Mensagem aos defensores públicos que atuam na defesa dos direitos humanos

Por Daniel Alves Pereira, no Justificando

O ano de 2016 foi de tirar o fôlego, mas nunca podemos duvidar da capacidade dos eventos de nos estarrecer.

O fim de novembro mostrou de forma nua toda a faceta de uma realidade que foi secularmente inventada, editada e reeditada: o ódio à defesa.

Podemos destacar, inicialmente, uma enquete em um programa de auditório: você salvaria o policial levemente ferido, ou o traficante gravemente ferido? A resposta (surpreendente, nos tempos atuais) de que se salvaria aquele que estava mais gravemente ferido foi o suficiente para que massas de revoltosos se rebelassem contra aqueles que ousaram seguir os padrões éticos de atendimentos em casos de múltiplos feridos e afirmassem a lógica de atender primeiro quem (não importa quem) precisasse mais. A raiva contra a figura mítica e caricata do traficante (que não tem nome, nem história, só cor e traços característicos) logo se voltou contra aqueles que ousaram cogitar a possibilidade de olha-lo sem preconceitos e estereótipos e o atendesse avaliando apenas as necessidades imediatas.

Após, houve o confronto entre um célebre juiz contra célebres advogados de uma figura mais célebres ainda. Um episódio marcado por tantas celebridades, obviamente, seria retratado em minúcias por jornais. Ocorre que juntos com as reportagens de jornais seguem os comentários das publicações on-line. Não faltou quem insinuasse ou dissesse com todas as letras que os célebres advogados eram seres tão ruins quanto o célebre cliente.

Dentre todos os comentários, um chamou a minha atenção: “os advogados deveriam receber pena junto com os clientes para parar de defender bandido”.

O comentário, simples, direto e sucinto é de uma honestidade que chega a constranger.

A pessoa que escreveu este comentário sintetizou tudo o que as demais que levantavam os dedos contra os defensores pensavam. Neste comentário ficou claro: quem defende o acusado é tão culpado quanto ele. E que não se argumente que ele ainda não é culpado, porque isto é tática da defesa que protela o quanto pode (hoje somente até a segunda instância, graças ao “bom senso” dos Ministros salvadores do STF) uma verdade óbvia: estamos diante de um culpado que deveria agradecer a chance que a justiça lhe dá (com uma certa má vontade) de se explicar, mas que não deve abusar desta chance misericordiosa.

Neste contexto, a defesa é só um irritante (senão criminoso) empecilho de se chegar logo à almejada e justa punição.

Daí que surgem todos os ataques, rebaixamentos, troças, vilipêndios e ameaças aos profissionais comprometidos com o respeito ao julgamento justo, em que se olha todos os lados, se escuta todas as versões, que se constrói verdades juntos e não apenas se ratifica verdades previamente eleitas.

Aos profissionais com esta nobre missão, entre os quais eu me incluo com orgulho, gostaria de deixar uma mensagem.

Em todos os momentos de frustração, ante uma das inúmeras derrotas que cotidianamente temos perante a irracionalidade, após um xingamento de alguém alimentado por um senso comum sem qualquer base reflexiva, devemos nos lembrar da importância da nossa posição.

Nós somos herdeiros daqueles que se indignavam contra mulheres sendo queimadas durante a inquisição, no Brasil império, somos herdeiros dos abolicionistas que lutavam contra as atrocidades cometidas ao povo negro, na Alemanha nazistas, seríamos aqueles que estavam nos tribunais defendendo os judeus dos diversos crimes étnicos que foram criados naquela época, nas Ditaduras civis-militares da América Latina, estávamos juntos dos torturados tratados de subversivos. A história guarda sempre um espaço importante para aqueles que se comprometem com a defesa do outro, sem se importar que o outro seja visto, naquele momento, como escória.

Nós sabemos que o tempo tem seus próprios caminhos incompreensíveis, sabemos que os papéis mudam e são interpretados de forma muito diversa com o passar das eras, e sabemos que o único jeito de se posicionar de forma digna é defender todos, sem se perguntar qual é o papel que a sociedade lhes concede.

Portanto, devemos ter orgulho do nosso ofício e atuar com a tranquilidade de quem sabe que seu defensor é a própria história.

Daniel Alves Pereira é defensor público no Estado do Paraná.

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