Parece que ministro da Justiça só viu agora Tropa de Elite 2, diz Freixo, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

”Seria muito grave se o ministro da Justiça ouvisse o que disse o ministro da Justiça.” A opinião é do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que conversou com este blog sobre a crise institucional aberta após as duras acusações feitas pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, à cúpula da Polícia Militar e ao governo do Rio de Janeiro em entrevista ao jornalista Josias de Souza, do UOL. Torquato afirmou que o governador Luiz Fernando Pezão e sua equipe não controlam a PM e ”comandantes de batalhão são sócios do crime organizado”.

”Achei muito curioso que o ministro, no dia seguinte à sua entrevista, tenha reiterado o que disse citando os filmes Tropa de Elite 1 e Tropa de Elite 2. A sensação que eu tive é de que o ministro assistiu ao filme na semana passada, apesar de ter quase dez anos de lançamento do primeiro e sete, do segundo – que relata o que vivemos na CPI das Milícias”, afirma Freixo.

O deputado presidiu, em 2008, a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre essas organizações criminosas formadas por policiais e ex-policiais, levando ao indiciamento de 225 pessoas. Ele diz que a milícia é o único grupo que transforma domínio territorial armado em domínio eleitoral no Rio. Por conta de sua atuação, Freixo inspirou o personagem Diogo Fraga, no segundo filme. Também presidiu a CPI do Tráfico de Armas e Munições. ”Quando o ministro da Justiça fala disso como se fosse uma novidade e não tem nenhuma atitude sobre isso, é realmente assustador.”

”O ministro da Justiça faz um frase que é irretocável, que essa crise só será resolvida em 2019, ‘com outro presidente e outro governador’. Porque nos atuais governos Pezão e Temer, ele não acredita que será resolvida. Essa parte acho que nenhum brasileiro discorda. Enquanto nos tivermos no Rio, Pezão, e no Brasil, Temer, é muito difícil que alguma coisa melhore”, conclui Freixo. Em entrevista anterior a este blog, o deputado havia afirmado que ”Pezão é um ex-governador em exercício”. Leia a conversa:

Como você avalia a crise aberta com as declarações do ministro Torquato Jardim sobre o envolvimento da polícia do Rio com o crime organizado? Algum dos lados tem razão?
Marcelo Freixo –
 Acho que os dois lados têm razão porque o ministro da Justiça, quando diz que existe uma corrupção estrutural no Rio de Janeiro, envolvendo crime, polícia e política, evidentemente fala algo que não é novo. Ao mesmo tempo, as autoridades do Rio também têm razão quando ficam indignadas quando o ministro da Justiça fala tudo isso sem apresentar nenhuma prova ou ação concreta. Ou seja, todos têm razão quando falam do outro, mas não têm razão sobre suas próprias ações. Essa crise gigantesca se dá mais sobre ”quem” fala do que sobre ”o que” se fala. Nessa semana, eu disse uma frase que resume isso: seria muito grave se o ministro da Justiça ouvisse o que disse o ministro da Justiça.

O ministro diz que as milícias estão tomando conta do espaço do narcotráfico. Você presidiu a CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2008. Como vê a declaração?
Achei muito curioso que o ministro, no dia seguinte à sua entrevista, tenha reiterado o que disse citando os filmes Tropa de Elite 1 e Tropa de Elite 2. A sensação que eu tive é de que o ministro assistiu ao filme na semana passada, apesar de ter quase dez anos de lançamento do primeiro e sete, do segundo – que relata o que vivemos na CPI das Milícias.

Por conta das investigações, nós temos o mapa eleitoral do seu funcionamento. A CPI destrinchou os territórios das milícias, a relação com homicídios, com braços políticos. A milícia é sem duvida alguma o único crime organizado do Rio que tem projeto de poder. Pois o crime desorganizado, violento, não tem projeto de poder – como é o caso do varejo da droga. A milícia vem crescendo muito mais que o tráfico e o território dominado pelas milícias já é maior que o dominado pelo tráfico. E as relações entre as milícias e o poder politico são muito grandes porque elas são o único grupo que transforma domínio territorial armado em domínio eleitoral. Quando o ministro da Justiça fala disso como se fosse uma novidade e não tem nenhuma atitude sobre isso, é realmente assustador.

A corrupção é realmente generalizada na Polícia Militar, como disse o ministro, atingindo todos os batalhões e a cúpula da corporação?
Nós temos uma corrupção muito estrutural, mas é uma corrupção política que evidentemente atinge a polícia. A polícia é sempre reflexo da política. A polícia não é um corpo diferente de como funciona a política. Tendo uma política tão corrupta quanto temos no Rio de Janeiro seria muito difícil termos uma estrutura de policiamento que não fosse corrupta. Agora, quando o ministro da Justiça generaliza, ele deixa de atingir a corrupção em seu funcionamento e passa a atingir a instituição. Aí é muito ruim porque não podemos viver sem a polícia em uma República.Temos que fazer um debate profundo sobre a reforma da polícia, sobre os projetos de mudança da corporação, sobre sua reestruturação, sobre a qualificação da ação policial, sobre seu controle. Há uma série de debates que vêm sendo feitos há muito tempo, com um conjunto muito grande de propostas que não se aplica porque não se quer. Porque não se tem vontade.

Este modelo de polícia atende muito bem determinado interesse político. Quando a polícia é violenta nas áreas pobres e nos guetos, ela é violenta onde se espera o controle eleitoral, mas não se oferta cidadania alguma. A gente pode e deve criticar a instituição polícia, mas devemos buscar formas para ela funcionar melhor. Erra muito o ministro quando generaliza e ainda mais de onde ele fala. Ele tem enorme responsabilidade sobre a qualificação dessa polícia, sobre a integração nacional dos dados, sobre a capacitação. Por mais que a administração seja estadual, a gestão da segurança também é nacional, principalmente a partir de seu ministério.

Diante da falência institucional, econômica e de segurança pública, o caso do Rio é de intervenção política federal?
O governo federal precisa de uma intervenção popular e democrática, com um processo eleitoral de legitimidade. O governo Temer, hoje, tem 3% de aceitação, ou seja, ele é uma margem de erro. E ele tem um problema de origem: não foi eleito, não tem legitimidade. Atende a uma agenda de reformas que nenhum candidato defenderia e ele só defende porque não foi eleito e não será candidato. Agenda que massacra a grande maioria da população brasileira. Não há a menor condição de imaginar que essa crise do Rio de Janeiro será resolvida com um governo federal que representa a maior crise de democracia desde a ditadura.

E como essa crise influencia no quadro eleitoral do ano que vem para a sucessão do governo do Rio?
A eleição de 2018 é uma eleição completamente aberta, há um quadro de incerteza muito grande, não se sabe se as pessoas que as pesquisas apontam hoje serão candidatas no ano que vem. Mas a questão da segurança pública terá uma centralidade muito grande no debate eleitoral. E diante de uma crise de segurança pública, é natural que candidatos de extrema direita, como acontece no mundo inteiro, torne isso sua principal plataforma. Mas sem responsabilidade com a lei, com a justiça social, com o enfrentamento à desigualdade. Pelo contrário, eles criminalizam a pobreza. E dialogam em cima do medo, que é muito próximo da intolerância. Isso pode provocar um retrocesso muito grande no Brasil, tanto através de candidaturas para presidente quanto para o quadro Legislativo. Importante que os setores mais comprometidos com a democracia entendam a centralidade que terá a segurança pública. E que façam esse debate, entendendo que a desigualdade social é decisiva para essa insegurança, que a ausência de direitos está relacionada ao crescimento da insegurança e a da criminalidade. E que precisamos de estudos e diagnósticos e valorização de setores da polícia com melhor qualificação de suas ações. A gente tem tempo para esse debate ainda, um ano até a eleição de 2018.

O ministro da Justiça faz um frase que é irretocável, que essa crise só será resolvida em 2019, ”com outro presidente e outro governador”. Porque nos atuais governos, ele não acredita que será resolvida. Essa parte acho que nenhum brasileiro discorda. Enquanto nós tivermos no Rio, Pezão, e no Brasil, Temer, é muito difícil que alguma coisa melhore. Esse surto de franqueza do ministro, não dá para contestar.

Reprodução/Tropa de Elite 2

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