Por Flávia Marreiro, no El País
O presidente Michel Temer está equivocado em vários aspectos. Entres eles, está o de pensar que “as palavras voam”. Pois não. Sua ofensiva e redutora visão sobre as mulheres dita nada menos do que no dia que marca nossa resistência histórica fica e reverbera, com consequências nefastas.
Um dia depois de seu discurso infame, uma amiga foi constrangida por um colega de trabalho numa moderna empresa de tecnologia. O sujeito fez questão de contar uma piada a propósito do Dia da Mulher. Mesmo ela insistindo que não estava interessada, ele, diante de outras mulheres com quem divide responsabilidades profissionais, disse que a gôndola de espumantes comemorativa para as mulheres era uma prateleira de produtos de limpeza. Está claro que atitudes como essa são encorajadas pelo discurso do presidente sobre a expertise feminina em transitar no supermercado e se esmerar nos afazeres do lar. É com esse público ressentido com o movimento feminista, incomodado no nível mais visceral com os avanços da mulher no mercado de trabalho, que ele dialoga. São eles que Temer afaga.
O presidente não está desatualizado sobre o tema. Não vale a carta geracional como desculpa, infelizmente. O machismo que grassa nos comentários de Internet está na sociedade. Está nos garotos inseguros que achincalham meninas em grupos para jogar videogame. Nas hordas de adultos que perseguem blogueiras feministas. Ou naqueles, pobres falos ameaçados, que se sentem incomodados quando o termo é cultura do estupro. A misoginia sai à luz sempre que possível, busca brechas para retornar.
Temer pode ser cínico, mas não tem amnésia. Ele sabe muito bem onde as mulheres podem chegar. Ele está onde está porque ajudou na articulação que depôs a primeira mulher eleita presidenta do Brasil. E, sem desconsiderar os erros de Dilma Rousseff, embrulha o estômago o regozijo machista que acompanhou sua queda.
Todos sabemos, mas não custa repetir, que um dos primeiros atos ao chegar na presidência foi nomear um gabinete exclusivamente masculino. Em outra atitude simbólica, o Governo ordenou a volta do termo presidente, em vez do também dicionarizado presidenta, nos veículos oficiais. A mensagem é: acabou a brincadeira, voltem para os papéis que lhe designamos. Não toleraremos mais nem um “a”.
Sempre que perguntado sobre o assunto, Temer não disfarça o menosprezo que sente pelas palavras gênero e representatividade. Se ele está tão preocupado com a nossa recuperação econômica como diz, deveria encorajar mais da metade da população, a mais escolarizada parcela diga-se, a tomar seu lugar na sociedade para produzir e contribuir. Pesquisas mostram que só desmontando estereótipos de gênero desde a primeira infância é que teremos mais mulheres cientistas. É de como Michelzinho tratará suas colegas de escola é que estamos falando.
O Governo ordenou a volta do termo presidente, em vez do presidenta. A mensagem é: acabou a brincadeira, voltem para os papéis que lhe designamos. Não toleraremos mais nem um “a”.
Durante a campanha eleitoral americana, uma reportagem do New York Times a respeito dos efeitos sobre as pré-adolescentes dos discursos machistas de Donald Trump me comoveu. Havia ansiedade e havia raiva entre as garotas que ouviram a massiva cobertura dos impropérios degradantes do republicano sobre seus corpos e suas potencialidades. Algumas delas disseram que era justamente por isso que queriam buscar cargos de liderança. Minha esperança é que a revolta provocada pelo discurso de Temer e essa reação machista que tenta nos constranger nos mais variados lugares também se transforme em potência para ampliar nossa pífia e injusta participação na elite política e empresarial. Aos que acham que minha amiga é uma chata intolerante com piadas, aconselho começar a chorar. Ainda não viram nada. Esperem só para nos ver ao lado da formidável filha dela nas marchas daqui a uns anos.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.