Por Douglas Belchior
Com a morte de Fidel Castro e a comoção da maior parte daqueles que se dedicam à luta social pelo mundo afora, alguns grupos e personalidades negras questionam o porquê de negros “idolatrarem” Fidel e seu regime “racista”.
Respeito os que criticam, mas preciso discordar e o faço com muita força.
Reconheço que esse debate é complexo. Mas preciso dizer que não se trata apenas de “muita gente do movimento negro idolatrar Fidel”, e sim de movimentos, organizações e personalidades negras de todo planeta reconhecerem o importante papel histórico de Fidel enquanto liderança que se contrapôs ao status quo mundial. Há controvérsias em sua atuação? Sem dúvida! Cuba pós revolução se curou do racismo? Evidente que não. Mas a essa experiência devemos, inclusive, parte da formulação da ideia de que a revolução necessária vai muito além do viés econômico e político, mas se ampliam também para os aspectos de raça, gênero, questões religiosas e sexuais.
Roberto Trindade, negro brasileiro que viveu 7 anos e se formou médico na Ilha nos relata:
“Em Cuba o racismo existe sim, mas não é um racismo institucional, como estamos ‘acostumados’. É fruto de uma herança cultural de países escravocratas. Posso exemplificar com a ideia de que os santiagueros (Santiago de Cuba tem a maioria de sua população negra) são burros!!! Realmente a revolução não conseguiu desconstruir essa ideia vinda desde os tempos da colônia e essa persiste e se propaga nas ‘piadas’, ‘ditados populares’ e etc. Portando, o enfrentamento ao racismo continua a ser um desafio. Mas é preciso reconhecer que Cuba é o país onde os negros vivem melhor que em qualquer outro lugar previamente escravocrata. Existem as mesmas oportunidades e possibilidades, algo que pode parecer difícil de entender após eu confirmar que há racismo na Ilha. A revolução, plurirracial e de caráter nacional por si só já não permitiria que o racismo persistisse entre as esferas do governo”.
Vivi uma experiencia que, ao meu ver, só ela já seria suficiente para admirar Fidel e sua obra. Atuo no movimento de Cursinhos Populares há quase 20 anos. Entre 2006 e 2010 trabalhei em processos de seleção de jovens negros para estudarem medicina em Cuba. Esse programa, que garantia vagas na ELAM – Escuela Latino Americana de Medicinas, em Havana, durou alguns anos. Centenas de brasileiros, latino americanos e africanos negros e pobres foram beneficiados. Arrisco dizer que enquanto durou o programa, entre seu início e os primeiros resultados das políticas de acesso à universidade do governo Lula, Cuba formou mais negros brasileiros como médicos do que todas as universidades públicas do Brasil no mesmo período. Cleber Da Costa Firmino, José Cícero Da Silva e próprio Roberto Trindade – que nos fez o relato acima, viveram lá e se formaram médicos. Negros, pobres, moradores de periferias e alvo prioritário da violência policial, eles são, entre outras centenas de pessoas, a prova real do quanto a revolução cubana incidiu diretamente na vida de milhões de pessoas em todo o mundo.
“Desde os seus dias iniciais, a Revolução Cubana tem sido uma fonte de inspiração para todos os povos amantes da liberdade. O povo cubano ocupa um lugar especial no coração dos povos da África.”
Cuba foi, por décadas, refúgio de revolucionários de todo o mundo. Muitos aproveitaram sua estada para estudar e aprimorar suas capacidades de enfrentamento às ditaduras e ao colonialismo. Outros beberam da fonte da experiência prática cubana ante o desafio de enfrentar a maior potência bélica do planeta. Entre estes, podemos lembrar Malcon X e Angela Davis, que embora fossem filhos dos EUA, foram acolhidos pelo Comandante em sua luta contra o racismo ianque.
Fidel viverá para sempre!