Incra/PB entrega títulos provisórios à Comunidade Quilombola do Grilo

Incra

A Comunidade Quilombola do Grilo, no município de Riachão do Bacamarte, na região do Agreste paraibano, comemorou, nesta quarta-feira (8), mais uma vitória no processo de regularização da área de 139 hectares reivindicada por 71 famílias. Os Servidores do Incra/PB foram até a comunidade para entregar os Contratos de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRUs) registrados em cartório referentes a dois dos três imóveis incidentes no território da comunidade. Durante o ato, o Incra, por meio do oficial de Justiça Silas Batista de Menezes, da 4ª Vara da Justiça Federal, em Campina Grande (PB), também foi imitido na posse do imóvel Serra Rajada III, o último dos três imóveis que integram o território quilombola, com uma área de aproximadamente 1 hectare.

“As famílias já podem usufruir plenamente do seu território, com acesso total e autoridade sobre as áreas”, afirmou a antropóloga do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra/PB Maria Ester Fortes.

Em 21 de dezembro de 2016, a presidente da Associação Comunidade Negra Nossa Senhora Aparecida do Sítio Grilo, Leonilda Coelho Tenório dos Santos, mais conhecida como Paquinha, e seu filho, Márcio dos Santos, assinaram, no gabinete do então superintendente regional da Autarquia, Solon Diniz, os CCDRUs dos dois imóveis que já estavam sob a posse do Incra. Os documentos foram registrados em cartório e entregues às famílias da comunidade, que vivem a aproximadamente 98 quilômetros da capital paraibana, nesta quarta-feira (8).

O Incra foi emitido na posse dos imóveis Serra Rajada I e II, que somam cerca de 119 hectares, em março de 2016. Os outros 20 hectares do território reivindicado já estão em posse da comunidade, incluindo o imóvel de aproximadamente 1 hectare, pertencente a uma tia de Paquinha, cuja imissão do Incra na posse aconteceu nesta quarta-feira (8).

O CCDRU serve como título provisório e garante a posse da área pela comunidade até que sejam concluídas pela Justiça Federal as ações de desapropriação dos três imóveis incidentes sobre o território quilombola. Após as ações transitarem em julgado, o Incra emitirá os títulos definitivos das terras em nome da Comunidade do Grilo.

Libertação

“Esta conquista significa tudo para nós, principalmente libertação. Antes a gente dependia da terra dos outros. Era como uma escravidão”, afirmou a presidente da associação da Comunidade do Grilo, Paquinha. “Hoje podemos plantar sem medo, fazer uma pequena barragem e investir na produção. Agora é trabalhar!”

Segundo Paquinha, as famílias da comunidade do Grilo pagavam foro, uma taxa cobrada pelos proprietários das terras, para poderem plantar na área durante seis meses do ano. “Às vezes, não dava nem tempo de colher o roçado porque o gado dos donos das terras comiam tudo”, contou a presidente da associação.

Para Elias Coelho Tenório, irmão de Paquinha, os CCDRUs possibilitarão muitas melhorias para a comunidade. “Agora sonho com um mundo diferente, com liberdade de plantar e de colher no tempo apropriado”, afirmou o agricultor. Tenório disse ainda que agora os jovens do Grilo não precisam mais deixar a comunidade para trabalhar nas grandes cidades, como ele mesmo fora obrigado a fazer nos anos em que a pequena lavoura não supria as necessidades da família.

Atualmente, mesmo passando por um longo período de estiagem, que prejudicou as plantações de feijão, milho, fava, macaxeira, inhame e batata-doce da comunidade, algumas famílias do Grilo têm tirado seu sustento do cultivo de hortaliças. Elas utilizam a pouca água proveniente de um poço amazonas perfurado pela comunidade no último trimestre de 2016. Segundo Paquinha, antes eram necessárias até três viagens de jumento até a barragem mais próxima da comunidade, a cerca de 20 minutos, para conseguir a água para a horta.

Relatório Técnico

O Relatório Antropológico que compõe o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) – peça inicial do processo administrativo de regularização dos territórios quilombolas – da comunidade foi publicado em 25 de março de 2011 e foi fruto de contrato firmado em março de 2008 entre o Incra/PB e a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB) e elaborado por uma equipe formada por quatro professores doutores em Antropologia da Unidade Acadêmica de Sociologia e Antropologia do Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

O RTID aponta os aspectos históricos e socioculturais das comunidades e é constituído por relatório antropológico, relatório agronômico e ambiental, levantamento fundiário, mapa e memorial descritivo da área, além da relação das famílias quilombolas cadastradas pelo Incra.

Os Decretos de Declaração de Interesse Social para fins de desapropriação dos três imóveis que integram o território reivindicado pela comunidade do Grilo foram assinados pela presidenta Dilma Rousseff em 5 de dezembro de 2013 e publicados no Diário Oficial da União (DOU) do dia seguinte.

História da comunidade

De acordo com depoimentos dos moradores do Grilo transcritos no RTID, a comunidade se originou quando as terras da comunidade quilombola vizinha, a Pedra D’Água, tornaram-se insuficientes para sustentar todas as famílias. Descendentes da Pedra D’Água se estabeleceram em terras dos arredores, que hoje constituem as comunidades quilombolas do Grilo, do Matias e do Matão.

Ainda segundo o RTID, as famílias que hoje vivem na comunidade descendem, em grande parte, dos primos Manuel Dudá e Dôra, que, depois de casados, retornaram ao Grilo, onde Manuel havia nascido, na condição de moradores. No final da década de 1960, após 14 anos de trabalho, a família comprou um pequeno pedaço de terra onde hoje é o núcleo de moradia do Grilo.

De acordo com o RTID, ao se casarem, os filhos do casal foram se estabelecendo ao redor dos pais e passaram a depender das terras vizinhas para manter seus roçados, não mais como moradores, mas como arrendatários.

O RTID registra várias características e tradições da comunidade, como a organização em torno dos laços de parentesco, a priorização dos casamentos endogâmicos, as memórias de festa e trabalho constituídas pela lida no roçado próprio ou como mão de obra alugada, a confecção de louça de barro e do labirinto – tarefas marcadamente femininas –, as festas de São João e as celebrações animadas pelo coco de roda, pela ciranda e pelo samba. As celebrações religiosas de caráter coletivo incluíam, segundo o relatório, as rezas ao longo de todo o mês de maio e as novenas realizadas nas casas da comunidade e encerradas, muitas vezes, com uma roda de ciranda.

Processo de Regularização

De acordo com a antropóloga Maria Ester, o processo de regularização fundiária de comunidades quilombolas é demorado, mas indispensável ao futuro das comunidades quilombolas, que têm visto suas áreas cada vez mais diminuídas com a especulação imobiliária.

As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas.

Para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Auto-reconhecimento em nome da mesma. Devem ainda encaminhar à Superintendência Regional do Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.

A regularização do território tem início com um estudo da área, a elaboração de um Relatório Técnico que identifica e delimita o território da comunidade. Uma vez aprovado este relatório, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola. A fase final do procedimento corresponde à regularização fundiária, com a retirada de ocupantes não quilombolas através de desapropriação e/ou pagamento das benfeitorias e a demarcação do território.

Ao final do processo, é concedido título de propriedade coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada. Os títulos garantem a posse da terra, além do acesso a políticas públicas como educação, saúde e financiamentos por meio de créditos específicos.

Atualmente, outros 28 processos para a regularização de territórios quilombolas encontram-se em andamento na Superintendência Regional do Incra na Paraíba.

De acordo com a presidente da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade/PB), Francimar Fernandes, 39 comunidades remanescentes de quilombos na Paraíba já possuem a Certidão de Autodefinição expedida pela Fundação Cultural Palmares.

Foto: Kalyandra Vaz.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

três × 3 =