Quilombo de Barra do Parateca é vitorioso em ação judicial que questiona a constitucionalidade do Decreto nº 4.887/03

Na Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais – AATR/Bahia

Foi publicada em 30/06/17 no Diário Oficial da Justiça, sentença proferida pela Subseção Judiciária da Justiça Federal do Município de Guanambi–BA, julgando improcedente Ação Ordinária nº 0001992-17.2008.4.01.3309, movida por diversos fazendeiros da região contra a União, o INCRA, a Fundação Cultural Palmares e a Associação Agro-Pastoril Quilombola de Barra do Parateca, na qual se pede a declaração da inconstitucionalidade incidental do Decreto Federal n° 4.887/03 quanto aos imóveis dos autores da ação, bem como a nulidade do Processo Administrativo e respectiva Portaria da Fundação Cultural Palmares que certifica o auto reconhecimento da Comunidade de Barra do Parateca enquanto quilombola.

Embora certificada como remanescente de quilombo desde o ano de 2005 pela Fundação Cultural Palmares, a comunidade só obteve a publicação oficial do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID (peça fundamental para determinar os limites do território tradicional a ser demarcado e titulado em seu favor) em 20/05/2015. Neste meio tempo, mais de uma dezena de ações judiciais foram interpostas por este mesmo grupo de fazendeiros contra os quilombolas, algumas delas já sentenciadas, determinando a reintegração de posse de áreas identificadas pelos estudos antropológico e agronômico do RTID como parte do território tradicional quilombola.

As sentenças contrárias ao quilombo, objeto de recursos pela assessoria jurídica da AATR no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), ignoram inclusive o fato das fazendas grilarem terras da União às margens do Rio São Francisco, mesmo depois de declaradas de interesse do serviço público pela Secretaria do Patrimônio da União – SPU e destinadas legalmente para o uso sustentável pela Comunidade Quilombola de Barra do Parateca. Estes terrenos marginais, depois de sua incorporação ao patrimônio da União, foram registrados no Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Carinhanha, município do Oeste baiano que abrange o território da comunidade.

O Juiz Federal Filipe Aquino Pessoa de Oliveira, na recém-publicada sentença da Ação Ordinária, reitera os argumentos da negativa ao pedido de tutela antecipada com base na jurisprudência dos TRFs da 1ª e 4ª Região, os quais não reconheceram a tese de que houve exorbitância do poder regulamentar do Executivo na edição do Decreto nº 4.887/03.
O magistrado reconheceu, portanto, que o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal é autoaplicável, enquanto norma definidora de direitos e garantias fundamentais, e na medida em que não há previsão expressa constitucional da necessidade de edição de lei pelo Congresso Nacional para sua regulamentação.

Consta ainda na sentença que, caso houvesse necessidade de legislação prévia, tal situação seria perfeitamente sanada pela promulgação da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre os Povos Indígenas e Tribais, o que daria fundamento de validade ao Decreto, uma vez que não destoa dos seus parâmetros fundamentais quanto ao reconhecimento dos direitos identitários, culturais e territoriais quilombolas.

A juntada do Relatório Antropológico contido no RTID pela Associação Quilombola foi fundamental para consolidar o entendimento do Juiz no sentido de “não ser atribuição do Poder Judiciário definir a identidade cultural de indivíduos ou grupamentos humanos quaisquer”. Rejeitou, assim, a tese de que não haveria motivo de fato ou direito para a abertura do processo administrativo que certificou a identidade quilombola da Comunidade de Barra do Parateca.

A divulgação oficial da sentença coincide com a notícia da retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 3239) proposta pelo Partido Democratas (antigo Partido da Frente Liberal – PFL) que discute a constitucionalidade do Decreto nº 4.887/03 no Supremo Tribunal Federal. A Ministra Carmem Lúcia, Presidenta do STF, anunciou que o julgamento deve acontecer no dia 16/08/17.

Embora existam decisões em 1ª e 2ª instância que garantam alguma tranquilidade às comunidades enquanto se arrastam os procedimentos administrativos para a titulação de seus territórios, o julgamento segue empatado no Supremo com 1 voto contrário e 1 voto a favor da constitucionalidade do Decreto.

Há expectativa de uma grande mobilização de quilombolas e entidades de apoio na data prevista para o julgamento, na tentativa de garantir mais uma vitória contra o racismo e em favor da reparação histórica do povo negro, fortalecendo a sua identidade, cultura e concretizando a titulação das terras que tradicionalmente ocupam, direito que sistematicamente lhes vêm sendo negado pelo Estado brasileiro.

Imagem: Reprodução da página da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais – AATR/Bahia.

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