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MPF/MG: Justiça garante integralidade de território quilombola em bairro de Belo Horizonte

Incra havia reduzido ilegalmente o território, excluindo dez imóveis, sob o argumento de que sua desapropriação seria muito dispendiosa aos cofres públicos

Ministério Público Federal em Minas Gerais

A Justiça Federal de Belo Horizonte determinou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publique, em até dez dias, edital validando a aprovação integral do Relatório Técnico de Identificação Territorial do Quilombo de Luízes, com a inclusão dos dez imóveis ilegalmente excluídos pela própria autarquia em junho de 2012. O território da Comunidade dos Luízes, já certificada pela Fundação Palmares como remanescente de quilombo, está situado em área urbana, no bairro Grajaú, região oeste de Belo Horizonte.

Há cerca de nove anos, em 2008, o Núcleo de Estudos de Populações Tradicionais e Quilombolas da Universidade Federal de Minas Gerais (NUQ/UFMG) finalizou o relatório antropológico que identificou a área do território que deveria ser delimitado e regularizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O NUQ/UFMG foi contratado pelo próprio Incra para realizar os estudos, que fazem parte do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI) da comunidade.

Segundo o relatório antropológico, os casais fundadores da comunidade dos Luízes instalaram-se às margens do córrego Piteiras, em 1895, em glebas de terras doadas ou adquiridas, correspondentes hoje a um território de 2,87 hectares. No entanto, de forma inusitada, a superintendência regional do Incra reduziu o território original, excluindo do perímetro dez imóveis, sob o argumento de que as respectivas desapropriações “onerariam sobremaneira o erário”.

Em 17 de agosto de 2012, o Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU), ajuizou ação civil pública para impedir a redução do território quilombola.

Passados exatos cinco anos, em 17 de agosto, o Juízo da 8ª Vara Federal de Belo Horizonte proferiu sentença reconhecendo a procedência do pedido feito pelos autores e condenando o Incra a rever sua decisão anterior no prazo máximo de 10 dias, sob pena de pagamento de multa diária de dois mil reais.

Para o magistrado, a redução do perímetro original do território quilombola foi irregular, “diante da ausência de vício técnico ou jurídico em seu conteúdo”, e ilegal, porque não observou as normas que regem esse tipo de procedimento. “Da mesma forma que a finalidade, os requisitos formais do procedimento são amplamente regrados: não dão margem à discrição e muito menos ao arbítrio da Administração Pública. Não havia, pois, espaço legal para que o Incra, por seu Comitê de Decisão Regional, de ofício, excluísse do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, sem fundamento jurídico relevante, determinada área considerada como quilombola nos precedentes levantamentos técnicos”, registra a sentença.

“Reserva do possível” – A justificativa financeira apresentada pelo Incra também foi rechaçada pelo Juízo, para quem, “tal motivo não é previsto no plano constitucional ou infraconstitucional para que determinado imóvel seja excluído, no início mesmo do procedimento demarcatório. A indenização, quando e se cabível, é questão a ser apreciada apenas após o reconhecimento e demarcação do território quilombola”.

Além disso, o magistrado lembrou que o argumento fundado na “reserva do possível” é abusivo, porque “exime o Estado de cumprir suas obrigações sociais com as parcelas mais carentes da população, como indígenas, quilombolas, favelados e trabalhadores sem terra. Isso, ao tempo em que se multiplicam favores, anistias, subvenções e empréstimos a juros favorecidos, à parte da população mais privilegiada, que alguns analistas denominam do ”andar de cima”. Curioso que, quando o Estado concede parcelamentos a perder de vista a sonegadores, quando não age com rigor para haver destes o crédito que lhe é devido, quando com finalidades políticas imediatistas se aprovam recursos bilionários a fim de se atenderem a emendas parlamentares, nenhuma voz se levante afirmando que tais ações ou omissões estariam violando a“reserva do possível”.

Segundo a sentença, o Incra “não comprovou – e seria de fato muito difícil tal comprovação – a impossibilidade absoluta de arcar com eventuais indenizações aos não quilombolas, possuidores de imóveis na área afetada”.

Por fim, o Juízo Federal determinou que o Incra prossiga com o procedimento de regularização fundiária do território, “com a possível brevidade, observados os prazos e formalidades legais e regulamentares pertinentes, e assegurado o direito de defesa na esfera administrativa”.

Clique aqui para ter acesso ao inteiro teor da sentença.
(ACP nº 41869-04.2012.4.01.3800).

Foto de João Zinclar

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