Policiais se solidarizam com PMs que abandonaram repressão contra manifestantes

Punição administrativa de agentes “aprofunda o abismo existente entre policiais e o restante da população”, dizem policiais sobre PM’s que deixaram seus postos em protesto de trabalhadores no Rio no dia 16/11

por Luiza Sansão, Ponte Jornalismo

A possibilidade de serem punidos administrativamente os dois policiais militares do Batalhão de Choque da PMERJ (Polícia Militar do Rio de Janeiro) que deixaram o cerco a manifestantes em protesto em frente à ALERJ (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), na última quarta-feira (16/11), intensificou o debate sobre os direitos trabalhistas dos policiais e sua relação com outras categorias de trabalhadores.

Questionada pela reportagem, a PMERJ não informou se foi aberta sindicância contra os agentes que, sob aplausos de manifestantes, deixaram seus postos durante protesto contra as reformas previdenciárias anunciadas pelo Governo do Rio, na semana passada, como mostrou vídeo postado em rede social).

De acordo com o Regulamento Disciplinar da instituição, quando policiais militares cometem algum tipo de transgressão disciplinar, como a desobediência a uma ordem, são submetidos a punições, que variam de acordo com a classificação da transgressão, podendo ser advertência, repreensão, detenção, prisão ou licenciamento e exclusão a bem da disciplina.

Em solidariedade aos colegas PMs, o grupo Policiais Antifascismo, que reúne profissionais das forças de segurança de diversas regiões do país contra o modelo de segurança pública militarista vigente, publicou uma nota, em que afirma que a punição disciplinar colabora com a manutenção do modelo militarista de segurança pública.

“Não é aceitável que ainda tenhamos que conviver com regras típicas de um estado de exceção, como é o caso da prisão disciplinar. Tal instituto fragiliza ainda mais nossa já combalida democracia, aprofunda o abismo existente entre policiais e o restante da população, colaborando, por fim, com a manutenção da militarização da segurança pública”, diz a nota, que pode ser lida na íntegra abaixo:

nota-solidariedade

Assinada também por membros da sociedade civil e de outras categorias de trabalhadores, como professores e advogados, a nota defende, sobretudo, que policiais são trabalhadores e precisam se reconhecer e ser reconhecidos como tal, segundo o tenente Anderson Duarte, integrante dos Policiais Antifascismo.

“Afirmar isso significa que os policiais que assinam se somam aos demais trabalhadores, esperando o reconhecimento e apoio destes. Foi o que fizeram os policiais que abandonaram a repressão aos manifestantes”, diz.

“A violência estatal passa pela política de segurança pública adotada, que precisa ser modificada. Essa mudança só vai ocorrer, de verdade, se partir de dentro, por meio da participação dos trabalhadores policiais envolvidos”, defende o PM.

Tramita no Congresso o Projeto de Lei 7645/2014, de autoria do deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT-MG), que prevê o fim das medidas restritivas de liberdade como punição administrativa conforme os códigos disciplinares das corporações. Se aprovado, o PL porá fim à prisão de policiais e bombeiros militares por faltas disciplinares no país.

“É muito delicado o policial estar na rua sendo obrigado a combater os manifestantes que estão ali defendo o salário dele também”, afirma o presidente da ASPRA-PM/BM-RJ (Associação de Praças da Policia Militar e Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro), Vanderlei Ribeiro. O departamento jurídico da ASPRA esta à disposição dos policiais, caso tenham que responder a processo administrativo, segundo ele.

“Quando os policiais se ausentaram do serviço, não tiveram o intuito de atingir a sociedade, muito menos a instituição. Eles estavam envolvidos emocionalmente pelas circunstâncias daquele momento e isso não significa que eles devam ser submetidos a uma regra rígida”, afirma. “O comando tem que ser sensível em relação a essa situação, face ao caos e à crise que o Estado está passando. Todos os servidores estão revoltados e o policial não é diferente: é um chefe de família, com salário atrasado, sem receber 13°, e também sente vontade e necessidade de participar”, completa o subtenente da PMERJ.

Para o presidente da Associação Nacional de Praças, Elisandro Lotin, cabo da Polícia Militar de Santa Catarina, se o policial não se sentir parte da sociedade, como cidadão e trabalhador, naturalmente não atuará em sua defesa.

“É preciso entender que policial e bombeiro militar também são seres humanos, cidadãos e trabalhadores, mesmo que o Estado, a sociedade e a grande mídia não nos vejam assim. Aliás, muitos de nós não nos vemos assim, pois somos doutrinados para manter distância da sociedade e do cidadão”, afirma.

A partir do momento em que alguns policiais passam a questionar o modelo de segurança pública que os mantém à margem da sociedade e da classe trabalhadora, pode ter início “um processo de transformação social fundamental para a democracia e para a segurança cidadã”, segundo Elisandro.

“O modelo de segurança pública que isola policiais e bombeiros militares, seja no tocante a direitos básicos trabalhistas ou direitos à cidadania, e que ao mesmo tempo impõe à sociedade uma ‘ordem pública’ que protege – nos usa para esta proteção – corruptos e corruptores, começa a ruir na medida em que nos coloquemos na condição de trabalhadores e cidadãos, e se somarmos a isso o fato de que a sociedade também começa a ter esta visão: nos ver como trabalhadores e cidadãos tão vítimas quanto ela própria”, afirma o policial.


Policiais Antifascismo

Contra um modelo de segurança pública baseado no militarismo, um grupo de policiais disposto a combater o pensamento hegemônico das polícias, que legitima práticas criminosas, e a lutar em defesa dos direitos humanos, se reuniu com o nome de Policiais Antifascismo.

O grupo surgiu “para reunir policiais que pensam de forma diferente e que desejam dar uma resposta à altura para o fascismo que afirma, por exemplo, que ‘bandido bom é bandido morto’”, segundo Anderson. “Queremos mostrar, por exemplo, que os policiais podem ser defensores dos direitos humanos, contra a violência e contra a atual política de guerra às drogas”, afirma o tenente.

Vários integrantes dos Policiais Antifascismo são também membros da LEAP Brasil (Law Enforcement Against Prohibition), associação dos agentes da lei contra o proibicionismo, que defende a legalização de todas as drogas. Eles explicam, sob a ótica de quem vive diretamente o front da “guerra às drogas”, que a proibição, além de ineficiente, só serve para criminalizar os mais pobres.

“O grupo Policiais Antifascismo acaba cumprindo um papel duplo: por um lado serve de grupo de apoio para policiais que pensam de forma mais progressista, para que possam se encontrar e saber que não estão sozinhos. Por outro lado, serve para que a sociedade saiba que nem todo policial é violento, fã de Bolsonaro e do Capitão Nascimento. Temos policiais pensadores, intelectuais e que querem uma polícia mais próxima da sociedade”, encerra o tenente.

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