O pungente coro do passado

Por René Duarte, em Língua de Trapo

Essa gente não vale nada – vociferou o deputado. Não são como nós – completou.

É o que eu sempre disse – considerou o velho, com a saudade obscura de quem se recorda das sombras jamais apagadas. É o que eu sempre disse: essa gente não vale nada – ralhou para si mesmo e, por assim ser, para a família toda, da qual era uma espécie de lídimo proprietário. Não são como nós – completou.

Finalmente alguém tem coragem de falar a verdade nesse país. Esse político é um mito – pensou o neto do velho, um adolescente tão sem história própria como sem consciência do que é o mundo para fora de si.

Essa gente não vale nada – escreveu outro adolescente, de semelhante condição, embora de outra família. Não são como nós – completou. E tocou o dedo em publicar. O futuro não poderia ser mais do que o passado com touchscreen.

Essa gente não vale nada. Não são como nós – alguém, em outra família, leu o que havia escrito o rapaz. Curtiu e compartilhou. O futuro não poderia ser mais do que o passado sob a progressão geométrica promovida por técnicas que não existiam no velho passado.

Essa gente não vale nada – pensou um outro, que havia ouvido o deputado e lido o que escrevera o jovem. Esse meu professor que os defende e que não respeita o Mito também não vale nada – prosseguiu. Meu pai há de silenciá-lo em nome da Família e dos cidadãos de bem – completou. O futuro não poderia ser mais do que hipocrisia, iniquidade e despotismo.

Essa gente não vale nada – era o que se lia naquele cartaz, naquela avenida. Não são como nós – estava escrito em outro, logo ao lado. Famílias inteiras caminhavam em protesto contra o futuro e exibiam faixas clamando pela volta do passado. Só que usavam outras palavras para cinicamente nomear o tempo para que parecessem estar com a razão.

Essa gente não vale nada – registrou em uma espécie de carta de despedida um homem que quase todos preferiram confortavelmente chamar de louco. Não são como nós – completou, colocou ponto final, pegou seu revólver na gaveta do criado-mudo do seu quarto e saiu. O futuro não poderia ser.

Brasília – O presidente interino Michel Temer durante cerimônia de posse aos ministros de seu governo, no Palácio do Planalto. Foto: Valter Campanato /Agência Brasill

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