Na Folha
Apesar de disfarçadas por maquiagens verbais, as derrotas sofridas pelo governo Temer na última semana compõem um acúmulo raro. Quatro. Em contraste com as ínfimas e festejadas “melhoras do desemprego e do PIB”, ambas de apenas 0,2% e expostas como atualidade, mas ocorridas lá atrás, no trimestre concluído em junho. O contraste, porém, é ainda maior: com essas derrotas, a propensão da crise é agravar-se. E ampliar as exasperações já generalizadas.
Otimista por erro ou por esperteza política, o governo fixara em R$ 139 bilhões o rombo nas contas deste ano. Precisou corrigi-lo, com aprovação do Congresso, para R$ 159 bilhões. O prazo para correção expirou com a chegada de setembro, e os congressistas não deram quorum para aprová-la. “Sem problema. Emenda-se mais tarde”, dizem uns, publicam outros.
Mas no comércio brasiliense não há mais fiado. Ainda que a correção não leve a uma grande batalha, é um trunfo para a voracidade parlamentar. Terá custos para Temer. E, pior, engrossa desde logo o bolo venenoso que se forma. Paralelo à emenda do rombo, por exemplo, o decreto que deu à mineração sete áreas de proteção ambiental e duas de reserva indígena, com quase 50 mil quilômetros quadrados de Amazônia, sujeita Temer e o governo a uma capitulação. Vencido pelas reações internas e internacionais, o decreto está suspenso “para debate” por quatro meses. Se sobreviver. E sem solução perceptível para o suspeito propósito do governo. Duro problema com a opinião pública.
Sem envolvimento de corrupção faltaria autenticidade ao pacote de dificuldades vindouras para Temer. Por isso, o agravamento da crise dispõe da prometida denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot, no mínimo por obstrução da Justiça e corrupção. Temer e sua defesa deram essas acusações como de comprovação inviável. A própria denúncia pareceu esvaziada pelo segredo de Justiça aplicado à delação de Lúcio Funaro, da qual Janot retiraria elementos de acusação fundamentais. A meio da semana, saiu da Procuradoria Geral a informação de que a denúncia virá.
Como complemento, o único trecho a vazar da delação de Funaro fulminou a expectativa de Temer. Ao que revelou o repórter Jailton de Carvalho (“O Globo”), está confirmado pelo delator o suborno que Joesley Batista disse lhe pagar por seu silêncio. Trata-se daquela informação que recebeu, na alta noite palaciana, a recomendação de Temer: “Tem que manter isso, viu?”, e depois negou referir-se a pagamento de suborno. A confirmação de Funaro é desastrosa para a explicação de Temer, que não teria apoiado mais do que uma ajuda familiar.
A correção do rombo depende do Congresso. O decreto contra a preservação amazônica e os índios depende do Congresso (a versão vigente é irregular, à falta da aprovação parlamentar). A denúncia da Procuradoria Geral da República, se aceita pelo Supremo Tribunal Federal, dependerá do Congresso, onde a Câmara decidirá aceitá-la ou a recusar.
A tal base construída por Temer na Câmara dividiu-se sobre a primeira denúncia feita por Rodrigo Janot e admitida pelo Supremo. Temer só se livrou ao preço de quase R$ 2 bilhões em liberação de emendas para parlamentares, conforme levantamento do deputado Alessandro Molon. Não é negócio que se repita sem risco de reações fora do Congresso, onde o arrocho dramatiza a vida. Sem esquecer as outras decisões em que a posição de Temer depende de Câmara e Senado.
Há uma orquestra, no entanto, a soar pelo país afora o fim da recessão e a retomada do crescimento, com perspectivas promissoras já para este ano, e ainda mais para o próximo. Se não houvesse também objetivos políticos por trás desse engodo, poderia ser uma tentativa de induzir iniciativas otimistas. Ainda assim, não seria a maneira indicada para fazê-lo. Nem resultante. Mesmo neste governo foi tentada por Henrique Meirelles e acompanhantes, com o resultado exibido no atual aumento de R$ 20 bilhões do rombo previsto para este ano.
Temer e seu governo se destroem para destruir o país. E não há engodo ou otimismo que encubra esse drama.