A natureza agradece ao arroz produzido pelo MST, por Jacques Távora Alfonsin

No Sul21

A fome de milhões de pessoas, espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, acusa os métodos de uso e exploração da terra, a produção de alimentos e a sua partilha injustamente desigual, como severamente contrárias à satisfação devida a necessidade vital de qualquer ser humano se alimentar, condição básica de dignidade e cidadania.

A ilimitada concentração de poder privado sobre terra não deixa margem otimista para a mudança desse quadro. Aqui no Brasil, as perspectivas são bem ruins. Basta somar-se o sucateamento do INCRA, da FUNAI, tudo o que está sendo “vendido” como “reforma”, à preocupação da senhora Luislinda Valois, uma ex-desembargadora (!) e agora ministra dos direitos humanos, considerar o seu salário, superior a R$33.000,00 como o de uma escrava…

O preço cobrado pela bancada ruralista, de outra parte, para manter o voto das/os suas/seus integrantes fiéis ao presidente, subindo à medida do risco de ele ser deposto por impeachment, também acrescenta atestado ao já volumoso acervo da sua improbidade. Se o Supremo Tribunal Federal tem o dever constitucional de pedir licença às/aos suas/seus cúmplices, exercendo seus mandatos na Câmara dos deputados e no Senado Federal, lá dispondo ele de maioria, esse tipo de improbidade, por incrível que pareça, vai garantir-lhe emprego até o fim de 2018.

Sobre o território do país, então, vai acontecer um verdadeiro confisco. A lei 13.465, de julho passado, enraizada na Medida provisória 759, de julho passado, já conhecida como “lei da grilagem”, que já comentamos aqui, está sendo denunciada junto ao Supremo, pela ação direta de inconstitucionalidade 5771. Entre outras razões, porque, a sua “regularização fundiária”, urbana e rural, bem ao contrário do que aparenta, em verdade tenta facilitar ao máximo a mercantilização abusiva da terra e embaraçar ao máximo qualquer possibilidade de reformas agrária e urbana. No fecho da petição inicial, que a Procuradoria da República encaminhou ao Supremo Tribunal Federal, lê-se o seguinte, conforme o site do próprio Tribunal:

“A lei impugnada tem o efeito perverso de desconstruir todas as conquistas constitucionais, administrativas e populares voltadas à democratização do acesso à moradia e à terra e põe em risco a preservação do ambiente para as presentes e futuras gerações.”

O alarido presente na mídia, porém, em torno da atual crise econômico-política, não deixa tempo nem espaço – ou quem sabe conveniência – para a comunicação de alguns fatos reveladores do quanto ainda existe de saudável iniciativa, partida do povo, a lugares e tempos de tanta violação dos seus direitos sociais.

Seja pelas mobilizações massivas de gente organizada do tipo “Frente Brasil popular” e “Povo sem medo”, em defesa de direitos ameaçados ou já desrespeitados por todo esse novo “ordenamento jurídico”  inconstitucional, seja por estudos acadêmicos, obras de crítica política e manifestações de artistas, não se tem dado trégua ao golpe de estado imposto no ano passado. Embora a aparência de normalidade contrária esteja sendo vigorosamente alardeada.

Uma recente tese de doutorado, por exemplo, defendida pelo  engenheiro agrônomo Adalberto Floriano Greco Martins, ao programa de Pós-graduação em Geografia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, foi aprovada com louvor, pela banca examinadora. Mesmo em ponto pequeno e localizado, ela mostra como todo o poderoso preconceito, presente em grande parte da sociedade contra o MST e a reforma agrária, se apoia mesmo é na prova que esse movimento popular e essa política pública oferecem contra a forma predatória de uso e exploração da terra como simples mercadoria, imposta pela sua prisão em latifúndios alheios à sua função social e ambiental.

Sob o título de “A produção ecológica de arroz nos assentamentos da região Metropolitana de Porto Alegre: apropriação do espaço geográfico como território de resistência ativa e emancipação”, e baseada em pesquisa desenvolvida em assentamentos de agricultoras/es situados em Nova Santa Rita, Eldorado do Sul, Charqueadas, Guaíba, Tapes, Viamão e São Jerônimo, a tese visa trabalhar o “tema da produção agroecológica de arroz pela importância que tem essa experiência”, conforme noticia o Sul 21 de 8 deste novembro.

Informa o próprio autor da tese que “tentei sistematizá-la e verificar as práticas de gestão, suas relações internas, os limites e as contradições e situar isso dentro da dinâmica político-organizativa dos assentamentos”, “O principal questionamento da pesquisa era entender como que as famílias orientadas por uma estratégia política, baseada na Reforma Agrária Popular, se fortaleceram e geraram uma resistência ativa que se materializou na forma de um conglomerado de cooperação.” “O conglomerado de cooperação tem características próprias, que é a intensa participação, gestão democrática, reunião dos agricultores em grupos que estabelecem níveis diferenciados de cooperação e controle do conjunto da cadeia produtiva, que vai da colheita até a comercialização”.

Arroz orgânico, agroecologia, resistência ativa, conglomerado de cooperação, gestão democrática. Como devem soar incômodas essas palavras e o seu significado para quem da terra não espera outra coisa que não dinheiro e lucro.  Não é de surpreender, pois, o fato de a realidade delas sofrerem todo o tipo de boicote, mentiras e uma solerte urdidura de leis contrárias, ainda mais quando partem de uma terra conquistada por um movimento popular como o MST. Como todo o grupo humano, ele pode ter os seus defeitos, mas não compactuou com o golpe perpetrado aqui contra a soberania e os direitos sociais do povo, por mais frágeis se mostrem no Brasil, nem contra o Estado, a mãe terra e a natureza, conforme seus adversários vêm fazendo.

*Jacques Távora Alfonsin é Procurador do Estado aposentado, Mestre em Direito pela Unisinos, advogado e assessor jurídico de movimentos populares.

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