Pedras no caminho do porto de Maricá

TJ-RJ acolhe denúncia do Ministério Público e determina afastamento de três servidores com base na Lei dos Crimes Ambientais

Por Elizabeth Oliveira, Projeto Colabora

Em abril de 1832, em expedição pela América do Sul, o naturalista inglês Charles Darwin passou por Maricá e foi atraído pela presença de rochas diferenciadas na praia de Jaconé. Datadas de cerca de 8 mil anos, as chamadas beachrocks (rochas de praia, em inglês) se estendem até Saquarema e têm importância fundamental para estudos sobre a evolução dessa área do litoral fluminense conhecida como Caminhos de Darwin, em homenagem ao cientista que as descreveu pela primeira vez. O valor histórico, científico e cultural da área se tornou um dos principais empecilhos para a instalação do Terminal Ponta Negra (TPN) pela empresa DTA Engenharia.

O polêmico projeto portuário tem sido rejeitado por organizações ambientalistas e movimentos sociais de Maricá. A comunidade acadêmica também condena a instalação e vem embasando a atuação do Ministério Público em ações em níveis estadual e federal. Com isso, a empresa responsável pela obra vem enfrentando impedimentos legais constantes para dar prosseguimento ao processo de licenciamento ambiental, iniciado em 2012.

O mais novo revés judicial ocorreu na semana passada, quando o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) acolheu uma denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) e determinou o afastamento  de três funcionários do Departamento de Recursos Minerais – Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ). A decisão teve como base o artigo 69-A da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) que se refere à emissão de “estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão” em processos administrativos, dentre os quais, os de licenciamento ambiental. As argumentações judiciais também consideraram a importância das descrições dos beachrocks por Darwin.

 Os impactos do TPN

A geóloga Kátia Leite Mansur e o geólogo Renato Ramos, ambos docentes vinculados à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), têm se dedicado a pesquisas na praia de Jaconé e são alguns dos especialistas contrários à proposta de instalação portuária. Segundo eles, um mapeamento dos beachrocks indica que a área de maior ocorrência dos exemplares emersos está justamente no trecho que será impactado pelo empreendimento. Caso o projeto venha a ser aprovado, da forma como foi idealizado, as rochas seriam cobertas pela infraestrutura planejada.

“Estas rochas têm alto valor científico. Pelas estruturas que possuem, demonstram que se formaram na região entre as marés alta e baixa e, assim, são representativas de uma antiga praia. Também, possuem valor para a história da ciência, pois foram descritas por Charles Darwin quando ele passou por ali em 9 de abril de 1832”, afirma a pesquisadora.

Por solicitação do Projeto #Colabora, a professora Kátia Leite Mansur e o professor Renato Ramos listaram alguns dos principais impactos na diversidade natural da região e outros riscos associados à implementação do projeto do porto de Maricá.

– Desmatamento da base da Serra de Jaconé, onde existe um dos últimos remanescentes preservados de Mata Atlântica da região;

– Afastamento da fauna continental e marinha;

– Na área há espécies endêmicas (aquelas que somente ocorrem em um determinado local) e ameaçadas de extinção (o pássaro conhecido como formigueiro-do-litoral; o lagartinho-da-praia e o peixinho-das-nuvens, entre outras);

– No entorno do costão rochoso são observadas espécies migratórias como pinguins, tartarugas e uma espécie de lobo-marinho fotografada na área há poucos meses;

– Há presença de nascentes no costão rochoso;

– Extração mineral nos morros do entorno para área de contenção da obra;

– Aterro em ampla área do mar (apropriação de área pública);

– Assoreamento e erosão na zona de praia;

– Recobrimento do trecho mais significativo dos beachrocks pela implantação do aterro do porto e pelo assoreamento previsto na área a leste do molhe (quebra-mar);

– Impossibilidade de uso da praia próximo ao costão, onde a circulação da água será severamente alterada.

 O ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, integrante do Movimento Baía Viva, é um dos principais opositores da instalação do terminal portuário de Maricá. “Temos vários portos ociosos no Estado do Rio de Janeiro e diante da atual crise econômica, grandes projetos como o do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, ao qual o porto de Maricá deveria atender) terão demandas reduzidas. Nesse contexto, como justificar mais um empreendimento portuário em uma região de grande interesse ecológico, cultural e científico?”, questiona.

Mas, segundo ressalta Lima, a proposta do empreendimento planejado para Maricá não é um caso isolado. “É resultado de um movimento de mudança de padrão da legislação municipal que ocorreu na região metropolitana do Rio de Janeiro, nos últimos anos, para permitir a instalação de grandes projetos de infraestrutura com alto potencial poluidor e de desagregação de populações tradicionais”.

Os professores Ricardo Ramos e Kátia Mansur explicam que no caso de Maricá, para que o projeto portuário fosse aceito naquele local, houve uma mudança no uso do solo (antes a área era considerada Refúgio da Vida Silvestre e APA Municipal das Serras de Maricá pela Lei Municipal 2368/2011) e ainda constava no zoneamento municipal (Lei Municipal 2272/2008) como sendo de Relevante Interesse Turístico. Ambos argumentam que, embora a área não tenha sofrido degradação, desde então, passou a ser destinada para uso industrial (após mudanças propostas pela prefeitura no Plano Diretor  em 2013) sem que fosse possível entender a motivação para a perda de relevância ambiental e turística.  Os pesquisadores também questionam se esta estrutura portuária é realmente necessária e se a praia de Jaconé é o melhor local para implantação do projeto.

A ambientalista Flávia Lanari Coelho, presidente da Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma), considera que o empreendimento envolve altos riscos ambientais e sociais. “O sistema lagunar de Maricá que já sofre as consequências da falta de saneamento ficará ainda mais vulnerável, caso o projeto do porto seja aprovado”, ressalta. Ela também levanta questionamentos sobre a real necessidade de implementação do TPN na atual conjuntura econômica e na localização para a qual foi planejado.

Para o ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, sem a articulação dos movimentos sociais, a convergência acadêmica sobre os riscos associados ao empreendimento e a atuação do Ministério Público, certamente o licenciamento ambiental já teria sido aprovado “já que há grande interesse político na concretização do projeto portuário de R$ 5 bilhões”.

Rejeição nas mídias sociais

Os sinais de rejeição ao projeto do porto de Maricá são manifestados por vários segmentos sociais, em diferentes mídias. Muitas das vozes contrárias ao empreendimento foram reunidas no documentário Beachrock em Chamas(disponível no youtube), produzido pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e lançado em junho deste ano, durante a Semana Mundial do Meio Ambiente.

Com imagens da região, além de depoimentos de moradores, ambientalistas e de pesquisadores que estudam as formações geológicas e o ambiente natural de Jaconé, o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema/MPRJ) que atua no caso, quis ressaltar a importância da participação da sociedade no acompanhamento desse processo de licenciamento polêmico. Na época do lançamento, o promotor de Justiça Marcus Leal, coordenador do Gaema, chamou a atenção para os altos riscos de supressão do sítio geológico.

No Facebook, foi criada a página SOS Jaconé Porto Não na qual são compartilhadas informações sobre o andamento dos processos judiciais, além de divulgadas ações de mobilização contrárias à instalação do projeto. Uma petição pública que já conta com mais de 2,3 mil assinaturas pela não instalação de infraestrutura portuária na praia de Jaconé é uma das principais articulações.

Outra campanha online no Avaaz, com cerca de 600 adesões e endereçada à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), pede o tombamento dos beachrocks como patrimônio histórico e cultural do Estado, por intermédio do PL 2590/2017, em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Segundo o ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, do Movimento Baía Viva, o projeto de lei precisa tramitar pelas comissões da Assembleia Legislativa e ser aberto ao debate público na Casa.

Entretanto, a proposta não passou da CCJ, presidida pelo deputado Edson Albertassi (PMDB). O parlamentar, por intermédio de sua assessoria, informou que agendaria uma reunião com representações da sociedade civil, a fim de entender melhor essa demanda. No entanto, até a última sexta-feira, o encontro não havia sido agendado, situação que para o ambientalista se caracteriza como “um déficitde democracia”.

Projeto #Colabora solicitou entrevista à DTA para que a empresa pudesse responder aos principais questionamentos dos segmentos sociais contrários ao projeto portuário. Entretanto, por intermédio de assessores, foi informado “que, em virtude de o tema estar sub judice (ainda sob apreciação judicial), a DTA não poderá se pronunciar fora dos autos, em respeito ao Poder Judiciário”.

Sobre questões relacionadas à falta de diálogo com a sociedade local, argumento apresentado por alguns segmentos sociais, a empresa ainda ressaltou que “reitera o seu compromisso com o desenvolvimento sustentável e informa possuir os canais de comunicação adequados à interlocução, não apenas com a comunidade local, mas também com todos os interessados em conhecer o projeto”.

Quanto à solicitação de entrevista também apresentada à Prefeitura de Maricá, foi informado, por intermédio da Coordenação de Comunicação, que em relação ao empreendimento portuário, a gestão municipal vem “reiteradamente se manifestando a favor da iniciativa por considerar que o projeto dá à cidade e aos seus moradores uma perspectiva real de melhoria de qualidade de vida, emprego e renda”. Ainda segundo informado: “Quando foi chamada a opinar, durante a elaboração do Relatório de Impacto Ambiental produzido pela empresa responsável e aprovado pelas autoridades competentes, a prefeitura se manifestou exigindo todas as salvaguardas previstas em lei para dar o seu aval”.

Imagem: As rochas de Jaconé têm valor histórico para a ciência pois foram descritas por Charles Darwin, em 1832. Foto Kátia Leite Mansur/UFRJA

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