Stora Enso e Fibria fazem jogo duplo na Bahia

Assina documento desistindo da área Baixa Verde, devoluta, e Justiça dá direito às famílias do MLT,  mas, a Veracel Celulose continua fomentando o conflito, distribuindo madeira dentro da área, para a FETAG.

Por Ivonete Gonçalves Souza

A Veracel Celulose é uma empresa produtora de celulose para papel, propriedade da multinacional Sueco-finlandesa Stora-Enso[1] e da empresa brasileira Fibria, antiga Aracruz Celulose.  Da celulose da Veracel é produzido papel sanitário, lenços de papel e revistas de papel reluzente. Desta produção, 98% é destinada ao mercado externo.

A Veracel maneja mais de cem mil hectares de eucalipto próprios e mais cerca de 23 mil hectares de eucalipto  terceirizados, que garante uma produção anual de 1,2 milhões de toneladas de celulose branqueada, número que pode ser aumentado para 2,7 milhões de toneladas com a expansão da empresa[2]. A empresa possui, hoje, 204 mil hectares de terras na Bahia[3] e é a maior proprietária de terras do Estado.

No que se refere aos investimentos, a empresa contou com empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), seu principal investidor, além do Banco Europeu de Investimentos (EIB), do Banco Nórdico de investimentos (NIB), entre outros.  O BNDS investiu R$1.433.333.000,00[4] dos US$ 1.25 bilhões de investimentos totais[5].

A Veracel Celulose se instalou na região do Extremo Sul da Bahia em1991 com atividades florestais. Sua fábrica de celulose foi inaugurada em 2005 no município de Eunápolis. No que tange ao Licenciamento Ambiental para as atividades florestais, a empresa teve sua licença de localização e implantação do projeto expedida em 1992, mesmo sem o devido estudo de impacto ambiental (EIA). Na época, inúmeras derrubadas promovidas pela empresa foram descobertas e, em 1993, várias entidades ambientalistas denunciaram o desmatamento ilegal da Mata Atlântica, o que culminou em um processo judicial.

Dada a lentidão da Justiça no Brasil e a “interferência” da empresa no processo, somente em 2008 a Justiça Federal de Eunápolis julgou o caso e a Veracel foi considerada “culpada pela devastação ambiental cometida nos seus primeiros anos de funcionamento até 1993, multando a empresa em R$ 20 milhões, além de anular as licenças ambientais concedidas para o plantio de eucalipto.”[6]. A Veracel recorreu e o processo se encontra parado até o presente momento. Como ainda não houve julgamento, não houve condenação e, por esse motivo, a empresa anuncia que atende, hoje, a 100% da legislação exigida[7].

O MOVIMENTO DE LUTA PELA TERRA surge no ano de 1993, no seio dos camponeses, com ocupações das fazendas: Bela Vista e Santa Maria, áreas improdutivas localizadas no município de Ilhéus-Ba. Uma organização de massas de caráter classista, que visa conquista da terra, a construção de uma sociedade mais justa e acima de tudo, busca a transformação do camponês como sujeito da história.

O MLT compreende que a luta pela reforma agrária não é exclusividade  sua, portanto, desenvolve parcerias com outros segmentos da sociedade, tais como o Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais – MSTR, Sindicatos Urbanos, Universidades, ONGs etc., no sentido de melhorar a qualidade de vida no campo.”[8]

Em 2008, o MLT ocupa 1.333 hectares de terras devolutas da Fazenda São Caetano, município de Eunápolis, dando origem ao acampamento Baixa Verde. Esta área, apesar de ser propriedade do Estado, estava sendo utilizada pela empresa Veracel Celulose para o plantio de eucalipto.

A Fazenda possui 1.943 hectares de terra, localizada a 20 km do centro de Eunápolis – BA, na região conhecida por Ponto do Maneca. Em 2008, lideranças do movimento descobriram, através do levantamento da cadeia sucessória da Fazenda São Caetano, que 1.333 hectares dos 1.943 hectares totais eram terras sem titulação e se tratavam de terras do Estado, devolutas. Foi quando o movimento fez a ocupação das terras e organizaram o acampamento Baixa Verde. Iniciou-se então, a disputa judicial entre a empresa e os acampados.

Logo após a ocupação das terras, a Veracel recorreu à justiça com uma ação de despejo, que foi concedida na época pelo Juiz de direito Dr. Afrânio de Andrade Filho. Os acampados do movimento chegaram a sair, mas logo voltaram a ocupar as terras. Após comprovação da devolutividade da área, o Estado da Bahia, através da Coordenação do Desenvolvimento Agrário (CDA), recorreu à Justiça para que o imóvel fosse devolvido para o Estado da Bahia, objetivando o cumprimento da Constituição Federal que prevê que as terras devolutas devem ser destinadas à reforma agrária, e, portanto, as famílias que estão acampadas no local.

Em 2009, o processo que estava sem decisão da Vara Civil passou a ser competência da Vara da Fazenda Pública. Esta decisão provocou uma reunião de todos os movimentos de luta pela reforma agrária do estado, em Salvador, com a Procuradoria Geral de Justiça do Estado, na época, através do procurador Gercino José da Silva Filho que nomeou uma comissão para analisar as demandas de terras no Sul e extremo Sul do estado. Várias discriminatórias foram expedidas na época, dentre elas a da Fazenda São Caetano, já solicitada desde 2008 pelo MLT. Nesta, confirmou-se que 1.333 dos 1.943 hectares pertencentes à fazenda são terras do Estado, devolutas (anexo I).

A Veracel Celulose S/A, em 2010,  conseguiu novamente um mandato de reintegração de posse, concedido pelo juiz de direito da comarca de Eunápolis. Mas em fevereiro de 2010 o movimento conseguiu adiar a execução e em seguida derrubar em 1ª instância o mandato

A empresa, por sua vez, recorreu ao Tribunal de Justiça da Bahia. Em março de 2010, a Procuradoria Geral do Estado elaborou um documento em resposta à ação da VERACEL CELULOSE S/A, suspendendo o cumprimento do mandado de reintegração de posse em face da ação discriminatória que possui caráter preferencial e prejudicial. O documento ainda informa que as terras que forem arrecadadas, pelo Estado, por intermédio da referida ação discriminatória “serão destinadas ao assentamento de famílias integrantes do movimento social denominado Movimento de Luta pela Terra (MLT)”. A Veracel perdeu judicialmente em mais uma instância, e desde então, a área continua ocupada e produzindo alimentos, e gerando recursos para as famílias acampadas.

O MLT se mantém na área ocupada de forma pacífica, desde 2008, trabalhando e cultivando a terra, garantindo o sustento das 85 famílias. O acampamento Baixa Verde é o maior produtor de mandioca da região e também cultivam feijão, milho e abacaxi. Só no ano de 2012, os acampados colheram mais de um milhão e seiscentos mil quilos de alimentos e produziram 10 mil sacas de farinha.  Este ano eles esperam colher o dobro desta quantidade.

Esta produção possibilitou a aquisição coletiva de implementos agrícolas, como trator e grade, motor estacionário e outras ferramentas. Além disso, a produção tem possibilitado o ingresso dos jovens no trabalho do campo ou o financiamento para a educação superior.

O acampamento que tem contado com pouco incentivo do poder público, criou por conta própria uma escola onde funciona uma biblioteca e aula de alfabetização para os adultos. As aulas são lecionadas pela professora Rosilene Lemos que e técnica em agropecuária. O trabalho é voluntário.

Em 2011 foi fundada a ASCOMBAVE (Associação Comunitária dos Produtores Rurais da Baixa Verde) para gerir de forma mais organizada o trabalho do coletivo e para aquisição de recursos.

A partir da derrubada de reintegração de posse solicitada pela Empresa, a Veracel se aliou à FETAG – BA (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado da Bahia), através do diretor da entidade o senhor Ailton Queiroz Lisboa, oferecendo as terras em questão para serem distribuídas através da entidade (FETAG-BA) à outras famílias com o intuito de se criar um conflito agrário entre os dois movimentos, para desestabilizar o MLT.

Este ano, uma ação discriminatória de número 000627-97-2010-805-0079, de 16 de agosto de 2016, mediada pelo Juiz de direito da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Eunápolis, Estado da Bahia homologou por sentença como título hábil a transcrição do imóvel à favor do Estado da Bahia e regularização de seu domínio, ou seja, incorporando a Fazenda São Caetano, ao Patrimônio Público. No artigo 6ª, a Associação Comunitária dos Produtores rurais do Baixa Verde, do MLT, foi reconhecida como legítima detentora do imóvel, “uma vez que, foram as famílias que ocupam a área sob júdice e que provocaram a instauração do processo discriminatório”, portanto, detém o legítimo direito de serem assentadas. No 2º artigo a Ação discriminatória, ressalta a contrapartida do Estado, de permitir a colheita de eucalipto no imóvel, pela Veracel. Essa colheita deve iniciar em 15/09/2016 com 120 dias para conclusão, portanto finalizar em janeiro de 2017. Mas a empresa não está cortando a madeira da área e sim do entorno.

Diante disso, a Associação Comunitária dos Produtores rurais do Baixa Verde/MLT, requereu, no mês de novembro, ao Estado, através do CDA, a regularização fundiária por interesse social, mediante processo de Assentamento Estadual, do referido imóvel, em favor das famílias reconhecidas e indicadas pelo Movimento de Luta pela Terra, e com isso resolver as pressões vivenciadas pelas famílias acampadas.

Madeira para corte – Fazenda São Caetano/Baixa Verde

As famílias animadas com esse desfecho foram surpreendidas com a presença venal de integrantes da FETAG, na área, dizendo que o referido imóvel foi ofertado a FETAG pela empresa. A madeira para construção dos barracos, segundo eles, foi doado pela Veracel Celulose. “Hoje estamos sofrendo as consequências da falta do cumprimento da Sentença, por parte do Estado da Bahia. A Veracel colheu todo o eucalipto de área do entorno do acordo e já esta preparando para o novo plantio, no entanto, na área do acampamento Baixa Verde não está sendo realizada”.

Área do acordo não colhida pela empresa, tem a função de fomentar o conflito. A empresa joga sujo com os trabalhos de produção do MLT, corta nossa cerca dizendo que é para fazer a colheita, para executar os trabalhos dos quais não foram realizados,  deixando a nossa produção vulnerável a ataque de animais das vizinhanças promovendo assim grandes prejuízos financeiros, alem das ameaças sofridas por membros da FETAG, financiados pela empresa.

Casas recém construídas por integrante da FETAG.

Outros conflitos com a Veracel Celulose

“Geraldo e Derolino Pereira dos Santos, o Dedé, pequenos proprietários cujas terras foram griladas no município de Eunápolis, tentam reaver a propriedade onde plantavam e colhiam feijão, mandioca, milho e criavam animais, que lhes foi tomada à força. Uma tentativa única de retorno, entre centenas de posseiros que, nas décadas de 1970, 80 e 90, tiveram suas terras griladas, na região da Costa do Descobrimento, no extremo sul baiano, numa imensa, triste e violenta ação que foi articulada por grandes empresas e cujas terras estão hoje em poder do agronegócio da celulose”. Neste caso, da Veracel Celulose.

“Geraldo e Derolino voltaram a ocupar as terras (Fazenda Boa União) onde viveram parte das suas existências. Depois dessa ocupação, em setembro de 2012, a Veracel mandou dois funcionários seus, Jovane Vicente Ferreira, assistente Florestal e Leones Dorneles, técnico de Segurança, fazerem uma vistoria no local, que foi reconhecido pelos empregados como área não pertencente à empresa. “Aqui vivi uma parte da minha vida, e aqui vou ficar pelo restante dela”, disse Geraldo, que com o irmão, construiu entre o eucaliptal, uma casa de taipa e plantou roças que já deram as primeiras colheitas, e vive a feliz sensação de voltar a plantar e colher. Em local um pouco distante de onde as jaqueiras, mangueiras, laranjeiras, piteiras e os lírios, testemunhas de toda a violência que há mais de duas décadas, ali aconteceu, ainda dão flores, frutos e mantêm viva a memória de um tempo que para eles é de más recordações, mas acalenta a esperança de agora,poderem viver com suas famílias, em paz”.

Geraldo e Derolino já sofreram dois despejos, mas retornaram. E hoje a empresa está arando esta terra para plantar eucalipto novamente apesar dessa área estar sob júdice com a derrubada de duas liminares, com parecer favorável, do Ministério Público, Procuradoria Geral do Estado, INCRA e CDA. Eles estão sob constante ameaças. Para efetuar o plantio de eucalipto, a empresa desmata as nascentes, conforme foto abaixo:

Nascente dentro da Fazenda Boa União

Também as famílias da Associação São Dominguinhos, estão constantemente ameaçadas pela empresa, através da segurança privada, a Visel, sem ordem judicial, diz liderança. Veracel expulsa os trabalhadores e já prepara para plantar eucalipto numa parte da área. São cerca de 80 famílias vivendo uma situação de insegurança e medo.

Ressalta-se aqui que estes conflitos, estão no município de Eunápolis, mas, em todos os municípios a situação não é diferente.

Abaixo o vídeo-denúncia:

Notas:

[1] A Stora Enso é resultado da união de duas empresas tradicionais da Suécia (Stora) e da Finlândia (Enso), criada em 1998.

[2] Veracel Celulose 2012, Relatório de Sustentabilidade, pág 14.

[3]http://www.celuloseonline.com.br/noticias/Veracel+possui+maiores+extenses+de+terra+na+BA

[4] Souza, Ivonete Gonçalves e Overbeeek, Winfridus (orgs.) Violações Socioambientais Promovidas pela Veracel Celulose, Propriedade da Stora Enso e Aracruz Celulose: uma história  de irregularidades, descaso e ganância. Pág 34.

[5] Veracel Celulose 2012, Relatório de Sustentabilidade, pág 08  http://www.veracel.com.br/LinkClick.aspx?fileticket=sigzn7-ewE8%3D&tabid=80&mid=452

[6] Souza, Ivonete Gonçalves e Overbeeek, Winfridus (orgs.) Violações Socioambientais Promovidas pela Veracel Celulose, Propriedade da Stora Enso e Aracruz Celulose: uma história  de irregularidades, descaso e ganância. Pág 18-25.

[7] http://www.youtube.com/watch?v=yn3bgxn9Iyc

[8] Blog MLT: movimentodelutapelaterra.blogspot.com/

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

seis + catorze =