MPF/RJ: Justiça Federal conclui desapropriação em favor do Quilombo São José da Serra

Sentença determinou a outorga de título coletivo à comunidade; decisão mostra a importância do Decreto nº 4.887/2003 para a efetivação dos direitos das comunidades quilombolas

Procuradoria da República no Rio de Janeiro

A Justiça Federal em Barra do Pirai (RJ) concluiu processo de desapropriação de uma área de 159 hectares em favor da comunidade do quilombo São José da Serra, em Valença (RJ). Foi outorgado o título coletivo e pró-indiviso do imóvel, gravando-se o bem com as cláusulas de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade, fixando-se, em consequência, o valor R$ 125 mil, ofertado pelo Incra.

A sentença foi proferida em ação de desapropriação (Processo nº 0001020-17.2011.4.02.5119) proposta pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contra a empresa Agropastoril São José da Serra, que tramita na Justiça Federal de Barra do Piraí desde 2011.

O Quilombo São José da Serra é formado por descendentes de escravos que vieram do Congo, da Guiné e principalmente de Angola e moravam nas terras da Fazenda São José da Serra. É o mais antigo quilombo do Estado do Rio, formado por volta de 1850.

Para o procurador da República Julio José Araujo Junior, que acompanha o caso, a decisão mostra a importância do Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação e demarcação de terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos. “Graças ao trâmite administrativo previsto no decreto foi possível efetivar o direito das comunidades e superar a situação de vulnerabilidade em que os quilombolas estavam”. Está previsto para o próximo dia 16 o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade do decreto no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em nota técnica, elaborada pelo Grupo de Trabalho Quilombos, o MPF reforça o caráter constitucional do decreto ao enfatizar que a demarcação de titulação de terras quilombolas é assegurada pelo artigo 88 dos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – norma constitucional que garante a harmonia da transição da Constituição de 1969 para o regime da Carta de 1988 – com previsão para titulação de terras ocupadas por comunidades remanescentes dos quilombos.

História de luta pela terra – Em 2015, após atuação do MPF/RJ em processo de desapropriação, a Justiça já havia decidido pela imissão provisória na posse da área. “A partir de agora, esta placa (de proibição de entrada na área sem autorização) não existe mais. Aqui é área livre, é área de quilombo”. Com essas palavras, Toninho Canecão, liderança da comunidade quilombola, celebrou a decisão judicial.

Em manifestação de agosto de 2014, o procurador da República Julio José Araujo Junior sustentou a necessidade de concretização da imissão provisória na posse, por já haver decisão do TRF sobre o tema. Além disso, destacou que o processo deve se limitar a discutir o valor da indenização, devendo ser garantida, desde já, a posse em favor da comunidade. Naquele ano, após parecer do MPF, o pedido de imissão foi deferido inicialmente pelo juiz federal de primeiro grau, porém a empresa recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, contestando o tamanho da área a ser desapropriada. Apenas em 2014 a questão foi resolvida naquela corte, e desde então o MPF cobrava a retomada da área pelos quilombolas.

Paralelamente, o MPF realizou reuniões com o Incra e com o juízo federal para garantir o cumprimento da decisão. “Ressaltamos a importância da área para as atividades agrícolas da comunidade e para a integração das famílias que ficavam dispersas no território”, afirmou o procurador. O juiz federal José Luiz Rodrigues acolheu, em março deste ano, os argumentos do Incra e do MPF e determinou a expedição do mandado de imissão provisória total na posse, na área correspondente a 159,72ha.

Após a decisão, o oficial de justiça visitou a área e agendou para o último dia 30, a efetiva imissão na posse pela comunidade, com a retirada de todos os bens dos proprietários.

Toninho Canecão lembrou que fazia vinte anos que os quilombolas não podiam sequer entrar na área. “Ninguém do quilombo podia passar aqui. Aqueles que têm 20 anos de idade não conhecem essa área. Eu fui criado aqui, comendo jabuticaba, jamelão. Agora isso aqui é área livre”, comemorou. Ele lembrou que, em razão da proibição dos proprietários, o deslocamento na área era difícil, pois era necessário dar uma grande volta para acessar outras áreas do território. “Agora isso acabou”, disse.

Foto: MPF.

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