Mulheres sim, Homens não: sobre o uso de métodos contraceptivos hormonais

Por Emanuelle Goes para Cientistas Feministas

No ano passado, foram publicados os resultados da pesquisa que avaliou a viabilidade e as consequências do anticoncepcional injetável masculino. No entanto, logo em seguida tivemos a informação da suspensão do método por apresentar reações semelhantes aos contraceptivos hormonais feminino.

O estudo envolveu 320 homens (18 a 45 anos) e foram encontrados os seguintes efeitos colaterais: variações bruscas na libido, maior tendência a desenvolver depressão (3%), dor excessiva no local da aplicação, acne e alterações de humor. Esses dados foram suficientes para que o lançamento do anticoncepcional masculino fosse adiado.

É importante descartar que, apesar dos efeitos colaterais, mais de 75% dos participantes relataram estarem dispostos a usar o método contraceptivo, segundo o artigo Male birth control shot found effective, but side effects cut study short.

No entanto, nas mulheres, os efeitos colaterais ocorrem em maior percentual, segundo a professora Elisabeth Lloyd da Universidade de Indiana (EUA): as mulheres que utilizam pílulas anticoncepcionais têm 23% mais chances de tomar remédios para combater a depressão. Caso as pílulas sejam de progestógeno, a chance aumenta para 34% e, quando se verifica em adolescentes (15 e 19 anos), sobe para 70%.  O uso de métodos contraceptivos hormonais ainda são fatores de risco para trombose venosa profunda, acidente vascular cerebral (AVC) e infarto do miocárdio.

As bulas dos anticoncepcionais hormonais femininos apresentam uma gama de informações sobre riscos associados ao uso, assim como as contraindicações. No entanto, nem todas as mulheres tem acesso a essas informações, seja por realizar automedicação, pegando informações no balcão da farmácia, ou até mesmo pela falta de orientação do profissional de saúde que oculta a informação no momento da consulta (Souza et al, 2006).

E por que nas mulheres pode?

A ginecologia que surge no XIX, e esta área do conhecimento tinha como finalidade tratar dos problemas relativos à mulher e à reprodução, assim como desenhar parâmetros para a distinção entre os sexos, passando, sobretudo, pela associação da mulher à função reprodutiva, diferentemente do homem. Além disso, a ginecologia tinha o objetivo de estudar a normalidade feminina, que é, por natureza, potencialmente patológica (Rohden, 2001).

Já em relação à saúde dos homens, o corpo e a sexualidade masculinos foram alvo de grandes preocupações em função da sífilis e de outras doenças venéreas, ou seja, a preocupação com a saúde sexual e com a doença que comprometia sua descendência, e que incidia mais imediatamente sobre a sua própria degradação individual. (Rohden, 2001).

O controle e regulação dos corpos das mulheres, tanto pelas questões biológicas da reprodução, quanto pelas questões pautadas nas relações desiguais de gênero e o patriarcalismo, eram estratégicos para o controle da natalidade.

Na década de 60, com a preocupação com o crescimento populacional, a pílula anticoncepcional surge como nova estratégia para o controle de natalidade, o controle compulsório da fecundidade das mulheres negras e indígenas. A introdução do novo método utiliza as mulheres negras e pobres como cobaias nos vários experimentos hormonais.

Participação dos homens no planejamento reprodutivo

Nas últimas décadas vem sendo observada a participação dos homens na cena da saúde reprodutiva associada, principalmente, a três fatores (Duarte et al., 2003; Minella, 2005):

Primeiro, as mudanças culturais, impulsionadas pelos movimentos feministas, que atuam na dissociação da sexualidade em relação à reprodução, com a redefinição do papel da mulher na sociedade e do questionamento dos padrões tradicionais de relações afetivas e familiares e os consequentes rearranjos das relações de gênero.

Segundo, a epidemia da AIDS e seu avanço entre grupos heterossexuais.

E por último, a influência das práticas médicas no campo da contracepção, com o avanço tecnológico na cirurgia da vasectomia e a camisinha masculina.

No entanto, nas relações conjugais e nos relacionamentos estáveis, a participação dos homens na escolha de métodos contraceptivos e nos assuntos da saúde reprodutiva do casal ainda acontece de forma insuficiente nos dias atuais, visto que as questões reprodutivas ainda ficam sob a responsabilidade das mulheres, apoiadas pelo imaginário social de que a reprodução é uma atribuição unicamente delas.

A compreensão dos processos históricos que em nossa sociedade transformaram a reprodução num atributo quase que exclusivamente feminino, tendo construído as representações sobre o masculino como algo que se opõe, quanto à compreensão dos fatores que nas últimas décadas tem atuado no sentido de modificar o perfil masculino tradicional” (Minella, 2005).

A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde -2006 demonstrou que 65,2% das mulheres de 15 a 49 anos referiram uso atual de método contraceptivo considerado moderno e, ao incluir os métodos tradicionais (tabela, abstinência periódica, entre outros), a prevalência foi 67,8%. Predominaram contraceptivo oral (22,1%), esterilização feminina (21,8%), preservativo masculino (12,9%), injeção contraceptiva (3,5%) e esterilização masculina (3,3%).

Neste sentido, precisamos ampliar o debate na desconstrução sobre o papel da responsabilidade pelo planejamento reprodutivo. Temos atualmente só dois métodos para o uso dos homens, a camisinha e a esterilização masculinas, portanto a chegada do anticoncepcional masculino será bem-vindo para aumentar as possibilidades de escolha e o compartilhamento do planejamento reprodutivo de forma mais igualitária.

Referencias:

Souza, Jovita Maria Matarezi de et al. Utilização de métodos contraceptivos entre as usuárias da rede pública de saúde do município de Maringá-PR. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de Janeiro, v. 28, n. 5, p. 271-277, May 2006.

Rohden, Fabiola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher [online]. 2nd ed. rev.and enl. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001. Antropologia & Saúde collection. 224 p. ISBN 978-85-7541-399-9.

Minella, Luzinete. S. Gênero e contracepção: uma perspectiva sociológica. Florianópolis-SC, Editora da UFSC, 2005.

Duarte, G. A. et al. Participação masculina no uso de métodos contraceptivos. Cadernos de Saúde Pública, v. 19, n. 1, p. 207–216, 2003.

BRASIL. PNDS 2006: Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher: relatório. Brasilia: Ministério da Saúde (MS), 2008

Comments (1)

  1. Estou pensando em mudar de pílula pra injeção no período de amamentação. Vocês tem algum post falando sobre isso? Achei algumas informações aqui http://cyclofemina.com.br mas gostaria de mais informações sobre esse período. Obrigada!

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