‘Enquanto não houver igualdade para o negro, a democracia racial será um mito’

Durante lançamento de uma reedição de textos do pensador brasileiro Florestan Fernandes, pesquisadores e ativistas do movimento negro reafirmaram a importância e atualidade de sua obra

por Redação RBA

São Paulo – “Florestan Fernandes pensou na abolição da escravidão inconclusa. Ele questionava, criticava. Sua obra nos convida a pensar o mito da democracia racial”, afirma Weber Lopes, doutorando que estuda o movimento negro na Universidade Federal do ABC (UFABC). O acadêmico esteve presente no debate de lançamento da reedição do livro Significado do Protesto Negro, de Florestan Fernandes, sociólogo e político brasileiro falecido em 1995. A presente edição conta com adições à original, de 1989, e é organizada e publicada por uma parceria entre Fundação Perseu Abramo (FPA) e Editora Expressão Popular.

“Conheci Florestan quando me aproximava do movimento negro, em 1977, em plena ditadura militar. Os primeiros textos que li foram xerox distribuídas pelo pessoal da Universidade de São Paulo (USP). Ele tinha uma grande relação com o movimento negro e era considerado subversivo pela ditadura, pela mesma direita conservadora que agora mostra novamente sua cara”, afirmou Flávio Jorge Rodrigues da Silva, membro do Conselho Curador da FPA e da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen).

Também esteve presente o jornalista Florestan Fernandes Júnior, filho do pensador, e a coordenadora do Núcleo de Consciência Negra da USP, Maria José Menezes, a Zezé. Com mais de 50 obras publicadas, Florestan construiu vasta carreira na academia das Ciências Sociais, lecionando em instituições como a Universidade de Toronto, no Canadá, em Colúmbia, nos Estados Unidos e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Como político, Florestan foi deputado federal pelo PT e participou da Constituinte, sendo um dos signatários da Carta de 1988.

“Florestan era um lutador, socialista, intelectual e militante. Ele não foi um parceiro da luta contra o racismo, e sim um militante. Sempre digo que a Constituição de 1988, que hoje está sendo destruída pelos golpistas, tem o pensamento, o dedo e a voz dele. Neste livro, que está sendo lançado, tem uma emenda que ele mandou para a Constituinte, chamada Dos Negros. Se vocês lerem, existe um projeto de reparação da população negra”, afirmou Flávio.

Segundo ele, estão presentes neste livro “dois textos publicados na primeira vez que o PT discutiu a questão. São eles: O Negro e a Democracia e Luta de Raça e de Classe. Também tem um outro texto chamado A Classe Média e os Mulatos, onde trata de negros que não pensam como negros, uma leitura do ponto de vista do conservadorismo”.

Por fim, o ativista exaltou a relevância do trabalho de Florestan. “Esses textos são atualíssimos, especialmente no debate que a esquerda está deixando de lado, que é a relação de raça e classe em um projeto de transformação para a sociedade. Isso é real, a ênfase atual é muito focada na questão de classe, mas em um país com 54% da população descendente de escravos e onde existe um forte racismo, não existe projeto nenhum sem levar isso em consideração.”

A acadêmica da USP Zezé reafirmou a importância do debate dentro da sociedade contemporânea brasileira. “O Estado brasileiro sempre foi racista e repressor. E a obra de Florestan é muito atual porque ele questiona a ausência dos negros em estruturas de poder. Ele coloca o dedo na ferida e mostra que a manutenção dos privilégios das elites depende de barrar a democracia racial. Isso funciona até hoje”, disse.

Para Zezé, o cenário político atual reforça a importância da obra. “Avançamos em alguns aspectos, mas tudo que construímos está sendo destruído”, disse em relação à agenda tocada pelo presidente Michel Temer (PMDB), que inclui as reformas trabalhista e da Previdência. “Estamos perdendo a possibilidade de nos aposentar, visto que a expectativa de vida do negro é inferior em dez anos. Isso, porque temos os piores indicadores sociais na área da saúde. Temos as piores escolas nas periferias. Em São Paulo, veja, o governo do PSDB tira recursos da educação para investir em prisões. O governo do PSDB mata e aprisiona os negros e negras”, completou.

Já Florestan Fernandes Júnior apresentou uma expectativa de enfrentamento entre elites e as camadas populares, como inevitável para mudar o cenário problemático que persiste ao longo dos anos. “Não estou pessimista, porque acho que a liberdade nem sempre se faz na paz… Precisaremos de muita luta e organização. O golpe que tirou a presidenta Dilma Rousseff (PT) veio porque eles perceberam que o poder estava fugindo da mão deles”, disse.

Por fim, ele leu um trecho do livro, de autoria de seu pai. “Como socialista, como militante de movimento social, como sociólogo e professor, coloquei-me na vanguarda dos que combatiam na questão do negro, que não é apenas social, é racial, a pior herança da sociedade de castas. Ela trouxe para o presente todas as formas de repressão neste país. Enquanto não houver liberdade com igualdade para o negro, a ideia da democracia racial é um mito. Por isso devemos repelir esse racismo que indica que vivemos em uma sociedade hipócrita e autocrática. Tenho vergonha e vou lutar com vigor. Prefiro participar da fraternidade dos irmãos negros e lutar por igualdade como objetivo universal.”

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