O aumento da sífilis, mas ela sempre esteve entre nós

Emanuelle Goes para o Cientistas Feministas

A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) que vem aumentando no Brasil nos últimos 10 anos, principalmente a sífilis em gestantes e a sífilis congênita, e isso tem chamado a atenção considerando que é um agravo que tem cura com tratamento de baixo custo.

Já identificando o aumento deste agravo, no ano de 2005, o Ministério da Saúde criou o Plano de Controle à Sífilis Congênita  que visava contribuir para a implementação do diagnóstico e tratamento imediato dos casos de sífilis materna e congênita, e da vigilância epidemiológica,  para que de modo geral o Brasil pudesse , em breve espaço de tempo, reduzir os casos de transmissão vertical da sífilis, como tem feito com outros agravos, principalmente o HIV (Diretrizes para o Controle da Sífilis Congênita, 2005).

No mesmo ano o Ministério da Saúde passou a considerar a sífilis na gestação uma infecção sexualmente transmissível de notificação compulsória justificado por conta da sua elevada taxa de prevalência e elevada taxa de transmissão vertical que varia de 30 a 100% sem o tratamento ou com tratamento inadequado (Informe Técnico Institucional, Cadernos de Saúde Pública, 2008).

O que estaria causando o aumento do agravo? Pela perspectiva da epidemiologia social, a hipótese para o aumento da transmissão e infecção podem ser multicausais, ou seja, vários fatores associados podem estar mutuamente contribuindo para o aumento e permanência da doença.

  1. A falta da implementação em todas as esferas (municípios, estados, federal) da política de atenção integral à saúde da Mulher (PNAISM) criada em 2004;
  2. A baixa adesão do sexo protegido e a diminuição do uso de preservativos. Segundo a pesquisa do IBGE (2013) no Brasil cerca de 40% das mulheres em idade reprodutiva referem utilizar a camisinha em suas relações. Na pesquisa Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado, realizada em 2010, sobre as razões de não ter usado a camisinha nas relações sexuais, a confiança no parceiro foi a mais citada, 32% entre as mulheres e 35% entre os homens;
  3. Falta de acesso ao pré-natal ou um pré-natal inadequado;
  4. Ausência da penicilina nas farmácias básicas de saúde por conta do mercado da indústria farmacêutica (A nova cara da sífilis);
  5. A proibição da aplicação do medicamento (penicilina) em locais que não estivessem equipados para evitar um choque anafilático (até 2015) unidades básicas de saúde, por exemplo;
  6. A falta de adesão dos parceiros ao tratamento e;
  7. A falta de uma agenda mais incisiva e prioritária às populações vulneráveis considerando as iniquidades sociais, raciais e de gênero.

Logo em seguida apresento dados relacionados à sífilis congênita e na gestação

A série histórica (Figura 1) apresenta que a partir de 2007 começa a ser identificado o aumento dos casos em gestantes e em menores de 1 ano, por esse motivo que se torna obrigatório a informação dos casos de sífilis na gestação.

Quando observamos a raça/cor e a região identificamos que as mulheres pretas do são as tiveram mais casos confirmados do agravo em todas as regiões.  Os atravessamentos regionais e de raça também estão presente no crescimento da sífilis no País (Tabela 1). Os dados evidenciam mais um agravo que atinge mais severamente as mulheres negras.

O que pode ser dito com essa informação sobre realização do pré-natal é que estamos distante de cumprir o que o Sistema Único de Saúde preconiza, da mesma forma a Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que todas as gestantes têm direito a atenção integral e equânime na atenção ao pré-natal, parto, aborto e puerpério (Tabela 2).

Pois, é no momento do pré-natal que oferta-se dentre uma gama de exames obrigatórios, o VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) dentro do protocolo de atendimento ao pré-natal o teste deverá ser oferecido na primeira consulta de pré-natal para todas as gestantes, no primeiro trimestre de gravidez e no início do terceiro trimestre.

Observa-se a baixa participação dos homens na adesão ao tratamento, menos de 13%, revelam os dados. A participação dos homens no percurso da saúde sexual e reprodutiva do casal ainda parece distante na sociedade, visto que as questões reprodutivas ainda ficam sob a responsabilidade das mulheres, apoiadas pelo imaginário social de que a reprodução é uma atribuição unicamente delas (Tabela 3).

Mesmo com o aumento das infecções sexualmente transmissíveis (IST’s) nos diversos grupos populacionais, questões como essas em uma relação estável, principalmente, são consideradas intocáveis, quase “tabu”, pois é mexer com o campo afetivo-sexual dos casais em torno principalmente da fidelidade, pois é em torno disso que se discute o uso ou não da camisinha, restringindo a autonomia das mulheres na tomada de decisão pelo sexo seguro.

Uma coisa é certa, a sífilis sempre esteve presente na nossa sociedade, desde as grandes navegações e explorações de territórios e povos. Na década de 30 nos Estados Unidos da América a população negra, principalmente os homens negros, eram utilizados como cobaias para experimentos sobre a doença e suas manifestações, no sentido de descobrir a cura. “O tratamento da sífilis, era negado para centenas de homens negros no Alabama para que os médicos pudessem seguir as consequências da doença e, mais tarde, dissecar seus corpos.” (Medical Apartheid, 2007), mas isso dá pano pra manga para outro artigo.

Nos dias atuais o que observamos o ressurgimento das IST’s e de forma mais potente muito provavelmente por conta da reinfecção e do uso sem controle dos antibióticos (Gonorreia, sífilis e clamídia resistentes: não dá pra relaxar). Para além disso, temos populações que estão mais expostas a sífilis e outros tipos de IST’s, pessoas que vivem em total ausência de direitos como as populações em situação de rua, pessoas em uso abusivo de drogas e populações privadas de liberdade, que em sua maioria são negras e pobres.

Referencias
BRASIL. Secretaria de Estado da Saúde SES-SP. Serviço de Vigilância Epidemiológica; Coordenação do Programa Estadual DST/Aids-SP; Coordenadoria de Controle de Doenças CCD. Sífilis congênita e sífilis na gestação. Rev Saúde Pública, v.42, n. 4, p. 768-72, 2008.
DINIZ, S. G. Direitos sexuais, direitos reprodutivos. In: Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado: uma década de mudanças na opinião pública. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013.
HARRIET A. WASHINGTON. Medical apartheid: The dark history of medical experimentation on black americans from colonial times to the present. 2007.

Foto: Material de Campanha Ministério da Saúde

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

2 + 14 =