A demissão dos capachos não consola

Tania Pacheco

Na lembrança de d. Paulo Evaristo Arns

A  primeira página do jornal O Globo de hoje é altamente expressiva: no centro, uma foto corpo inteiro de Temer sentado, olhando de frente, sorrindo (?) com uma expressão que me sinto incapaz de definir de forma publicável. Reproduzo-a acima e abaixo, ainda que com qualidade de imagem abaixo da crítica. Mas, afinal, tudo que diz respeito ao retratado e ao que ele representa também o é, não?

Acima, a manchete principal:  “Após teto de gastos, cresce urgência por Previdência”. À direita da foto, a chamada para outra matéria: “BNDES dá alívio a empresas endividadas”, com um primor de textinho de abertura. Diz ele, “O BNDES refinanciará até R$ 10 bilhões em dívidas, principalmente de micro, pequenas e médias empresas. O pacote do governo para estimular a economia, que será lançado amanhã, prevê criar uma nova faixa, para imóveis mais caros, no Minha Casa Minha Vida”. Sem comentários. Sem necessidade de comentários.

Há outras chamadas que poderiam aqui ser citadas, mas essas acima já me parecem mais que suficientes para configurar o nível da cretinice e da falta total de pudor dessa corja. Uma, entretanto, merece ainda ser destacada: a charge de autoria de Chico, à direita da imagem abaixo. Ou ela não complementa o espírito da coisa?

Mas voltemos à foto de Aílton de Freitas, que merece um prêmio e bem poderia demarcar o último dia de governo de Temer, com seu sorriso de Monalisa do PMDB. Há nela a insinuação de movimento, de ritmo, até de som. Faltam apenas os fios que fornecem movimentos aos títeres. Mas que fique claro: não estou com essa comparação em absoluto absolvendo o ocupante da Presidência da República do caos que está ajudando a nos impor.

Eduardo Cunha foi um excelente exemplo recente do fim que é dado aos capachos. Após meses de primeiras páginas e de jornais nacionais, seu nome e sua foto sequer aparecem nas cercanias dos obituários. Usou e abusou, e foi também usado e abusado, até que se tornou inútil. E a forma como o decorativo marido recatado vem sendo tratado nos últimos dias pelos veículos que reverberam a voz do capital – e esta primeira página de O Globo mostra bem – indica claramente que seu tempo de validade também está prestes a expirar.

Isso não consola, entretanto. Por mais que um lado nosso sorria, há questões muito mais graves em jogo.

Ontem, enquanto o Senado aprovava em segundo turno mais um crime contra a Constituição e as pessoas decentes deste País, eu recordava um outro 13 dezembro, o de 1968, com a decretação do Ato Institucional nº 5. Recordava a minha revolta, então, e a pergunta que me fazia: como vamos responder a isso?

Repito agora a pergunta: como vamos responder a uma Constituição que amarrará por 20 anos o direito do povo brasileiro a uma vida digna? Como vamos responder à derrocada da Previdência, com tudo o que isso significa para os mais velhos? À entrega da legislação ambiental aos ruralistas e seus jagunços? Ou à pretendida institucionalização do genocídio dos povos indígenas, objeto de novo decreto do ocupante do Ministério da Justiça?

É verdade que, pós 1968, pagamos um preço duro. Muitos não sobreviveram, mas chegamos a 1985, a 1988 e assim por diante. Lutamos e conseguimos. Tudo leva a crer, pois, que possamos conseguir de novo. E reconstruir. Mas a que preço e a partir de onde? De quais alicerces, bases?

Nenhum tipo de ‘reforma’ pode dar conta do que temos hoje: um País dividido e alimentado pelo ódio. Um ódio irracional, forjado planejada e milimetricamente pelos meios de comunicação, e que dificilmente desaparecerá de um momento para outro. Um Legislativo de hienas, capazes de se superar a cada dia em termos de despudor e de descompromisso com a cidadania. Um Judiciário arrogante, que se julga plenipotente e a respeito do qual abrimos mão, constitucionalmente, de toda e qualquer possibilidade de controle social.

Por mais desejada que seja, a saída de Temer estará longe de representar uma vitória para as pessoas decentes. Até mesmo porque ainda é cedo para sabermos de fato o quê virá depois dele. Reconstruir este País a partir deste hoje em que até mesmo a esperança arrisca nos abandonar é um desafio que temos a obrigação de enfrentar, entretanto.

 

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