OEA cobra Brasil por problemas no sistema prisional e socioeducativo em decisão inédita

Corte Interamericana de Direitos Humanos exige resposta a 52 questões sobre o sistema prisional e socioeducativo brasileiro até 31 de março; Juízes da Corte internacional anunciam visita ao país, e designam audiência para maio, na Costa Rica

Por Glaucia, na Justiça Global

O acúmulo de graves casos de violações de direitos no sistema prisional e socioeducativo brasileiro levaram a Corte Interamericana de Direitos Humanos a emitir, de forma inédita, uma resolução que cobra do Estado brasileiro explicações e soluções para a violência e a superpopulação carcerária no país.

O documento é baseado em quatro casos brasileiros que atualmente estão na Corte – Complexo Penitenciário de Curado, em Pernambuco; Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão; Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro e Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS), no Espírito Santo -, mas os membros do tribunal ressaltam que se trata de um indício de “um problema estrutural de âmbito nacional do sistema penitenciário”.

Na mesma Resolução, comunicada ontem às entidades de direitos humanos peticionárias das denúncias originais, a Corte informa também que enviará uma delegação para realizar uma visita ao Brasil e observar, de forma direta, a situação dos presídios e unidades socioeducativas e o cumprimento das medidas provisórias já emitidas nos casos em questão. A visita da Corte subsidiará audiência pública a ser realizada em sua sede na Costa Rica em maio e para qual estão convocados o Estado Brasileiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e os representantes dos beneficiários.

No texto, a Corte cobra do Brasil que indique as medidas concretas que vem adotando para 11 pontos, entre eles a redução da população carcerária e do número de presos provisórios, a prevenção do enfrentamento de facções criminosas nas unidades prisionais, o treinamento no controle não violento de rebeliões e a prevenção da entrada de armas e drogas nas prisões. Além disso, são solicitadas informações atualizadas que ainda não são divulgadas de forma pública pelas autoridades brasileiras, como o número de mortes intencionais e não intencionais nos últimos cinco anos, o número de médicos e equipes de saúde que trabalham nos presídios e o número de denúncias de maus-tratos e torturas nos últimos cinco anos. Ao todo, são 52 questões que, ao serem respondidas, poderão dar um panorama real da atual situação do sistema prisional e socioeducativo brasileiro.

O reconhecimento da Corte de que o problema é estrutural e resultado de uma política equivocada baseada no encarceramento em massa, e não de uma suposta crise, é visto como uma vitória para organizações e movimentos que lutam pela garantia dos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade no Brasil. Na resolução, a Corte lembra como vem recebendo, há anos, informações que mostram que as circunstâncias do sistema no país “não apenas tornariam impraticáveis os padrões mínimos indicados pela comunidade internacional para o tratamento de pessoas privadas de liberdade, mas configurariam possíveis penas cruéis, desumanas e degradantes, violatórias da Convenção Americana sobre Direitos Humanos”. Essa situação se tornou ainda mais clara este ano, com mais de 140 mortes violentas já registradas em diversas regiões do país.

Um ponto importante da resolução é o entendimento de que a situação do sistema socioeducativo, que mantém sobre custódia adolescentes em conflito com a lei, também deve ser analisada dentro do contexto dos presídios brasileiros. Há anos, surgem denúncias de maus tratos, torturas e superlotações nessas unidades. O caso na Corte, da UNIS, trata do Espírito Santo, mas é exemplar do que ocorre em todo o país, onde as condições das unidades socioeducativas violam os parâmetros estabelecidos em normativas internacionais sobre direitos de crianças e adolescentes e se equiparam às condições degradantes e violatórias do sistema prisional.

Outra situação que merece destaque é a do Complexo Penitenciário do Curado, antigo Aníbal Bruno, em Pernambuco. Em novembro de 2016, a Corte determinou que o Brasil realize reformas e resolva a questão da superpopulação nas unidades prisionais do Complexo, com um diagnóstico técnico e plano de contingência. O prazo para isso se encerra no dia 8 de março, quando o Estado deverá, ainda, apresentar a relação de todos os presos no Complexo, detalhando as razões pelo encarceramento (eventuais condenações, processos abertos, indiciamentos) e “o tempo em que cada um permanece privado de liberdade pela condenação ou pelo respectivo processo”.

Medidas Provisórias na Corte

Unidade de Internação Socioeducativa, Espírito Santo. Diante do histórico de tortura e maus-tratos na UNIS, onde apenas entre abril e julho de 2009 três homicídios de adolescentes foram registrados, a Justiça Global, o Centro de Defesa de Direitos Humanos da Serra (CDDH/Serra) em parceria com a Pastoral do Menor e com o apoio da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, encaminharam denúncia sobre a UNIS ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos outorgou medidas cautelares em benefício dos adolescentes. Constatado o descumprimento da determinação, a Comissão então encaminhou um pedido de medidas provisórias à Corte. Em fevereiro de 2011, a Corte emitiu a primeira resolução exigindo que fossem adotadas medidas para proteger a vida e a integridade pessoal de toda e qualquer pessoa que se encontre na UNIS. As medidas seguem vigentes e o Brasil vem descumprindo de forma sistemática as resoluções da Corte.

Complexo do Curado, Pernambuco. Um quadro extremamente grave de homicídios, torturas, negligência na saúde levou, em junho de 2011, a Justiça Global, o Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (SEMPRI) a Pastoral Carcerária e a Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard a solicitarem proteção para as pessoas privadas de liberdade no Curado  junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em 4 de agosto de 2011, a Comissão emitiu medidas cautelares exigindo ao Estado brasileiro que tomasse todas as medidas necessárias para garantir a vida, integridade pessoal e saúde dos presos. Em 2 de outubro de 2012, a Comissão ampliou as medidas para incluir a proteção de visitantes e funcionários da unidade. Apesar das medidas, o Estado brasileiro não tem garantido os direitos tutelados pela decisão da Comissão. Denúncias de tortura, violência (incluindo um número considerável de mortes), acesso inadequado à assistência médica e abusos pelos chaveiros (também chamados de representantes do pavilhão ou porteiros) persistem. Em razão disto, o caso foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em 22 de maio de 2014, emitiu medidas provisórias ordenando ao Brasil que implementasse proteções imediatas e eficazes à vida e integridade pessoal de todos os presos, funcionários e visitantes da unidade. Em junho de 2016, pela primeira vez nas Américas, juízes da Corte realizaram uma visita in loco ao Complexo do Curado.

Complexo Prisional de Pedrinhas, Maranhão. A série de rebeliões eclodida entre novembro e dezembro de 2013, que resultou na morte de 22 presos, alguns deles decapitados, levou a SMDH (Sociedade Maranhense de Direitos Humanos) e a OAB-MA (Ordem dos Advogados do Brasil) a  solicitarem à CIDH medidas cautelares. Em 16 de dezembro de 2013, a Comissão outorgou medida cautelar obrigando o país a agir imediatamente para conter novas violações no complexo de Pedrinhas, sob o risco de uma condenação internacional. Conectas e Justiça Global ingressam no caso como co-peticionárias meses depois. Diante do descumprimento das recomendações, a CIDH remeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em novembro de 2014. Esta, por sua vez, a par da gravidade dos fatos, expediu medida provisória obrigando o Brasil a adotar imediatamente todas as ações necessárias para proteger a vida e a integridade de todas as pessoas privadas de liberdade no complexo.

Plácido de Sá Carvalho, Rio de Janeiro. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) acolheu o pedido da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e determinou ao governo brasileiro que adote medidas a fim de solucionar a superlotação e problemas estruturais do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC), que integra o complexo penitenciário de Bangu. A decisão foi proferida no dia 21 de julho de 2016. Vistoria do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria (Nuspen), em janeiro de 2016, revelou que o instituto penal operava bem acima da capacidade – com 3.478 presos para apenas 1.699 vagas. Na ocasião, foram constatados diversos problemas. Entre eles, atrasos na concessão de benefícios na Vara de Execuções Penais, falta de medicamentos, de material de higiene e até de água potável e de alimentação nutricional adequada.

 

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