UFSC afasta responsável pela calúnia que matou reitor e instaura sindicância

Portaria determina investigação dos fatos que levaram à morte de Luiz Cancellier em 60 dias e afasta corregedor de todas as suas atividades

Por Raquel Wandelli, no

Ao completar 18 dias do suicídio que abalou o país, a Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina tomou, na sexta-feira (20/10), a primeira medida efetiva contra o processo de deduragem, calúnia e abuso de autoridade que levou o professor Luiz Carlos Cancellier a denunciar com a própria vida um estado de exceção sem saída. A medida que acena com alguma justiça para Cancellier determina a instauração de uma Comissão de Processo Administrativo Disciplinar para apurar os fatos que culminaram com a prisão, linchamento moral do reitor e interdição do seu acesso à universidade, sem direito de defesa nem respeito às garantias constitucionais do Estado Democrático e de Direito.

A mesma portaria nomeia os membros da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, com prazo de até 60 dias para concluir as investigações. O professor do Curso de Direito, Carlos Araújo Leonetti, presidirá a comissão, integrada pelo professor da Engenharia Civil, Glicério Trichês e o professor de Engenharia Mecânica, Rolf Bertrand Schroeter. Seu dever, segundo o documento, é “apurar os fatos relatados no processo e eventuais infrações conexas que surgirem no decorrer das apurações”. Conciliador e amigo do diálogo, o jurista que defendia uma universidade pluralista foi envolvido na Operação “Ouvidos Moucos”, comandada pela delegada Érika Marena, natural de Curitiba, apontada como autora do nome de batismo da Lava-Jato, que processa o jornalista Marcelo Auler por tê-la denunciado em manifestações a favor de Aécio Neves e contra o PT nas redes sociais.Assinada pelo chefe de gabinete, Áureo Moraes, a Portaria de Número 12. 2353 determina ainda, o afastamento imediato, pelo prazo de 60 dias  do corregedor da instituição, Rodolfo Hickel do Prado de todas as atividades e funções junto à universidade. Servidor público federal da Advocacia Geral da União, Hikel foi o grande pivô de toda a tragédia, na condição de responsável pela denúncia de obstrução da justiça pelo reitor que sustentou a sua prisão por um contingente de 120 agentes da Polícia Federal na manhã do dia 14 de setembro. Nomeado na gestão anterior, da reitora Roselane Neckel, o corregedor encaminhou a “deduragem” contra o reitor e outros seis integrantes da comunidade universitária à Controladoria Geral da União.

 

Cartazes fixados pelos alunos do reitor nos corredores do Centro de Ciências Jurídicas. Foto: Raquel Wandelli

Imediatamente após a prisão dos seis indiciados, os supostos desvios e irregularidades na aplicação de verbas do Programa Universidade Aberta tornaram-se uma sentença de condenação moral jurídica, policial e midiática, na qual o reitor foi a vítima fatal. De uma denúncia de obstrução de investigação judicial, o reitor passou a ser linchado na grande mídia como responsável pelo desvio de verbas envolvendo o destino de bolsas de estudo para a Educação a Distância do curso de Administração, ocorridas dez anos antes da sua gestão. A quantia de R$ 80 milhões, correspondente ao valor total do Programa Universidade Aberta ao longo dessa década, foi “confundida” nas notícias de grandes veículos nacionais de comunicação (como Rede Globo e Folha de S. Paulo), com o possível desvio de R$ 500 mil, que ainda estava sendo apurado. O erro continuou sendo repetido, mesmo depois de esclarecido pela própria Justiça Federal.

No culto ecumênico, realizado em homenagem à memória do reitor, o irmão Júlio Cancellier cobrou em seu discurso a instauração da sindicância à vice-reitora Alacoque Lorenzini Erdmann, que foi confirmada como sua substituta pelo Conselho Universitário. Falando em nome da família e dos amigos, Júlio solicitou que a investigação apure os fatos para devolver à vítima sua dignidade. “Queremos que seja provado se ele agiu errado ou seja publicamente reconhecida sua inocência”.

Preso, algemado, submetido a exame vexatório nu e libertado no dia seguinte, junto com os demais indiciados, o jurista Luiz Cancellier foi proibido de entrar no campus por determinação da Juíza Federal Janaína Cassol Machado, como se representasse um perigo. Morando ao lado da universidade, onde foi militante estudantil nos anos de chumbo, formou-se bacharel, mestre, doutor em Direito, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e por fim reitor, Cancellier entrou em sofrimento físico e emocional e passou a tomar remédios antidepressivos. Afastado dos amigos, dos companheiros de trabalho e impedido inclusive de receber ajuda espiritual, declarou publicamente em artigo no jornal O Globo que estava sofrendo um exílio insuportável. “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”, deixou escrito num bilhete encontrado no bolso de sua calça.

A condenação de morte do reitor deu origem a um movimento crescente chamado Floripa Contra o Estado de Exceção, que reúne agremiações suprapartidárias, entidades, organizações e instituições em defesa dos direitos humanos, personalidades, profissionais, professores, alunos e amigos do reitor. Com a perspectiva de tornar-se uma grande frente nacional em defesa do Estado Democrático e de Direito e da Autonomia Universitária, o coletivo luta pela aprovação da Lei Cancellier Contra o Abuso de Poder e pela responsabilização das autoridades policiais, jurídicas e administrativa envolvidas. Uma faixa denunciando a morte do reitor como vítima do estado de exceção foi afixada na fachada do Centro de Cultura e Eventos, na entrada da SEPEX, Feira de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFSC, que encerra hoje, com a circulação de cerca de dez mil pessoas. O comitê está recolhendo assinaturas em apoio ao seu manifesto pelo endereço floripacontraestadodeexceçã[email protected]

Foto: Raquel Wandelli

Veja o manifesto:

http://floripacontraestadodeexcecao.blogspot.com.br/

https://www.facebook.com/Floripa-contra-o-estado-de-exceção-2090798444279380/

 

Comments (1)

  1. Muito perigoso estas atitudes de conduzir pessoas coercitivamente, sem contudo, terem sido chamadas a dar explicação..
    Caso típico de abuso de autoridade e que precisa ser punido, sejam autoridades policiais, judiciárias ou procuradores.
    Bastava um convite e provavelmente o REITOR compareceria para dar explicações.
    Quem apoia este tipo de atitude, conduções coercitivas sem haver previa notificações, esquece que amanha ou depois, pode ser ele ou alguem da familia dele.

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