Decisão do STF reforça direito à terra de comunidades tradicionais

Interpretação de que União não pode regularizar a posse de terceiros sobre áreas de comunidades tradicionais é sinalização importante em defesa dos direitos territoriais dessas populações

Oswaldo Braga de Souza – ISA

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, anteontem (18/10), que o governo não pode regularizar áreas de terceiros sobre terras quilombolas e de outras comunidades tradicionais, como extrativistas e ribeirinhos. A determinação é uma sinalização importante em defesa dos direitos territoriais dessas populações em geral e pode influenciar outros casos na mais alta corte do país.

A expectativa era por uma decisão sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239 contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta a titulação dos quilombos. Também estava prevista a análise da ADI 3646, do governo de Santa Catarina, que questionava decretos de criação de parques nacionais localizados no Estado (saiba mais). O ministro Dias Toffoli, que deveria votar primeiramente nos dois casos, no entanto, não foi ao tribunal por motivos de saúde. Por causa disso, a pauta do tribunal foi invertida e os ministros passaram a apreciar a ADI 4.269. Não há data marcada para retomada dos outros julgamentos.

Na ADI 4.269, a Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ação, defendeu que a redação da Lei 11.952/2009, que instituiu o Programa Terra Legal, abria brechas para que a União regularizasse áreas das comunidades tradicionais em benefícios de terceiros, diferentemente do que dispunha sobre as Terras Indígenas. O relator da matéria, ministro Edson Fachin, e todos os demais ministros, com exceção de Marco Aurélio, concordaram com o argumento. Marco Aurélio considerou desnecessário que o STF firmasse uma interpretação sobre o assunto.

Em seu voto, Fachin argumentou que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo país, garante o direito à terra de todas as populações tradicionais, incluindo os quilombolas, e obriga o Estado brasileiro a garanti-lo. Ele explicou que a Constituição Federal dá proteção especial aos territórios de comunidades “com modos tradicionais de criar, fazer e viver e pelos remanescentes quilombolas”. Segundo o ministro, no entanto, “mostra-se deficiente ou fraca a proteção conferida” pela lei analisada no caso.

Fachin assinalou que a posse das terras das comunidades tradicionais é sempre coletiva e, por isso, sua regularização não pode ser submetida a uma lei sobre titulações individuais. “Os quilombolas se enquadram, assim como os índios, na categoria de comunidades tradicionais, uma vez que o traço essencial de sua caracterização é a preservação de uma cultura distinta da majoritária, mantendo uma relação com a terra que é mais que posse ou propriedade. É uma relação de identidade”, afirmou.

Durante o julgamento, alguns ministros lembraram que, em sua versão inicial, a Medida Provisória 458/2009, que originou a lei 11.952, protegia as terras quilombolas e de outras comunidades tradicionais explicitamente. Durante a tramitação no Congresso, porém, a redação foi alterada para permitir a regularização dessas áreas “de acordo com as normas específicas”. Luiz Fux defendeu que os parlamentares não poderiam ter feito essa mudança – por afetar direitos fundamentais das comunidades tradicionais – sem uma sólida fundamentação.

Proteção da floresta

Alguns ministros reforçaram a necessidade de se preservar a floresta e as terras das comunidades tradicionais como forma de proteger a biodiversidade e combater as mudanças climáticas. Luís Roberto Barroso e Celso de Melo, por exemplo, criticaram os altos índices de desmatamento da Amazônia.

“Nas áreas onde houve demarcação das terras tradicionais e indígenas, o impacto na proteção ambiental foi extremamente positivo. Proteger reservas indígenas e proteger as áreas quilombolas e de comunidades tradicionais é bom para a preservação da Amazônia e do meio ambiente”, disse Barroso. Ele afirmou que o modelo de desenvolvimento baseado no desmatamento praticado na Amazônia não melhorou a qualidade de vida de seus moradores e defendeu a criação de incentivos para atividades econômicas alternativas à produção agropecuária na região. “É uma boa hora no Brasil para se passar a ver a preservação da floresta amazônica como um ativo, e não como um passivo, como ela é frequentemente tratada”, arrematou.

“A floresta amazônica traduz um valor altamente positivo cuja integridade deve e há de ser preservada, inclusive para viabilizar o uso racional de seus recursos naturais”, afirmou Celso de Melo. “A Amazônia tem uma relevância que vai muito além de suas fronteiras. É fundamental no equilíbrio climático global e influencia diretamente o regime de chuvas não só no Brasil, mas em toda a América Latina”, concluiu.

Ao final do julgamento, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, informou que a pauta do dia, sobre direitos socioambientais, foi elaborada para que o tribunal pudesse dar respostas sobre o tema à sociedade. “A pauta foi temática exatamente com esse significado da importância que o Supremo dá tanto à questão do meio ambiente quanto, de uma forma especial e tangenciando o mesmo tema, a dos povos que ali habitam, de uma forma muito especial indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais”, comentou.

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