Mercado Público de Porto Alegre deve ser privatizado? Entrevista especial com Milton Cruz

Vitor Necchi – IHU On-Line

A 58ª Semana de Porto Alegre, que antecede a comemoração dos 245 anos da capital gaúcha, a ser festejado no próximo domingo, 26-03-2017, coloca em evidência discussões sobre a vida na cidade e o uso e a gestão dos espaços públicos tradicionais, que estão enraizados na cultura local.

Um exemplo de espaço público “que se enraizou na memória e na identidade da cidade” é o Mercado Público, que poderá ter sua gestão privatizada, segundo já sinalizou o novo prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan (PSDB). Essa possibilidade, avalia Milton Cruz, trará consequências negativas para a cidade como um todo, ao gerar um processo de “homogeneização”, que tornará a capital gaúcha “cada vez mais parecida com qualquer outro lugar, como as cidades que têm como referências apenas os grandes equipamentos urbanos dos shoppings, aeroportos, torres de serviços e condomínios fechados”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Cruz defende um modelo de gestão chamado de Operação Urbana Consorciada. Esse modelo, explica, é fundamentado na lei nº 627/2009, que “permite, por meio de uma parceria entre o poder público e o setor privado, alternativas de financiamento para a organização do transporte coletivo, ampliação dos espaços públicos, implantação de programas habitacionais de interesse social ou mesmo a melhoria da infraestrutura e do sistema viário da região onde é realizada”, e na lei nº 630/2009, que “prevê a participação de representantes da sociedade civil, do poder público e do setor privado” na gestão.

Esse tipo de arranjo, defende, “permite o controle social da gestão” não só na prestação de contas, mas também permite um “acompanhamento permanente” das decisões a serem tomadas.

Milton Cruz é doutor e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atua como pesquisador do Observatório das Metrópoles/Núcleo Porto Alegre. Participou como pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e da Fundação de Economia e Estatística – FEE/RS. Ele também é graduado em Ciências Sociais e em Engenharia Eletrônica. No dia 22-10-2016, ele proferiu a conferência “Cais Mauá: duas visões em disputa sobre qual o projeto de cidade”, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, declarou recentemente que o Mercado Público tem “de ser tratado como um centro comercial e ser qualificado para atrair mais público”. Para tanto, pretende que a gestão ocorra de uma “forma privada”. Um prefeito deve pensar como um empresário?

Milton Cruz – Em primeiro lugar, o prefeito tem a obrigação de representar o conjunto da população que mora, trabalha e vive o que a cidade de Porto Alegre tem de bom e de melhor. Ele deve pensar como governante de uma cidade democrática e moderna que já criou as experiências do Orçamento Participativo, do Planejamento Participativo, e foi sede do Fórum Social Mundial. O Orçamento Participativo é inspiração para mais de mil cidades em todo mundo, que viram em Porto Alegre um exemplo de cidade preocupada com as desigualdades produzidas pela modernização e com o enfraquecimento das instituições representativas da democracia. O Planejamento Participativo de Porto Alegre ofereceu ao governo federal propostas que se consolidaram na elaboração do Estatuto das Cidades de 2001. E o Fórum Social Mundial inaugurou um espaço público mundial para o debate da cidade que queremos.

Todas essas iniciativas foram induzidas ou coordenadas pelo poder público ou por entidades da sociedade civil. O setor privado tem se mostrado ausente do debate da cidade que queremos e que estamos construindo, o que não é bom para a cidade que se pretende inovadora, empreendedora e moderna. Alguns exemplos dessa ausência: o Plano Diretor de 1999 (o PDDUA) prevê estratégias de desenvolvimento econômico para a cidade, seus distritos e bairros, mas os agentes econômicos, até hoje, não assumiram sua responsabilidade no desenvolvimento de planos econômicos que dinamizem esses territórios; o setor privado aceita o projeto Cais Mauá como alternativa que pretende dinamizar o Centro Histórico, utilizando-se de um grande shopping Center como âncora em um momento em que eles perderam sua capacidade de atração nas cidades norte-americanas e no qual já saturaram o comércio varejista de Porto Alegre.

O projeto Cais Mauá

O Projeto Cais Mauá não identifica nem aproveita os potenciais culturais, de infraestrutura e do comércio especializado e diversificado do Centro Histórico, nem apresenta as estratégias que devem produzir a nova centralidade urbana dessa região. Tudo que as gerações anteriores deixaram aparece como descartável. Além disso, o projeto altera radicalmente a linha de horizonte em um dos pontos que mais identifica Porto Alegre sem qualquer consulta aos moradores. Assume-se o alto risco de construir um empreendimento que certamente gerará fortes impactos no trânsito de uma região já saturada, sem fazer uma análise crítica das experiências de outras cidades que fizeram investimentos em suas regiões portuárias decadentes, como Boston (1950), Nova York (1960), Baltimore (1970), Roterdã (1980), Buenos Aires e Barcelona (1990), e Belém (2000).

Mercado Público e a identidade da cidade

O Mercado Público é um dos equipamentos urbanos que se enraizou na memória e na identidade da cidade, pois ele tem uma longa história no atendimento de um público bastante diversificado e com um perfil popular. Este não é um equipamento comercial qualquer, ele não pode ser comparado a um shopping moderno que existe em todas as cidades, ele é um diferencial que precisa ser preservado. Não devemos homogeneizar a nossa cidade tornando-a igual a todas as demais. Hoje, o que atrai o turista é o diferencial de uma cidade e de uma região. O turista vai ao Mercado Público por que ele é diferente de todos os outros centros comerciais da cidade, pela sua diversidade, pelo preço acessível, e pelo reconhecimento do atendimento dos empreendimentos ali localizados há décadas.

Penso que a modalidade de gestão deste equipamento deve reconhecer essas características e não operar a partir do modelo de shopping ou centro comercial. Os estudos mostram que o problema da gestão é estrutural no país e afeta tanto os governos como as empresas privadas, que são apontadas como gestões patrimonialistas, burocráticas e tradicionais que utilizam muito pouco as recomendações da economia e os apontamentos críticos feitos pela sociologia econômica. Os exemplos recentes de corrupção na relação do empreendedor privado com o Estado revelam o uso de instrumentos ilegais e ilegítimos que não obedecem ao pressuposto da competição entre os melhores. Esses exemplos, que não são poucos, não permitem que se afirme que existe no país uma “iniciativa” privada consolidada e capaz de assumir a livre concorrência, pois a cultura econômica e política em que ela se desenvolveu se caracteriza pelo protecionismo e o acesso privilegiado a informações e aos que tomam decisão sobre as Políticas Públicas e os investimentos. Esse ainda é um desafio que devemos enfrentar.

IHU On-Line – A administração municipal afirma que a prefeitura é incompetente para administrar o espaço. A gestão deve ser delegada à iniciativa privada?

Milton Cruz – Primeiramente, precisamos de um estudo apontando as potencialidades e os pontos de estrangulamento relacionados com a comercialização, o atendimento ao público, a acessibilidade, entre outros, para então apresentar uma proposta de gestão do Mercado Público. A melhor forma de gestão, em minha opinião, seria a da Operação Urbana Consorciada (Lei já aprovada em Porto Alegre: Lei Complementar nº 627/2009 permite, por meio de uma parceria entre o poder público e o setor privado, alternativas de financiamento para a organização do transporte coletivo, ampliação dos espaços públicos, implantação de programas habitacionais de interesse social ou mesmo a melhoria da infraestrutura e do sistema viário da região onde é realizada. Fonte: SMURB), com a aprovação da Lei Complementar nº 630/2009 (Art. 1º Fica instituída a Operação Urbana Consorciada Lomba do Pinheiro), que prevê a participação de representantes da sociedade civil, do poder público e do setor privado. Esse arranjo permite o controle social da gestão, através da prestação de contas e do acompanhamento permanente das decisões tomadas, de um equipamento urbano que diz respeito a toda a cidade. Onde o setor privado já desenvolveu competências para gerenciar um equipamento deste porte e complexidade? Essa participação estimularia o desenvolvimento de competências necessárias para a gestão da complexidade, uma das características das cidades modernas que interagem com a rede de cidades globais.

Hoje, precisamos estimular a interação entre o poder público, o setor privado, e as representações da sociedade civil com dois objetivos básicos:

1) construir capacidades de análise e tomada de decisão consistentes com a modernidade complexa e as transformações aceleradas que ameaçam o equilíbrio e a sustentabilidade da cidade;

2) qualificar a burocracia estatal, estimular o surgimento de agentes privados capacitados na gestão de obras que sejam executadas de acordo com as necessidades da sociedade urbana, e aprimorar o controle social sobre o planejamento e a organização da cidade.

IHU On-Line – A simples possibilidade de uma eventual privatização do Mercado Público é impactante, pois se trata de um patrimônio público dos mais importantes, relevantes e vinculados à dinâmica da cidade. Ao mesmo tempo, ele nitidamente padece pela má administração. Como lidar com esta situação?

Milton Cruz – Como falei anteriormente, o problema da gestão é histórico no país e atinge não apenas o setor público, mas também o setor privado, que se acostumou a fazer projetos de baixa qualidade para as Prefeituras que não criaram bons sistemas de fiscalização. Não conheço nenhum estudo que faça uma boa análise da dinâmica econômica, social e cultural que caracteriza o Centro Histórico de Porto Alegre. O estudo do EIA/RIMA do Cais Mauá deveria ter feito isso para demonstrar como os investimentos a serem feitos na Orla do Guaíba se relacionam com o comércio, os equipamentos culturais, e a diversificada infraestrutura de transporte e como eles potencializam o desenvolvimento de toda a região.

O projeto Cais Mauá apenas foi capaz de dizer o número de empregos que o shopping e as atividades a serem instaladas nas torres vão criar, e o público e os automóveis que por ali circulariam. Mas deixou de fora a análise das sinergias esperadas com as atividades que funcionam no Centro Histórico, como a Feira do Livro, os eventos culturais, o comércio de rua, e muitas outras que ali funcionam desde o tempo em que o Porto Cais Mauá era dinâmico, como é o caso do Mercado Público. Reafirmo que a melhor forma de gestão seria a da Operação Urbana Consorciada pelo envolvimento que ela permite aos atores que compartilham a cidade (governo, setor privado, e sociedade civil), pela possibilidade do controle social, e pelo desenvolvimento de uma nova capacidade entre os agentes privados na condução de projetos complexos que caracterizam a cidade moderna. Este arranjo, que obriga as três partes a dialogarem e encontrarem as melhores soluções para os problemas, criaria uma arena de debate e de formulação técnica e política de um grau superior ao que os especialistas do mercado ou das Universidades conseguem apresentar a partir de seus espaços privados. Se estabeleceria uma interação de novo tipo onde o melhor argumento e o melhor projeto, disputados em um contexto comunicativo e caracterizado pela diversidade de opiniões, assumem a prioridade, deixando-se para trás a nossa tradição do debate ideológico.

IHU On-Line – Quais seriam as implicações de uma eventual privatização do Mercado Público de Porto Alegre?

Milton Cruz – A primeira e mais negativa para uma cidade como Porto Alegre, que tem uma boa diversidade em seu comércio, patrimônio histórico e cultural, e em sua tipologia de bairros, é a homogeneização, que nos torna cada vez mais parecidos com qualquer outro lugar, como as cidades que têm como referências apenas os grandes equipamentos urbanos dos shoppings, aeroportos, torres de serviços e condomínios fechados. Hoje, a tendência das grandes cidades é a busca da diversidade econômica, social e cultural. Detroit, nos EUA, uma cidade que se modernizou a partir da indústria e dos empregos do setor automobilístico, decretou falência e sofre uma profunda decadência.

Turistas e pessoas com renda para viajar estão buscando cada vez mais lugares diferentes, que se destacam pela sua peculiaridade. Gramado e Canela são exemplos de cidades que souberam ancorar a sua administração na imagem e na tradição da cultura, principalmente dos imigrantes italianos e alemães da serra gaúcha. Muitas dessas tradições se perderam nos países de origem, que vêm ao Brasil para conhecer como viveram as gerações das sociedades tradicionais e rurais.

O Mercado Público é um diferencial aos Shoppings, mas se for administrado como se fosse um deles, perderá justamente a sua característica mais importante. Uma pesquisa qualitativa que investigue quais são as carências, permitiria desenhar um plano de gestão coerente com a história do Mercado Público e do Centro Histórico. Isso a atual gestão da Prefeitura deveria fazer imediatamente para sairmos do debate ideológico que empobrece a discussão sobre as melhores alternativas para o futuro da cidade.

IHU On-Line – Por que é cada vez mais comum que chefes do Executivo recorram à iniciativa privada para dar conta da gestão dos espaços e patrimônios públicos?

Milton Cruz – Penso que isso tem a ver com o processo global que gera mudanças na economia, na gestão governamental e na estrutura do Estado, na vida das famílias, e na percepção que os indivíduos têm da sociedade e das possibilidades de futuro. Na Europa temos o esgotamento do Estado de bem-estar social e o questionamento crescente da possibilidade de uma União Europeia; nos Estados Unidos, como na Rússia, temos a dissolução dos sonhos de uma sociedade livre com oportunidade para todos, de um lado, e da sociedade livre da exploração pelo trabalho assalariado com a instauração de uma utopia social, por outro. No Brasil, temos uma economia que se desenvolveu importando pacotes tecnológicos, dependendo dos incentivos dos governos e da regulação das relações entre o capital e o trabalho organizada pelo Estado; e cidades organizadas a partir de modelos e preferências que as elites locais buscaram em Paris, Londres, Nova York e Buenos Aires. Esses modelos de cidade foram ajustados a partir de uma concepção de sociedade que privilegia uma classe alta e média alta em termos de renda, poder político e acesso aos bens culturais.

Projetos inacabados

Os Planos Diretores e os Códigos de Posturas e de Obras foram privilegiando os estratos de maior renda (uso do automóvel, padrão exigente para as construções) e empurrando os estratos inferiores para os bairros com pouca ou sem infraestrutura (favelas, ocupações irregulares) e para as cidades-dormitório. O Estado teve, até aqui, um papel protagonista no desenvolvimento econômico e no planejamento e organização da cidade. Atualmente ele perde rapidamente essa capacidade de indutor, planejador e organizador das atividades econômicas e de gestão das cidades.

Estamos assistindo a muitas tentativas improvisadas e até desastrosas em termos de gestão e planejamento urbano. O prometido legado da Copa é um exemplo de passivos e dívidas deixadas para os governos e, principalmente, a sociedade resolver, como as obras inacabadas da Avenida Tronco, as compensações urbanísticas que os empreendedores que construíram a Arena do Grêmio deveriam ter feito, os corredores de ônibus que não implantaram terminais de passageiros compatíveis com uma cidade moderna, entre outros. O outro é a Orla do Guaíba, que permanece fechada ao público há muitos anos no Cais Mauá e aproximadamente um ano no Gasômetro. Esse tipo de gestão que fecha o acesso ao espaço público por tanto tempo desconsidera o fato de que a cidade é espaço de socialização no qual indivíduos, pais e crianças interagem em praças, parques, ruas de recreação, e na orla do rio, produzindo a percepção da cidadania urbana moderna. Essa é a maior obra que a cidade pode produzir: a percepção e o sentimento de pertencimento ao espaço urbano que produz e reproduz bens e serviços culturais, de saúde, de lazer e renda.

A crença de que os agentes privados já acumularam experiência e desenvolveram habilidades para implementar obras e fazer a gestão dos equipamentos urbanos complexos que atendem consumidores e a cidadania, que tem como característica a diversidade, não se confirma na realidade. Por isso aconselhamos a adoção da Operação Urbana Consorciada, cuja gestão prevê a participação do governo, do setor privado e da sociedade civil. Esse modelo de gestão estaria embasado nas experiências do Planejamento Participativo, testadas em Porto Alegre, que mostraram a potencialidade do planejamento e da gestão de obras com controle social, e a interação que gera aprendizado entre os funcionários do setor público e técnicos do setor privado. Essa interação promove a formação de especialistas com capacidade de abordar problemas complexos utilizando-se de metodologias que integram diferentes áreas do conhecimento.

IHU On-Line – Frente à crise financeira, Marchezan anunciou que a prefeitura vai depender cada vez mais de parcerias. Como o senhor avalia esta perspectiva?

Milton Cruz – Hoje somos reféns da falta de informações sobre a capacidade financeira, de investimentos e de gestão dos governos municipal, estadual e federal. Os pesquisadores não dispõem das condições necessárias para organizar os dados que são coletados pelos órgãos públicos e transformá-las em informações que possam produzir o conhecimento necessário para desenhar as características do Estado brasileiro, como a concentração das remunerações em poucos cargos de funcionários ativos e aposentados, a estrutura da arrecadação, e explicar a sua baixa capacidade de resolução de problemas, os gargalos da gestão, e a concentração da riqueza produzida pela economia capitalista nos empreendimentos privados em detrimento dos equipamentos urbanos e públicos.

A economia capitalista brasileira produz cada vez mais riquezas, como indicam os dados da série histórica do PIB, mas não temos o correspondente crescimento dos investimentos nas infraestruturas e serviços que uma cidade e uma cidadania modernas exigem. Dever-se-ia aumentar o volume de recursos aplicados na produção de ambiências urbanas que ofereçam mais segurança e conforto para o indivíduo que hoje acessa uma grande quantidade de informações via internet e interage via aplicativos como o WhatsApp, o que muda a sua percepção da cidade, uma percepção muito diferente daquela da cidade fordista-industrial organizada para o trabalho. As parcerias privadas precisam ser reguladas por instrumentos eficazes de controle social se não quisermos repetir erros como, por exemplo, o das empresas de telefonia que investem apenas nas regiões onde elas têm maior lucro, dos pedágios que praticam preços bem acima de outros países, das terceirizações contratadas pelos governos que oferecem obras e serviços de baixa qualidade para a sociedade.

Arranjos institucionais

Os governos precisam organizar arranjos institucionais eficazes na contratação de obras e serviços privados de modo a qualificar a relação Estado-mercado-sociedade civil em benefício do conjunto da sociedade. O modelo de contratação atual, apesar de todo o aparente controle burocrático, já mostrou seus problemas, indicando que apenas a legislação não é suficiente para se estabelecer um padrão moderno, não patrimonialista, de parceria público-privada.

IHU On-Line – O serviço público é comumente tido como ineficaz. Além disso, há uma permanente falta de recursos para dar conta de todas as demandas. Neste cenário, não se torna mais fácil propagar a lógica da privatização ou aderir ao discurso da eficiência da iniciativa privada? O que seria uma contrapartida à proposta apresentada?

Milton Cruz – As experiências de participação social nas Políticas Públicas através do Orçamento Participativo e do Planejamento Participativo em Porto Alegre mostraram duas coisas:

1) quando a participação social é incentivada através de regras decididas e conhecidas por todos (sociedade civil, agentes dos governos e agentes privados), diminuem os casos de desvio de dinheiro público e os preços das obras e serviços, e aumenta a qualidade daquilo que é contratado pelo Estado;

2) os atores da sociedade, do mercado e da burocracia estatal não conseguem mudar a lógica de funcionamento dos Conselhos e das Secretarias Municipais, herdada do Estado patrimonialista, se não for criado um processo de debate radical sobre como implantar uma burocracia profissionalizada que não opere de acordo com a pressão política dos governantes e que não seja aprisionada pela lógica corporativa.

Não existe uma empresa privada com competência comprovada na gestão de empreendimentos públicos. O setor privado também sofre com a fragmentação e com a cultura do jeitinho e dos atalhos seletivos que beneficiam uns e excluem outros. Não opera aquilo que a literatura econômica chama de livre mercado, mas sim a lógica que beneficia aqueles que estão próximos do poder e têm acesso privilegiado às informações.

IHU On-Line – A discussão em torno da revitalização do Cais Mauá, em Porto Alegre, e a falta de transparência da prefeitura em torno do assunto permitem que se pense o que acerca da gestão dos espaços públicos?

Milton Cruz – O projeto de revitalização do Cais Mauá revelou exatamente a nossa preocupante paralisia diante dos processos gerados pela globalização. Enquanto outras cidades de todo mundo encontraram saídas há muito tempo para as regiões decadentes onde se localizavam os portos, outrora um dos motores do desenvolvimento da economia capitalista, nós ainda não fomos capazes sequer de definir um modelo de gestão público-privada para uma região que é um dos cartões-postais da cidade e que compõem a sua identidade. A outra região que faz vizinhança com o Cais Mauá é o Quarto Distrito, que também sofre com o fechamento das antigas e tradicionais indústrias ali instaladas.

A cidade fordista-industrial vai desaparecendo, dando espaço para uma cidade mais voltada para serviços como os relacionados com a alta tecnologia, a saúde, a cultura e o lazer. No caso do Quarto Distrito também se pode pensar na modalidade de gestão da Operação Urbana Consorciada, pois é uma região complexa dotada de boa infraestrutura urbana e que se integra com as cidades da Região Metropolitana, do estado, do país, e do Mercosul, via aeroporto internacional, rodovias e vias expressas, metrô e via fluvial.

O Cais Mauá poderia estar funcionado há muito tempo se o modelo de ocupação da área fosse aquele que privilegia atividades econômicas, culturais e de lazer de pequeno porte e diversificadas, como as que existem no Centro Histórico, e a implantação de um projeto de mobilidade urbana multimodal que incluísse as ciclovias e as conexões para o deslocamento a pé do Centro até a Orla do Guaíba. Um projeto com essas características aumentaria a dinâmica econômica e social do Centro (aumentaria a diversidade com mais pedestres e ciclistas por ali circulando) e sua atratividade pela especificidade que a beleza da Orla do Guaíba lhe acrescentaria.

Comments (3)

  1. Morais.
    Secretário de Desenvolvimento Econômico, Município de Marizópolis, Estado da Paraíba,
    Vem respeitosamente, Solicitar de Vossa Excelência a Minuta do Porjeto de Lei ou da Lei que Privatiza o Mercado Publico.
    Atenciosamente.
    Morais

  2. Minha opinião e q ninguém esta pensando em nos os trabalhadores do mercado eu trabalho ali a4 anos nao comcordo com isso e irei fazer o impossível pra nao permitir como serão oportunidade pra o prefeito falar tem q far pra nos os funcionários também

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