Saúde Inimiga invisível da gravidez: como a violência obstétrica afeta mulheres negras

Inimiga invisível das mulheres grávidas, a violência obstétrica atinge 25% das gestantes brasileiras

Ana Carolina Moraes, Casa de Labrys

Como é que sua mãe fala sobre seu parto? Você já ouviu algum relato sobre maus tratos ou negligência durante a gravidez? Do que é que você tem medo quando pensa (caso você pense) em parir?

O parto, por si só, pode ser assustador; quando o risco de sofrer violência obstétrica é de um para cada quatro mulheres, a insegurança aumenta.

O Brasil carece de uma definição específica para violência obstétrica, suas características e práticas. No legislativo, há leis que versam sobre a prevenção, mas, ainda assim, de maneira pouco didática e objetiva. Tanto silêncio e descaso sobre o assunto permitem uma série de violações físicas, verbais e psicológicas, que comprometem a saúde da gestante e do bebê. Violência obstétrica não acontece somente na hora do parto; ela pode ocorrer em todos os estágios da gravidez e tem múltiplas manifestações.

Como é que a gente pode entender o que violência obstétrica, então?

Na Argentina, assim como na Venezuela, onde a prática é criminalizada, violência obstétrica é entendida “como toda conduta, ação ou omissão realizada por um profissional de saúde que, de maneira direta ou indireta, tanto no âmbito público como no privado, afete o corpo e os processos reprodutivos das mulheres”, conforme explica a advogada e doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Mendoza, Graciele Medina, na pesquisa “Violência Obstétrica”.*

Os esforços primários do Brasil para tipificar, prevenir e denunciar essas agressões baseiam-se nestes conceitos. Em 2013, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo emitiu um panfleto sobre o tema inspirado nas discussões destes países, a fim de alertar as mulheres sobre as violações possíveis e mais comuns.

Mulher negra, violência obstétrica e racismo

O recorte da violência obstétrica no Brasil tem maior incidência com mulheres em situação de vulnerabilidade social. Logo, tem cor. Dados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apontam que pelo menos seis de cada dez mortes maternas são de mulheres negras.

Mulheres pretas e pardas representaram 65,9% da parcela submetida a algum tipo de violência obstétrica em 2014, segundo estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.

Para a enfermeira e blogueira do População Negra e Saúde, Emanuelle Goes, isso acontece porque mulheres não-brancas estão mais expostas a discriminação no serviço de saúde por conta do racismo. “As mulheres negras estão mais expostas ao racismo institucional e, consequentemente, a violência obstétrica acomete mais incisivamente essa população”, conclui.

A violência obstétrica na rotina das maternidades

Infusão de ocitocina e a ruptura artificial da membrana amniótica são as técnicas mais usadas para acelerar o trabalho de parto, de acordo com as dados da Pesquisa Nascer no Brasil. As duas práticas enquadram-se como violência obstétrica e ocorreram em 40% das mulheres com risco habitual.

Para a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil faz parte, cabe à parturiente a decisão sobre o modo do nascimento. Na prática, o parecer da gestante é submisso ao “conhecimento” médico. Hoje, 52,3% dos partos brasileiros são cesáreas e, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), nosso país é o líder em cesarianas no mundo. O índice aceitável pela OMS é 15%.

Além das agressões diretas, a maneira com a qual o atendimento a gestante acontece, muitas vezes, é desumano. Abandono da mulher pós-parto disfarçado de procedimento médico também é violência obstétrica, por exemplo.

O dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres, de 2012, traz relatos de como a violência obstétrica era “rotina” nas maternidades.

Um dos relatos coletado em 2012 afirma: “até hoje é rotina da maternidade, após a cesárea, o bebê é colocado entre os joelhos da mãe, pois já que não sentimos as pernas, o bebê não cai. Ninguém me ajudou, eu não conseguia levantar a cabeça para ver se ela estava incomodada com algo, não conseguia pegá-la, e não tinha ninguém na sala de recuperação. São 2 circulantes para 6 ou 8 leitos. Eu trabalhei nessa maternidade depois, e vi que era rotina”.**

Para a enfermeira Emanuelle Goes, a violência obstétrica faz parte da rotina profissional porque a atuação dos profissionais de saúde acontece de modo hierarquizado. “A técnica de enfermagem grita causando constrangimento, a enfermeira atrasa o procedimento, e os médicos realizam diagnósticos excessivos, a exemplo do tal “exame de toque””***, exemplifica. Goes conta que essas experiências são aprendidas ainda na graduação: “muitas práticas consideradas como violência obstétrica já foram procedimentos ensinados aos profissionais na sua formação, como a episiotomia”, conta a enfermeira.

Violência obstétrica não é só problema de saúde. É problema social. É uma violência contra a mulher. E precisa ser debatido para prevenir incidências e garantir tratamentos e procedimentos seguros às mulheres durante a gravidez.
*Fragmento retirado do Dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres (2012), com livre tradução da autora.
** Fragmento retirado do Dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres (2012).
*** Citação retirada do texto
Foto do ensaio 1:4: Retratos da Violência Obstétrica realizado por Carla Raiter

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