Um Ano Após as Olimpíadas: O Que Restou no Rio e no Complexo do Alemão? #QueLegado

O que tem movido os corações aflitos nesses dias de caos e extrema insegurança?

Cleber Araújo – RioOnWatch

Observando os dias atuais, é perceptível o medo e o estado de pânico que todos têm vivido cotidianamente. Um passo à frente é algo desafiador. É um ato de agradecimento se permanecermos vivos. Pois está cada dia mais difícil viver nessa cidade do medo, essa cidade que se afundou em corrupção institucionalizada e patrocinada por governantes que só pensaram em roubar do povo, de forma descabida e sem nenhum pudor, o que ainda restava.

A forma como vejo tudo aqui do alto do morro me faz enxergar com mais nitidez os fatos. O desenrolar dessa história macabra que foi tramada num enredo onde os idealizadores, em seus gabinetes refrigerados, pensaram e arquitetaram as mais diversas formas de lucrar nas grandes obras que o estado mostrou nos anúncios dos grandes eventos que vieram. Eles pensaram nos mínimos detalhes, e com tudo isso estamos sofrendo hoje, passando as mais duras penas, a condenação involuntária causada por indivíduos que de forma covarde tiraram esperança e sonhos de milhares de pessoas. Servidores passando fome, segurança em colapso, os cofres do estado saqueados, hospitais sendo fechados e médicos demitidos, escolas sem aulas e o crescente número de adolescentes e jovens sendo forçados a conviverem sem um futuro, entre outras atrocidades que estamos presenciando e sentido na pele.

Estamos sendo exterminados de forma absurda, ataques covardes, causados por incompetência de má gestão, de governantes que escolheram desviar recursos sagrados que seriam para deixar o tal “legado”. O que nos restou depois da passagem dos eventos foi apenas dor, morte e desesperança. Tudo que estamos passando hoje era previsto neste advento com prognóstico nefasto. Já sabíamos que seria assim e todos os que estavam envolvidos também sabiam. Mesmo assim prosseguiram nesse plano de surrupiar os cofres públicos em favor dos interesses das grandes corporações que lucraram e foram embora daqui com os bolsos cheios de dinheiro. As favelas foram onde mais houveram ataques por conta desse caos instalado. Perdemos muito com tudo isso. Um exemplo aqui no Complexo do Alemão foi o fechamento da Clínica da Família de Palmeiras, o abandono das estações do teleférico e seu fechamento, trazendo um enorme transtorno na locomoção de centenas de moradores que usavam como transporte modal. E o encerramento de atividades da Biblioteca Parque do Alemão. Isso sem contar com o aumento desordenado dos tiroteios diários causando um pânico assustador! Pessoas baleadas e mortas foi o saldo dessa insanidade que foi trazer para cá esses grandes eventos.

Sem os holofotes das mídias que estavam aqui para cobrirem os grandes eventos, o pano de fundo veio a baixo e com isso os abusos foram intensificados e várias violações dos direitos humanos ficaram cada vez mais intensas. O desvio de verbas que atenderiam as demandas de habitação fizeram com que elas não fossem executados. A finalização das obras do PAC foi deixada de mão e assim outras centenas de pessoas foram prejudicadas diretamente.

É muito triste relacionar um período áureo de pré-eventos a esse período atual. Antes havia uma gota de esperança, turistas, uma sensação de segurança, mesmo que falsa, mas havia. E hoje nenhuma pontinha de luz no fundo do túnel.

No período em que sonhamos com as melhorias, foi um êxtase, um frenesi de muitos moradores se capacitando para trabalhar com turismo, buscando aprendizagem através do Sebrae que fez inúmeros moradores acreditarem que valeria a pena tornarem-se micro-empreendedores. Ledo engano. Quantos jovens sonharam em se tornar artistas de teatro, ou mesmo músicos, ou ainda cursaram uma universidade e saíram da condição em que se encontravam, temporariamente? Presenciei muitos adolescentes motivados a buscarem escolas e cursos para se ingressarem no programa Jovem Aprendiz. E, no final, todos esses sonhos foram tirados de forma covarde, pois estes projetos foram impedidos de continuar por conta da falta de verba e também da violência.

Hoje choro com aqueles que assim como eu acreditaram que aqui teria uma continuidade, pessoas que abriram pensão, hospedaria, melhoraram a padaria, os mercadinhos, e até mesmo suas residências. Hoje se veem forçados a olhar para seus empreendimentos desvalorizados e sem futuro. Olhando para os cabos e não vendo as gondolas circularem. Andar com medo nos nossos becos e vielas é algo muito triste.

A Jornada da Juventude, a Copa do Mundo, as Olimpíadas passaram e o que ficou? Um rastro de dívidas e obras inacabadas. Obras superfaturadas que foram concluídas estão hoje abandonadas. O Rio não merecia isso. Esse estado é rico e bonito. Não merecia ser saqueado por essa quadrilha que ainda continua a governar com mão “leve” os destinos de milhões de pessoas.

Finalizando, deixo aqui o meu desabafo, daqui do alto do morro de onde falei–muito antes disso para alguns veículos de comunicação–que quando passasse esses eventos o Rio iria mergulhar em um caos total. E tudo que falei está se cumprindo, inclusive num texto desse mesmo portal, chamado Um dia após o término das Olimpíadas de 2016 aqui no Rio… onde retratei ironicamente como seria se fosse da vontade dos governantes uma real mudança. E vejo que hoje, um ano após o término dos Jogos Olímpicos, nada do que relatei naquele texto aconteceu. Pior, está pior do que antes.

O legado hoje é mortes em vias expressas, mais tiroteios nas favelas, medo e incertezas de como será o amanhã.

Não suportamos mais isso!

Cleber Araujo é morador do Complexo do Alemão, onde através das redes sociais mostra a favela em suas mais diversas formas e momentos.

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