Dom Roque Paloschi: Brasil tenta desfazer as proteções aos povos indígenas

Por Mary Durran, publicada por Catholic News Service. Tradução de Luísa Flores Somavilla – Cimi

Desde que o presidente do Brasil, Michel Temer, assumiu o cargo em 31 de agosto, ele se cercou de ministros com fortes vínculos com os pecuaristas e agricultores de soja, que se opõem às medidas tomadas pelos governos anteriores para implementar a demarcação de terras indígenas. Em 13 de julho, a organização não governamental Global Witness, com sede nos EUA, divulgou um relatório citando o Brasil como o país com maior número de assassinatos de ambientalistas e defensores da terra em 2016.

As proteções constitucionais aos povos indígenas estão sendo reduzidas pelo governo brasileiro, disse o presidente da comissão episcopal sobre os povos indígenas ao Catholic News Service, durante uma viagem no Canadá.

“Na década de 80, ajudamos a redigir os artigos da constituição de 1988 que reconheciam a cultura dos povos indígenas e estabeleciam a proteção de suas terras por demarcação”, disse o arcebispo Roque Paloschi, de Porto Velho. “Hoje, estamos lutando para manter essas proteções em vigor”. Paloschi é presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

O CIMI foi formado em 1975 – durante a ditadura militar do Brasil, que terminou em 1985 – para acompanhar os povos indígenas do país, que sofreram uma redução de 500 milhões na época da colonização pelos portugueses para menos de um milhão, pertencentes a 240 grupos étnicos diferentes.

Paloschi falou em Montreal, um mês depois de especialistas internacionais terem advertido que os povos indígenas brasileiros estão sendo atacados e que eles precisam de proteção reforçada, ao invés da redução das medidas de proteção.

Três especialistas da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apontaram em uma declaração, em junho, que nos últimos 15 anos o Brasil teve “o maior número de assassinatos de ambientalistas e defensores da terra do mundo”, com uma média de um por semana. Muitos desses defensores são indígenas que vivem da terra.

Em 13 de julho, a organização não governamental Global Witness, com sede nos EUA, divulgou um relatório citando o Brasil como o país com o maior número de assassinatos de ambientalistas e defensores da terra em 2016; 49 desses ativistas, incluindo indígenas, foram mortos no Brasil.

“Estamos vivendo como se estivéssemos em uma ditadura militar”, disse Paloschi. “Líderes e povos inteiros estão sendo criminalizados.”

Desde que o presidente do Brasil, Michel Temer, assumiu o cargo em 31 de agosto, ele se cercou de ministros com fortes vínculos com os pecuaristas e agricultores de soja, que se opõem às medidas tomadas pelos governos anteriores para implementar a demarcação de terras indígenas.

Paloschi disse que, apesar dos esforços do CIMI, apenas 50% das terras envolvidas receberam os títulos legais. Ele disse que mesmo as terras atribuídas legalmente aos povos indígenas são muitas vezes invadidas por madeireiros e empresas de mineração.

O governo Temer criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito que pressionou para reduzir proteções ambientais e indígenas e propôs emendas constitucionais que enfraqueceriam a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Outro projeto polêmico propõe que a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas seja retirada da FUNAI, do Ministério da Justiça e do presidente do congresso brasileiro, cuja maioria está vinculada ao grupo de proprietários de terras e pecuaristas que se opõem aos direitos de propriedade indígena. A proposta obrigaria todas as demarcações de terras já aprovadas a serem ratificadas pelo Congresso.

Paloschi disse que a retórica da comissão, que acusou a ONU de promover a agenda de grupos de ativistas internacionais, parece ter colocado lenha na fogueira do racismo encoberto de muitos brasileiros não indígenas. Aumentaram os impasses violentos entre agricultores e grupos indígenas na tentativa de reivindicar terras. Em maio, 13 índios Gamela que estavam ocupando territórios tiveram que ser hospitalizados após serem atacados por fazendeiros armados com facões no estado do Maranhão. Uma das vítimas teve as mãos decepadas e os joelhos cortados.

“Eles são os mais pobres dos pobres, mas são desprezados e sofrem constante preconceito e racismo”, disse Paloschi sobre os povos indígenas. “Sem sua terra, eles não são nada”.

O CIMI, cujos 250 missionários trabalham com esses grupos indígenas em todo o Brasil, foi acusado de incentivar as ocupações de terra e causar confusão, acusação negada por Paloschi.

“O papel do CIMI é acompanhar os povos indígenas, incentivá-los a assumir a própria vida e apoiá-los a crescer. Não podemos fazer isso por eles”, afirmou.

O arcebispo disse que está triste com a colusão histórica da Igreja com os colonizadores portugueses, que tentaram tutelar os povos indígenas e torná-los dependentes.

Mas ele disse que vê sinais de esperança.

“Existe um processo contínuo de diálogo e algumas mudanças visíveis no reconhecimento do valor das línguas e culturas indígenas.

Mas quanto mais avançamos, maior é o caminho a ser percorrido”, disse ele.

Ele diz ser incentivado pelo Papa Francisco, cujos papado e compromisso com os povos das Américas ele considera uma bênção.

Paloschi disse que o papa confidenciou ao cardeal brasileiro Claudio Hummes que está pensando em realizar um sínodo na Amazônia, lar das terras ancestrais da grande maioria dos povos indígenas do Brasil. Atualmente, o papa está refletindo e rezando pelo discernimento a respeito da organização de tal sínodo, disse o arcebispo.

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