A UERJ, referência no Estado, e seu reitor acusam Governo de “forçar” seu fechamento. Cerca de 9.000 alunos carentes começam suas aulas sem bolsas
Por María Martín, no El País
De licença médica e sofrendo as dores das complicações de uma cirurgia, o reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ruy Garcia Marques, pegou seu computador e digitou um pedido de socorro: “Forçar o fechamento da UERJ é não pensar no futuro de nosso Estado e de nosso país”. A mensagem, convertida em uma carta dolorosa, foi enviada oficialmente ao Governo do Rio há cerca de duas semanas e, depois, à imprensa escancarando uma das piores crises nos quase 70 anos de história da instituição. A UERJ, 11ª colocada em qualidade entre as 195 universidades brasileiras e a 20ª da América Latina, segundo o ranking da revista britânica Times Higher Education de 2016, sangra. Falta dinheiro até para comprar a ração dos ratos de laboratório.
A crise econômica do Estado, que decretou calamidade pública às vésperas dos Jogos Olímpicos, está rachando os pilares da primeira universidade do Brasil a estabelecer, em 2003, cotas sociais nas suas aulas. Com o curso prestes a começar, os professores não receberam seus salários de dezembro nem o décimo terceiro, tampouco os técnicos administrativos, que resolveram entrar em greve, e os 65 programas de pesquisa receberam nem um centavo dos 32 milhões de reais previstos em 2016. Sem dinheiro, projetos que investigam áreas de risco, a dengue, zika, chikungunya ou a despoluição da Baia de Guanabara podem parar, afirma o pró-reitor de pós-graduação e pesquisa, Egberto Gaspar de Moura. Mas a lista de afetados pelas dívidas do Estado não termina aqui.
Foi Castro quem apoiou adiar o início das aulas, previsto para o dia 17, para o dia 23 e depois para o dia 30 deste mês. O motivo é a falta de pagamento do Estado das contas da instituição, um calote de cerca de 360 milhões de reais (35% do orçamento de 1,1 bi de 2016), reconhecido pela própria secretária da Fazenda. “Como é que a Universidade vai abrir para um conjunto de estudantes que pode pagar passagens e alimentação e não acolher aos que não podem?”, questiona a sub-reitora. Dos 32.200 alunos da UERJ, cerca de 9.000 têm direito a uma ajuda econômica pela sua situação financeira e, sem ela, mal conseguem chegar no campus, o principal deles vizinho do estádio do Maracanã, outro símbolo do Rio que fenece.
Elaine Monteiro, de 22 anos, é bolsista, vive em Nova Iguaçu, na região metropolitana de Rio, e só para ir e voltar das suas aulas de História investe quase quatros horas e 16 reais por dia. “Dessa bolsa depende minha permanência na faculdade. Já faltei às aulas por não ter dinheiro para a condução”, avisa. “Aumentaram as passagens de ônibus da minha cidade, aumentou a tarifa do trem, fecharam o bandejão [o restaurante], onde eu vou almoçar se eu preciso passar o dia inteiro na faculdade?”, questiona ela, que vive só com a mãe, que apertou o cinto para ajudá-la.
A crise, que já se avizinhava em 2015 e arrastou-se em 2016, quando professores, alunos e técnicos administrativos mantiveram uma greve de mais de cinco meses para denunciar a falta de serviços básicos, teve um reflexo nos corredores e salas de aula da Universidade. O número de alunos que fez a inscrição no vestibular de 2017 caiu cerca de 30% em comparação com 2016 (de 41.897 candidatos a 29.536) e, no primeiro semestre de 2016, 761 alunos pediram transferência para outras instituições, mais do dobro que no primeiro semestre de 2015. “As pessoas ligam a UERJ ao caos e a instabilidade, é muito desestimulante. Uma universidade como esta receber apenas 65% dos recursos nos mata igualmente. Não adianta. O que adianta é uma situação de estabilidade”, lamenta o professor de Relações Internacionais Bruno de Moura, que com salários atrasados reconhece ter assumido varias dividas para manter as faturas em dia.
O clima nos corredores não é dos melhores. Os professores que testam sua criatividade financeira em casa e na sala de aula, dividem-se agora entre os que querem e não iniciar uma nova greve. Os reitores estão revoltados e os alunos convocam protestos e organizam mutirões para desenhar cartazes de denuncia e recolher alimentos para os servidores mais necessitados. O adiamento do começo das aulas busca dar margem para o Governo atualizar uma parte dos pagamentos, mas os professores já apoiaram em assembleia adiar ainda mais o começo do curso, pois não há nenhuma previsão: a prioridade do Estado, diz a Secretaria da Fazenda, é o pagamento da folha salarial de dezembro do funcionalismo.
Elaine, a estudante de Nova Iguaçu, que se não fosse pela longa greve do ano passado já teria se formado, escolheu o curso de História porque queria se parecer com seus professores do vestibular. Questionada sobre se continua mantendo esse sonho, dispara.
– Já não sei mais.