Proposta de Temer para aposentadoria de pobres tem requintes de crueldade, por Leonardo Sakamoto

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O governo federal tem se esforçado para propagandear que a Reforma da Previdência não atingirá os mais pobres, atuando apenas para cortar privilégios dos mais ricos.

Mesmo que limites estejam sendo impostos aos trabalhadores do setor privado que se aposentam cedo demais, a proposta em trâmite vai sim ser um pesado golpe naqueles que dependem do Estado para um velhice com dignidade.

Por exemplo, o poder público quer exigir as mesmas regras duras para a aposentadoria de uma mulher assalariada rural pobre que vive em uma cidade no interior do Nordeste e um homem advogado pós-graduado que trabalha com estabilidade em um repartição pública federal em Brasília.

Não raro, membros da administração pública afirmam que os muito pobres no Brasil nem consegue se aposentar e, portanto, a Reforma da Previdência Social não diz respeito a ele. Mas a reforma o afeta sim. Além disso, apenas quem vive em uma redoma de modelos matemáticos acredita que uma família que recebe dois salários mínimos por mês não é muito pobre num país com baixa qualidade ou inexistência de serviços públicos.

Exigir 25 anos de contribuição ininterrupta para trabalhadores assalariados urbanos e rurais como o mínimo de tempo de contribuição para alguém poder se aposentar é ignorar a realidade brasileira. Isso equivale ao pagamento de 300 parcelas mensais. Dados da própria Previdência mostram que 80% dos trabalhadores, hoje, não chegam a 25 anos de contribuição.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) afirma que, em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano. Os motivos são a alta rotatividade do mercado de trabalho e a grande informalidade. Ou seja, para cumprir 15 anos de contribuição, considerando essa média de nove meses de contribuição a cada 12, uma pessoa precisa, na prática, de 19,8 anos para se aposentar. Considerando 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo terá que ser de 33 anos.

Teremos pessoas que contribuirão, mas não se aposentarão, se aprovadas as novas idades mínimas de 65 e 62 anos, para homens e mulheres respectivamente. Com ”sorte”, acabarão caindo na fila da assistência social para idosos mais pobres – o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Benefício que, exatamente por conta disso, está subindo a idade mínima de 65 para 68 anos (proposta do relator da reforma) ou 70 anos (proposta do governo federal), a fim de dificultar o seu acesso pela massa de idosos que o procurarão. Quem está na categoria de pobreza extrema, que o governo diz que não será punido, terá sim que esperar mais tempo.

Além do mais, como o acesso ao BPC é para famílias com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, nem todos os idosos pobres terão acesso a ele. Só aqueles que são considerados matematicamente pobres ou extremamente pobres por padrões internacionais. Os outros, que não entrarem no corte, vão ficar no limbo – sem receber o benefício, mas sem conseguir se aposentar. Ou ver sua qualidade de vida reduzida para se tornar elegível.

Ao mesmo tempo, o relator da reforma na Câmara dos Deputados, Arthur Maia (PPS-BA), informou que a idade mínima para trabalhadores rurais da economia familiar poderem se aposentar permanece igual para homens (60 anos) e sobe para mulheres (de 55 para 57 anos). Isso é menos que a proposta do governo de 65 para ambos os gêneros. Também reduziu a proposta de Temer de um mínimo de contribuição obrigatória de 25 anos para 15.

Mas 15 anos de contribuição não são os 15 anos de comprovação de trabalho, como funciona hoje. Pequenos produtores familiares, coletoras de babaçu, pescadores artesanais, entre outros, terão que pagar individualmente 180 parcelas mensais de um carnê com uma contribuição que, por enquanto, estima-se ser igual ao do microempresarial individual (5% do salário mínimo). Hoje, eles recolhem 2,1% de imposto no momento da venda de sua produção – que pode ser anual, por conta da safra. Ou seja, há quem também não conseguirá se aposentar porque não poderá pagar o carnê.

Será difícil o governo Michel Temer (ou um futuro governo Rodrigo Maia) juntar 308 votos necessários para aprovar a emenda constitucional da Reforma da Previdência no plenário da Câmara dos Deputados com o tamanho da insatisfação da população sobre o tema, as denúncias de corrupção que pairam sobre governo e aliados e o calendário eleitoral que vem a galope. Mas se quiser insistir em seu projeto de Reforma da Previdência deveria levar em conta três possibilidades produzidas com entrevistas com especialistas que este blog vem ouvindo sobre o tema:

Proposta 1: O Congresso Nacional deveria manter a necessidade de um mínimo de 15 anos de contribuições mensais para os trabalhadores que têm direito a pensões de até dois salários mínimos. Ou uma contribuição mínima de 18 anos desde que os períodos de recebimento de seguro-desemprego sejam contados mesmo sem contribuição. Isso vai beneficiar os mais pobres, ou seja operários da construção civil, trabalhadores da economia informal que contribuem por conta própria e cortadores de cana assalariados, por exemplo.

Como os ministros do Supremo Tribunal Federal já votaram de forma contrária ao entendimento de que um aposentado volte a contribuir para pleitear um aumento em seu rendimento, isso afastaria os trabalhadores da classe média que seguiriam contribuindo para ter uma pensão maior.

Proposta 2: Manter as idades atuais (60 anos para homens e 55 para mulheres) para a aposentadoria de trabalhadores rurais da economia familiar, com 15 anos de comprovação de atividade, como é hoje, e não com 15 anos de contribuição – como quer o relator.

Para melhorar a conta neste setor, o governo deveria aprimorar o processo de arrecadação através do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIC) para a área rural. Isso permitiria identificar quem são os segurados na área rural e demandar que eles informem sistematicamente os dados de venda de seus produtos, quando elas acontecerem. Dessa forma, evita-se fraude (como o recebimento do benefício por pessoas que não são do campo) e sonegação (na contribuição).

A aposentadoria especial rural, concedida no valor de apenas um salário mínimo, seguiria bem deficitária, claro, se considerada apenas a arrecadação da Previdência Social e não da Seguridade Social como um todo. Mas é um preço pequeno a pagar diante da possibilidade de evitar mais êxodo rural e mais inchaço das grandes cidades e garantir soberania alimentar – uma vez que a agricultura familiar fornece boa parte dos alimentos que consumimos. Ao mesmo tempo, essa aposentadoria era o maior programa brasileiro de distribuição de renda até a chegada do Bolsa Família.

Proposta 3: Manter a idade mínima para solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos pobres em 65 anos. A expectativa de vida no Brasil aumentou e tende continuar aumentando, bem como os índices de sobrevida após os 65 anos. Mas segue difícil para os mais pobres com essa idade ou mais conseguirem um emprego ou mesmo um bico decente.

Durante todo o momento o governo diz que a Reforma da Previdência irá cortar os privilégios dos mais ricos, o que não é verdade. Há categorias de servidores públicos que ganham mais e continuarão assim pela efeitividade de seu lobby. Outros servidores tiveram sua aposentadoria reformada em 2013, mas os efeitos serão sentidos em duas décadas – porque mexe com novos concursados e não com os da ativa. Mas dizer que quem ganha o teto (R$ 5.531,31) é rico fazer troça com a cara da classe média.

Se o objetivo do governo não fosse ser um Robin Hood às avessas, tirando dos pobres para manter privilégios dos ricos, deveria voltar a taxar lucros e dividendos, reduzir os subsídios empresariais amigos, criar alíquota mais altas do imposto de renda para quem ganha muito mais, melhorar a taxação sobre grandes heranças, pensar em como morder grandes fortunas. Mas não é esse o objetivo.

A reforma continua precisando de um debate mais aberto, franco e sem pressa para podermos redesenhar, de forma democrática, como será a política de aposentadoria que um Brasil mais velho deverá ter. Por exemplo, apenas as categorias de servidores públicos com poder de pressão estão conseguindo manter regimes diferenciados. Essas sugestões mostram que o argumento do governo (que a reforma não atinge os mais pobres), para fazer sentido, deveria vir com medidas com os pés na realidade.

A verdade é que muita gente, de todos os lados da questão, está querendo ganhar a disputa no grito, falando em nome dos mais pobres. Quando eles, na verdade, seguem entendo que seu país explora seu trabalho na juventude (e ainda mais quando os efeitos da Lei da Terceirização Ampla e da Reforma Trabalhista se fizerem sentir) e os abandona na velhice.

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