Em nota, Associação de Juízes repudia política higienista de Doria na Cracolândia

No Justificando

Nesta quinta, 25, a Associação Juízes para a Democracia (AJD), emitiu uma nota pública em repúdio às últimas ações do atual prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), na Cracolândia.

A ação de Doria tem causado uma série de repúdios e reações contrárias. Na noite desta quarta-feira, 24, a Secretária Municipal de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra, pediu exoneração do cargo após caracterizar como “desastrosa” a atuação do prefeito.

No mesmo dia, a Defensoria Pública de SP obteve uma decisão judicial liminar que proibiu a continuidade das remoções compulsórias de pessoas e da interdição e demolição de edificações com habitantes pela Prefeitura de São Paulo na região da Cracolândia.

Para a AJD, as operações que têm sido realizadas na Cracolândia são “manifestamente voltadas à criminalização da pobreza, invisibilização de oprimidos e descarte de indesejáveis”. Em declaração, João Doria afirmou que tais ações na região têm o objetivo de revitalizar a área, a Associação de Juiz considera que “é inconcebível que interesses econômicos de construtoras e seguradoras, as quais vêm adquirindo terrenos e imóveis na região a preços baixos para, mais tarde, lucrarem com a “limpeza” do local, se sobreponham à dignidade das pessoas que ali habitam”. 

“A Cracolândia é território itinerante, sendo certo que a mera expulsão do espaço público que sua população ocupa não faz com que desapareça, mas apenas a dispersa para outros locais. A questão, portanto, envolve drásticas e profundas alterações na estruturas sócio-políticas do Brasil, e não soluções rasas e midiáticas, reconhecidamente ineficazes” – concluiu a nota.

Confira a nota na íntegra:

Nota pública de repúdio à política higienista e de extermínio ocorrida na cracolândia

A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, vem, diante das notícias da ação policial em face de dependentes químicos e pessoas em situação de rua na região conhecida como “Cracolândia”, manifestar-se nos seguintes termos:

1. No último dia 21 de maio, as gestões da Prefeitura de São Paulo e do Governo do Estado de São Paulo, por meio de força-tarefa conjunta, deram início a uma ostensiva operação policial na Cracolândia, região central da cidade. A ação, segundo declarações do prefeito João Doria, é parte integrante do Projeto Redenção, o qual teria por objetivo erradicar o tráfico de drogas na região, além de reurbanizar a área e fornecer tratamento a psicodependentes.

2. Todavia, conforme amplamente veiculado pelos diversos meios de comunicação, a operação tem se revelado verdadeira caçada aos usuários e pessoas em situação de rua que ali se encontram, parcela da população extremamente vulnerável e marginalizada, alvo de bombas de gás lacrimogênio, balas de borracha e cães farejadores, em manifesta afronta à dignidade humana e à liberdade de locomoção. A título de ilustração, três pessoas ficaram feridas após a demolição de um prédio sem aviso prévio de esvaziamento.

3. A fracassada guerra às drogas, responsável pelo genocídio da juventude – em especial a parcela pobre e negra – e pelo aumento exponencial da população carcerária, é agora utilizada como pretexto para a expulsão violenta e midiática de usuários da região, encarados como “caso de polícia”, ignorando-se a urgente necessidade de implementação de programas sociais e de fortalecimento da rede de saúde pública sob um viés antimanicomial. Além disso, o ato de dispersar dependentes reflete inequívoca política higienista, que tem por fim descartar ou manter distantes os chamados “indesejados”, mascarando a trágica realidade social em que estamos inseridos, pautada na exclusão e na invisibilidade dos oprimidos.

4. Preocupam, ainda, os escusos interesses financeiros camuflados pelo Projeto Redenção, já que a ação visa, dentre outros objetivos, a revitalização da área, o que inegavelmente redunda na facilitação de especulação imobiliária. Assim, é inconcebível que interesses econômicos de construtoras e seguradoras, as quais vêm adquirindo terrenos e imóveis na região a preços baixos para, mais tarde, lucrarem com a “limpeza” do local, se sobreponham à dignidade das pessoas que ali habitam, vítimas de um Estado absolutamente apático e omisso, mas extremamente eficiente no desempenho de sua tarefa repressora.

5. Salienta-se que a Cracolândia é território itinerante, sendo certo que a mera expulsão do espaço público que sua população ocupa não faz com que desapareça, mas apenas a dispersa para outros locais. A questão, portanto, envolve drásticas e profundas alterações na estruturas sócio-políticas do Brasil, e não soluções rasas e midiáticas, reconhecidamente ineficazes.

Assim, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) manifesta absoluto REPÚDIO a toda e qualquer ação policial em face dos moradores – usuários patológicos de drogas ilícitas ou não – da região conhecida como Cracolândia, eis que manifestamente voltada à criminalização da pobreza, invisibilização de oprimidos e descarte de indesejáveis. Ressaltamos, por fim, a importância da implementação de políticas públicas voltadas à saúde e acolhimento dessa parcela vulnerável da população, sendo certo que o reforço de sua autonomia, em detrimento de um modelo terapêutico e policialesco, é o caminho mais salutar para se lidar com a situação.

Foto: Eduardo Ogata/SECOM

Comments (1)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

13 − eleven =