Coletivo Papo Reto: Combate a Violência Policial

WITNESS / RioOnWatch

Na semana passada, Raull Santiago e Renata Trajano–uns dos nosso parceiros mais inspiradores–do Coletivo Papo Reto juntaram-se à WITNESS na nossa sede no Brooklyn. Papo Reto é um grupo de ativistas comunitários que usam telefones celulares e mídias sociais para combater as narrativas da grande mídia, documentar abusos e relatar a violência policial no Complexo do Alemão, um grupo de 16 favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro no Brasil.

A parceria do WITNESS com o Coletivo Papo Reto começou em 2014. Ao saber que as comunidades nas linhas de frente da violência policial no Brasil estavam abraçando o potencial das mídias de vídeo e sociais para protestar–com grande risco pessoal–a equipe latino-americana do WITNESS ofereceu recursos de segurança e proteção. Em colaboração com os representantes do WITNESS no Brasil (Gerente de Programas Priscila Neri e Coordenador de Programas no Brasil Victor Ribeiro), Papo Reto também reúne uma equipe de aliados que incluem ativistas, defensores públicos e advogados, para considerar criticamente como usar documentação visual para defesa, proteção e evidência.

Na nossa reunião semanal da equipe, o pessoal do WITNESS, os parceiros e os aliados reuniram-se para ouvir os co-fundadores do Papo Reto, Raull e Renata, falarem sobre a vida no Complexo do Alemão, bem como os processos, desafios e realizações do coletivo no combate à impunidade nas favelas. A mídia está repleta de histórias mostrando a comunidade de Raull e Renata assolada pelo tráfico de drogas e pela violência, reforçando a principal narrativa que não leva em consideração a experiência total daqueles que vivem na comunidade. Raull descreveu a “guerra contra as drogas” e o sistema legal como ferramentas racistas de contenção e controle sobre as comunidades pobres no Brasil. Como exemplo, ele invocou o caso de Eduardo de Jesus, um menino de dez anos que foi fatalmente baleado na cabeça em 2015 por um policial que supostamente achou que o seu telefone era uma arma, enquanto ele brincava na varanda da frente da sua casa.

Após o assassinato do Eduardo, Papo Reto foi o primeiro que apareceu no local e rapidamente começou a filmar e tirar fotografias para preservar a evidência crucial. A presença do Papo Reto e as câmeras evitaram que a polícia adulterasse a cena do crime, uma tática comum usada para mascarar as mortes extrajudiciais. O seu envolvimento também iniciou uma análise forense da cena, algo que Raull lembra como “a primeira análise forense de uma morte em uma favela que já vi nos meus 28 anos de vida no Complexo do Alemão”.

Sem a documentação visual do Papo Reto, certas vitórias não seriam possíveis: a preservação da evidência e uma investigação profunda (rara), bem como a conclusão final que Eduardo foi realmente morto pela polícia (mais raro ainda). No entanto, o policial nunca foi julgado no tribunal. A história de Eduardo refere-se ao paradigma da atividade policial no Rio: os policiais raramente são responsabilizados pelas suas ações, e as estatísticas que citam esta frequência são chocantes.

“No Brasil,” Renata informou a todos, “um jovem negro morre a cada 11 minutos.”*

“E a realidade no Brasil é que uma pessoa é morta várias vezes”, Raull explicou. “Primeiro, são mortos com a bala em si. Depois, são mortos pela narrativa da mídia, que papagueia a versão da polícia sobre os eventos descrevendo aquela pessoa como criminosa assassinando a sua reputação. E finalmente, são mortos pelos sistema legal que deixam de responsabilizar os criminosos.”

No caso de mortes extrajudiciais como a de Eduardo, ou as contínuas invasões de moradias particulares no Complexo do Alemão, Papo Reto recebe e produz documentação sobre a violência, e utiliza-a para demonstrar publicamente o impacto destas violações sobre os moradores–com a meta final de criar prestação de contas e mudança. Para o coletivo, os telefones celulares são “armas de defesa e proteção”. Os membros descarregam seus telefones rapidamente, filmando de forma contínua e incansavelmente para capturar a verdade, frequentemente acumulando uma série de vídeos explícitos e claros que podem ser usados como evidência.

Neste verão, Papo Reto comemorou uma vitória importante, quando uma coleção de filmagem de vídeo foi usada como evidência no tribunal para condenar dois comandantes de alto nível pela sua responsabilidade quanto à invasão ilegal em moradias particulares. Este caso é um sucesso significativo, considerando a impunidade disseminada quanto aos abusos cometidos pela polícia nas favelas.

Contrastando com a narrativa convencional sobre a sua comunidade, Raull descreve o Complexo do Alemão como “um lugar com muito poder e ideias extraordinárias–um espaço de resistência para as famílias pobres e negras”, que lutam diariamente para combater os grandes sistemas que intencionalmente buscam lucrar com as vidas dos moradores marginalizados. Raull e Renata também se apressam a esclarecer que para eles, “não é uma escolha ser ativista”. A violência enfrentada pelos moradores do Complexo do Alemão é uma realidade, e a documentação dessa violência é uma questão de sobrevivência diária.

“Tenho mais medo de desistir e não lutar por um amanhã melhor”, Renata explicou. Um sentimento que Raull ecoou com forte confiança: “Apenas preciso saber que você está comigo, e que você saiba que estou com você. Acredito nisso”.

A nossa sessão terminou com Renata pedindo a todos os presentes que compartilhassem a seguinte mensagem: “Parem de matar os nossos jovens–a exterminação dos jovens negros no Brasil precisa acabar”.

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*Oficialmente, a polícia foi responsável por 920 mortes em 2016 na cidade do Rio de Janeiro somente, e pós-Olimpíadas, esse número continua aumentando. O número de mortes por policiais foi 78% maior nos primeiros dois meses de 2017 comparando-se com o mesmo período de 2016. No entanto, como também acontece nos Estados Unidos, as estatísticas tendem a não ser confiáveis. Os relatórios das mortes extrajudiciais pela polícia acabam mascaradas como “atos de resistência”, com termos como “balas perdidas” usados para desviar a responsabilidade. Os ativistas acreditam que o número real de pessoas mortas pela polícia no Brasil é quatro ou cinco vezes maior do que a contagem oficial; em 2014, a BBC informou que a polícia brasileira mata seis pessoas por dia.

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