em prol da reestruturação e expansão das universidades públicas federais. São, certamente, parte da face mais visível de conquistas sociais da era Lula. Compõem uma rede afetiva de referências que se ergueu a mim no final da década passada, me animando a escrever um projeto de doutorado e assim seguir a vida acadêmica. Tornaram-se, com o passar dos anos, lugar de trabalho de colegas e amigos que tenho admiração e carinho. A UFRB, com todos os seus campus ocupados, são o epicentro dessa minha geografia afetiva; não poderia deixar de mencionar também, por diferentes motivos, a UEA, UFG, UFPI, UFRN, UFAL, UFMG, UNIVASF… Todos esses estudantes acenam a favor do direito à educação pública de qualidade.

Não tenho ideia do percentual de envolvidos na luta pela manutenção de seus locais de estudo. Talvez sejam considerados por seus pares meia dúzia de gatos pingados, como os manifestantes da história narrada por Baeta. Pode ser que na verdade sejam muitos, mas espalhados, dificultando a apreensão do conjunto. Tenho quase certeza que à UBES e à UNE – que estão se propondo a contabilizar as ocupações – não chegam todas as informações. A desconfiança tem fundamento: os novos movimentos estudantis, ao menos como se configuraram o ano passado em São Paulo, parecem pouco afeitos a tais estruturas; ademais, a dianteira dessa vez não está ocupada pelas metrópoles, que costumam concentrar as atuações dos quadros dessas entidades.

Meu temor é não ser possível apreender os gritos por mais educação, nessa semana decisiva de votação da PEC 241 na Câmara Federal. Torço para que surjam novos cronistas – como o foi Alenice Baeta para os gatos pingados de Jacarezinho –, que narrem as histórias dessas tantas ocupações. E que todos nós tenhamos forças também para reerguer as redes que ecoem a defesa do ensino público no país.

PS: A Articulação de Povos Indígenas do Brasil – APIB divulgou hoje um manifesto em prol da defesa do subsistema de saúde indígena, ameaçado de desmonte (2). Certamente as ações das populações ameríndias ao longo da semana serão uma inspiração para todos os que pensam ser necessário defender os dispositivos de garantia de direitos ameaçados.

(1) https://racismoambiental.net.br/2016/08/05/os-gatos-pingados-nao-devem-ser-esquecidos/

(2) https://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2016/10/23/manifesto-pela-defesa-do-subsistema-de-saude-indigena/

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